ÁREA
Química Ambiental
Autores
Lemkuhll, E.F. (UNIVERSIDADE federal da Paraíba) ; Coelho, A.F.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA) ; Sena, R.F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA) ; Rosenhaim, R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA)
RESUMO
A pesquisa teve como objetivo analisar o potencial energético da pele de prata, resíduo do processamento do café, na sua forma especial e úmida, através da análise termogravimétrica e determinar o poder calorífico. A análise termogravimétrica mostrou um padrão de degradação hemicelulose, celulose e lignina. A diferença ocorreu na proporção da degradação da hemicelulose com a lignina, o que pode ser devido os tipos de grãos de café, a temperatura de torra e a adição de água no resíduo. O poder calorífico apresentou um valor de PCS da pele de prata úmida de 9504 J/g e da especial de 19025 J/g, maiores que de biomassas já utilizadas na transformação térmica, como o bagaço de cana-de- açúcar. Os resultados obtidos confirmam o potencial energético da pele de prata em conversões térmicas.
Palavras Chaves
Pele de prata ; Análise termogravimétrica; Poder calorífico
Introdução
São produzidos no mundo, em média, 120 milhões de sacas de café, sendo que, no ano de 2022, o Brasil foi responsável pela produção de 50,38 milhões de sacas e exportou 25,7 milhões de sacas. Esses dados evidenciam o potencial da produção agrícola e a capacidade de abastecimento do mercado internacional de café pelo país (CONAB, 2022). Porém, essa quantidade reflete em uma maior geração de resíduos e subprodutos da indústria do café, como a casca, a borra e a pele de prata. A pele de prata (silverskin) é uma película fina desprendida do grão de café na etapa de torrefação. Nesta etapa, os grãos verdes são colocados em elevadores e conduzidos até o torrador, onde recebem um tratamento térmico de 200°C. Após isso, sofrem um resfriamento rápido de ar ou água, com o intuito de conservar e condensar as substâncias aromáticas presentes no grão (GONZALES, 2015). Durante sua torra, o café passa por alterações físicas e químicas, capazes de modificar sua umidade, promover a perda de massa, a caramelização de açúcares, a liberação de óleos e a expansão do grão (CLARKE; VITZHUM, 2001). Assim, a torra é responsável pela cor e o aroma de um café. A pele de prata, resíduo principal da etapa de torrefação, é diretamente ligada ao grão verde e, durante esta etapa se desprende, pelo fato de não conseguir acompanhar a expansão do grão com o calor. Esse resíduo, produzido em grande quantidade, é normalmente descartado em aterros sanitários, incinerado ou utilizado na alimentação animal (RAMALAKSHMI et al., 2009; MUSSATTO et al., 2011). O descarte pode acarretar impacto direto no meio ambiente fazendo necessário um estudo a respeito de um destino mais apropriado. Segundo Ormond (2006), os resíduos de café possuem forma regular, constituição homogênea e podem ser amplamente utilizados para a geração de energia, através da combustão em fornos industriais. Desta maneira, o presente estudo propõe realizar a análise termogravimétrica da pele de prata a fim de caracterizar o material e determinar o seu poder calorífico, a fim de verificar seu potencial como fonte de energia alternativa.
Material e métodos
Foram coletadas amostras de pele de prata em uma indústria de café local, em quantidade aproximada de 500 g. As amostras foram de pele de prata especial, obtida de uma torrefação de grãos especiais (cafés blends) e pele de prata úmida, obtida das torras de grãos comuns, os cafés tradicionais. A diferença na torra se dá devido a pré-seleção dos grãos. Em cafés blends ou nobres, por serem grãos mais selecionados, a temperatura de torra é menor que em grãos comuns. Os grãos não selecionados, possuem uma mistura de impurezas, tais como galhos e folhas e, para garantir uma torra uniforme, é necessária uma temperatura mais elevada, produzindo um resíduo incinerado. Portanto, esse processo recebe uma irrigação para que o material seja descartado em temperatura ambiente. Após a coleta, as amostras foram acondicionadas em um saco plástico descartável e levadas para o Laboratório de Carvão Ativado, situado no Centro de Tecnologia da UFPB para realização das análises de termogravimétrica. O cálculo do poder calorífico foi realizado utilizando um calorímetro por combustão, no Laboratório de Materiais e Química Ambiental, localizado no Centro de Energias Alternativas e Renováveis da UFPB. Análise termogravimétrica A análise iniciou com a caracterização do comprimento térmico do resíduo pele de prata em uma termobalança, marca Shimadzu, modelo DTG 60, conectada a um computador, que expressou como resultado obtido uma curva. Para se chegar a esse resultado, o equipamento recebeu a programação para aquecimento em 10 °C/min, sob uma atmosfera de Nitrogênio, com uma faixa de temperatura que chegou a 900°C, com tempo de residência de 30 minutos (DENARI; CAVALHEIRO, 2012). Análise de poder calorífico superior A análise de poder calorífico superior foi realizada através da metodologia da ASTM D5865, com medição em um calorímetro por combustão, marca IKA, modelo C 200, com resultado expresso em J/g.
Resultado e discussão
O Brasil, como um importante gerador de subprodutos e resíduos industriais de
origem vegetal, possui grande potencial para uso de biomassas em processos de
conversão térmica (RAMBO et al., 2015). A biomassa é composta basicamente por
hemicelulose (15 a 35%), celulose (30 a 50%) e lignina (10 a 20%) (LIMAYEM E
RICKE, 2012). A hemicelulose degrada primeiro, por possuir cadeias de açucares
mais curtas (FENGEL; WEGENER, 1998), em seguida a celulose que, devido as pontes
de hidrogênio e arranjo em fibras, resiste mais às tensões e, por último a
lignina (CAMPBELL; SEDEROFF, 1996). A análise termogravimétrica da pele de prata
permitiu a observação do comportamento de degradação da biomassa em três picos
distintos. No primeiro pico, ocorreu a liberação de umidade, em uma temperatura
de 0 a 100°C e, após isso, deu-se início a degradação da hemicelulose,
juntamente com um percentual de celulose, na faixa de 200 a 400°C e, por fim,
observou-se a degradação do residual da celulose e início da lignina, em torno
de 400°C, que, ao passar de 500°C teve seu pico rebaixado, porém, próximo a
600°C ocorreu uma possível degradação de uma parte de lignina remanescente.
Esse padrão ocorreu tanto na pele de prata especial, quanto na úmida (Figuras 1
e 2).
A diferença ocorreu na proporção da degradação da hemicelulose com a lignina, o
que pode ser devido os tipos de grãos de café, a temperatura de torra e a adição
de água no resíduo.
A pele de prata úmida apresentou PCS de 9.504 J/g e, após ser seca em estufa, o
valor foi de 19.436 J/g. A pele de prata especial apresentou PCS de 19.025 J/g,
sendo superior ao do bagaço da cana-de-açúcar, analisado por Silva e Santos
(2008), variando seu percentual de 0% de umidade, um PCS de 18.242 J/g e com 50%
de umidade, o valor caiu para 9.518 J/g.
Gráfico da análise termogravimétrica da pele de \r\nprata úmida
Gráfico da análise termogravimétrica da pele de \r\nprata especial
Conclusões
A análise termogravimétrica das amostras de pele de prata úmida e especial mostraram um padrão de degradação para hemicelulose, celulose e lignina. A diferença ocorreu na proporção da degradação da hemicelulose com a lignina. As amostras de pele de prata apresentaram excelentes valores de poder calorífico, sendo para a especial 19025 J/g e, para a úmida, de 9504 J/g, superior ao do bagaço-de-cana, biomassa já utilizada em processos de geração de energia. Esses resultados validam o potencial energético da pele de prata como biomassa em processos de conversão térmica.
Agradecimentos
Referências
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