Degradação de antirretrovirais em efluente farmacêutico utilizando processo foto-Fenton

ÁREA

Química Ambiental


Autores

Lucena, A.L.A. (UFPE) ; Santana, R.M.R. (UFPE) ; Almeida, L.C. (UFPE) ; Duarte, M.M.M.B. (UFPE) ; Napoleão, D.C. (UFPE)


RESUMO

Devido a liberação de fármacos, como a lamivudina e zidovudina, é necessário aplicar tratamentos capazes de degradá-los, como os POA. Logo, este avaliou a degradação dos fármacos citados em efluente farmacêutico (EF) utilizando o POA foto-Fenton em reator de bancada. O EF foi caracterizado e a eficiência do POA estudada após 300 min para: EF inicial (EFI); EF final (EFF); EFI dopado (EFID) e EFF dopado (EFFD) em 2 condições (sem e com acréscimo de Fe). Para o primeiro foram observadas degradações de: 4,78% (EFI), 40,39% (EFF), 3,21% (EFFID) e 50,16% (EFFD), já para o segundo só foram observadas degradações para o EFID (3,64%) e para o EFFD (83,44%). Análises de toxicidade com sementes de alface, cenoura e tomate foram realizadas, sem identificação de inibição do crescimento destas.


Palavras Chaves

POA; Efluente farmacêutico; Toxicidade

Introdução

O uso contínuo de recursos naturais essenciais associado ao crescimento populacional e a constante industrialização e produção cada vez maior tem causado alterações e impactos negativos sobre os ecossistemas locais, regionais e globais (PAPAIOANNOU et al. 2020; BAO; WANG; SUN, 2022). Dentre os muitos compostos merecem destaque os produtos farmacêuticos, tendo em vista a ampla produção e distribuição destes (TANG et al. 2021). A liberação e presença destes contaminantes no meio ambiente pode causar uma série de reações prejudiciais sobre a flora e a fauna, destacando-se: toxicidade, perturbação endócrina em animais, alterações em parâmetros referentes a reprodução, crescimento e comportamento de múltiplas espécies além de geração de bactérias patogênicas resistentes (DUARTE et al. 2022). Dentre as múltiplas classes existentes de fármacos, os antirretrovirais têm sido um foco crescente de pesquisas quanto a presença em águas residuais e superficiais, tendo em vista a aplicação dos mesmos como tratamento ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) e sua alta toxicidade frente a algas e peixes. Nesta classe, dois dos fármacos mais comumente utilizados são a lamivudina e zidovudina (KUDU; PILLAY; MOODLEY et al. 2022). Sabendo que os tratamentos convencionais presentes nas ETE são pouco eficientes para completa degradação destes contaminantes é necessário avaliar a eficiência de outras técnicas e tratamentos que funcionem como alternativa aos convencionais, como os processos oxidativos avançados (POA) (LOPEZ et al. 2022). Os POA se baseiam na geração e aplicação de radicais hidroxila, altamente reativos e que agem de forma não-seletiva e tem a capacidade de oxidar compostos orgânicos complexos, os convertendo a água, dióxido de carbono e sais minerais. São processos eficientes para completa degradação de contaminantes farmacêuticos (ALBORNOZ; SOROKA; SILVA, 2021). Dentre os múltiplos POA existentes, o processo foto-Fenton, caracterizado como o aumento do potencial oxidativo do peróxido de hidrogênio na presença de íons de ferro sob condições ácidas e irradiação luminosa, vem sendo amplamente utilizado para promover a degradação de diferentes tipos de contaminantes farmacêuticos. Com muitos dos trabalhos existentes atingindo degradações completas desses contaminantes (MITSIKA et al. 2021). O presente trabalho teve por objetivo degradar os fármacos lamivudina e zidovudina em efluente farmacêutico utilizando o processo foto-Fenton em um reator fotolítico de bancada. Para tal, foi feita a caracterização do efluente de uma indústria farmacêutica, avaliada a eficiência do POA foto-Fenton para tratar um efluente farmacêutico e estudado o efeito da ecotoxicidade na matriz estudada antes e após a submissão ao POA utilizando ensaios com sementes (alface, cenoura e tomate).


Material e métodos

Coleta e caracterização do efluente A amostra de efluente farmacêutico foi coletada de uma estação de tratamento de efluentes, de uma indústria farmacêutica presente em Recife, Pernambuco. A ETE é equipada com tratamentos físico-químicos e biológicos divididos nas seguintes etapas: gradeamento, neutralização, caixa de areia, coagulação, decantação primária, filtro biológico e decantação secundária. As amostradas coletadas foram divididas em duas, o efluente farmacêutico inicial (EFI), coletado na entrada dos tanques de neutralização, e o efluente farmacêutico final (EFF), retirado dos tanques de decantação secundária. Estas amostras foram mantidas em recipientes plásticos refrigerados e estéreis e conduzidas para o laboratório. Em seguida, foi feita a caracterização utilizando metodologias desenvolvidas pelo Standard Methods for Examination of Water and Wastewater (APHA, 2012). Sendo realizadas as seguintes análises: demanda química de oxigênio (DQO) (Método 5220D), demanda bioquímica de oxigênio (DBO) (Método 5210B), turbidez (Método 2130B), pH, série de sólidos (Métodos 2540B, D, E, F), condutividade (Método 2510), cloretos (Método 4500D) e metais pesados (ferro, cádmio, cobre, cobalto, manganês e níquel) (adaptado do método 3111B, utilizando equipamento de absorção em chama VARIAN, modelo AA240FS). Ensaios de degradação O processo foto-Fenton foi empregado em ensaios de degradação para o EFI e o EFF, utilizando 600 mg‧L-1 de H2O2, concentração de ferro natural do efluente e acréscimo extra de 0,5 mg‧L-1, 300 min de tratamento, irradiação UV-C e volume reacional de 50mL. Foram realizados testes de degradação subsequentes para amostras do efluente dopada com a mistura de fármacos lamivudina e zidovudina, em concentração de 15 mg‧L-1. As amostras dopadas foram denominadas efluente inicial dopado (EFID) e efluente final dopado (EFFD). Testes de toxicidade Por fim, foram realizados ensaios de toxicidade utilizando sementes de Lactuca sativa (alface), Daucus carota (cenoura) e Solanum lycopersicum (tomate) expostas às soluções dos fármacos antes e após o tratamento com o POA. Estes ensaios foram realizados com 20 sementes cada, dispostas em papéis filtro e placas de Petri (Suporte), sendo estas umedecidas com 4 mL das soluções em estudo. Todas as análises foram realizadas em triplicata conforme descrito por Santos et al. (2019), com realização de ajuste de pH para neutralidade.


Resultado e discussão

Os resultados das análises físico-químicas do efluente farmacêutico avaliado (EFI e EFF) estão expostos na Figura 1 a). EFI = Efluente farmacêutico inicial; EFF = Efluente farmacêutico final; EFID = Efluente farmacêutico inicial dopado; EFFD = Efluente farmacêutico final dopado. A partir da Figura 1 a), percebe-se que o EFI apresenta valor elevados de teor de matéria orgânica comportamento comum de indústrias farmacêuticas. A razão DBO/DQO, 0,31 (< 0,40) indica a presença de matéria orgânica no efluente difícil de degradar com tratamentos biológicos ou a inibição da atividade microbiológica (SARAVANATHAMIZHAN; PERARASU; 2021). A carga orgânica do efluente sobre reduções de 86% e 93,8% respectivamente para DBO e DQO, comprovando a eficácia do tratamento convencional presente na ETE analisada. Ambos os parâmetros também estão de acordo com padrões estabelecidos pela Norma Técnica da Companhia Pernambucana de Controle da Poluição Ambiental e de Administração de Recursos Hídricos CPRH N. 2001 (DBO) (PERNAMBUCO, 2000) e pela Resolução Nº 430/2011 do CONAMA (DQO) (BRASIL, 2011). Os valores encontrados para pH em ambos os efluentes estão dentro do autorizado para a legislação brasileira, com ambos apresentando leve caráter ácido (BRASIL, 2011). A turbidez apresenta valor de entrada elevado, devido a presença de partículas suspensas no efluente, principalmente sais, que foram reduzidos 98,4% após o tratamento convencional. A presença destes sais e outros sólidos também explica os valores de condutividade encontrados para o EFI e EFF. Estes sólidos estão presentes tendo em vista a coleta ter sido realizada antes da caixa de areia. Por fim foram avaliados a presença de metais dissolvidos no efluente, com todos os metais, exceto o Fe no EFI, não sendo detectados em valores superiores àqueles estipulados na legislação presente. Uma vez caracterizado os efluentes, a aplicação do processo foto-Fenton foi estudada em duas situações diferentes. Os resultados estão expostos na Figura 1 b) e c), no qual são observados dois comportamentos distintos de degradação para o processo foto-Fenton. Para o processo sem acréscimo de ferro (b) todos os efluentes avaliados apresentaram degradação após 300 min de tratamento, com valores de 4,78% para o EFI, 40,39% para o EFF, 3,21% para o EFFID e 50,16% para o EFFD. O sistema com adição extra de ferro (c) não apresentou degradação para os efluentes originais de entrada e saída, somente para as versões dopadas, com valores de degradação de 3,64% para o EFFID e 83,44% para o EFFD. A diferença encontrada para os tratamentos via foto-Fenton sem e com adição adicional de ferro pode ser explicada pela função do ferro na degradação de contaminantes via processo foto-Fenton, este reage com o H[SUB]2[/SUB]O[SUB]2[/SUB] para formação de radicais hidroxila num ciclo de regeneração entre íons ferro II e íons ferro III (MITSIKA et al. 2021). O comportamento obtido para degradação dos efluentes farmacêuticos dá indícios claros da eficiência do processo foto-Fenton como tratamento terciário para este tipo de contaminante. Considerando que o EFFD simula a ocorrência de um efluente farmacêutico após os tratamentos convencionais, mas que ainda apresente elevada concentração da mistura de fármacos lamivudina e zidovudina, pode-se avaliar diferentes condições para as [H[SUB]2[/SUB]O[SUB]2[/SUB]] e [Fe], para otimizar o sistema. Os resultados obtidos estão expostos na Figura 2 a), considerando uma concentração fixa dos fármacos de 15 mg‧L-1. A partir da Figura 2 percebe-se que o aumento da concentração de ferro, fixada a concentração de H[SUB]2[/SUB]O[SUB]2[/SUB] não favorece a degradação do sistema, ensaios a) e b). Além disso também não se justifica o aumento da concentração de H[SUB]2[/SUB]O[SUB]2[/SUB] > 600 mg.L-1, conforme ensaios c) e d), tendo em vista que o acréscimo na degradação não foi significativo. Após avaliar a eficiência do processo foto-Fenton para degradação dos efluentes em estudo, foram realizados os ensaios de toxicidade, cujo resultados estão expostos na Figura 2 a) e Figura 2 b). Na Figura 2 tem-se que os valores de IG e ICR para as 3 sementes avaliadas não apresentam a germinação e crescimento afetadas negativamente pelo efluente farmacêutico dopado. Ambos os índices indicam um aumento no número de sementes germinadas e no crescimento destas quando comparado ao controle negativo. O crescimento das sementes no efluente dopado pode ser explicado em virtude delas estarem em um meio rico em nutrientes e sais, dois fatores essenciais para o crescimento de plantes e que acabaram por favorecer a germinação. Porém, este favorecimento sofre uma redução nas amostras finais, sem que os valores de ICR sejam menores do que 0,8, padrão para indicação de inibição no crescimento de sementes segundo Young et al. (2012). Desta forma não é possível afirmar que o processo foto-Fenton cause inibição do crescimento das três sementes avaliadas (RODRIGUES-SILVA et al. 2022).

Figura 1

a) Caracterização EF e degradação foto-Fenton em b) \r\nSistema sem adição de ferro e c) com adição extra de \r\nferro de 0,5 mg‧L[sup]-1[/sup].

Figura 2

a) Efeito das [Fe] e [H2O2] na eficiência do processo \r\nfoto-Fenton b) IG e b) ICR para as sementes de alface, \r\ncenoura e tomate, para o EFFD.

Conclusões

A avaliação da degradação da mistura de fármacos lamivudina e zidovudina numa matriz de efluente farmacêutico utilizando o processo foto-Fenton apresentou a melhor eficiência ao se simular a presença da mistura de fármacos no efluente final (saída) da estação de tratamento de efluentes. Para tal, o processo foto- Fenton, com adição extra de ferro ao sistema e um tempo de reação de 300 min obteve eficiência na degradação dos contaminantes da ordem de 83,44%. A avaliação da ecotoxicidade da matriz em estudo após o tratamento via POA mostrou um favorecimento do crescimento das sementes de alface, cenoura e tomate estudadas, não sendo verificada inibição no crescimento destas mesmo após aplicação do POA.


Agradecimentos

À FADE/UFPE, À FACEPE PROJETO APQ-0947-3.06/22, À CAPES e AO LAFEPE


Referências

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