Tratamento de corantes têxteis via processos oxidativos avançados utilizando catalisadores de ferro suportado em resíduo de vagem de feijão verde

ÁREA

Química Ambiental


Autores

Gomes, R.K.M. (UFPE) ; Santana, R.M.R. (UFPE) ; Lucena, A.L.A. (UFPE) ; Cavalcanti, V.O.M. (UFPE) ; Duarte, M.M.M.B. (UFPE) ; Napoleão, D.C. (UFPE)


RESUMO

O tratamento de resíduos diversos representa uma área de atuação em crescimento no âmbito industrial, em virtude da busca por processos produtivos mais sustentáveis. Embora sejam aplicados diversos processos físico-químicos, tais métodos possuem limitações para tratar POP. Assim, este trabalho empregou um tipo de processo oxidativos avançado (foto-Fenton) para tratar uma mistura de corantes têxteis utilizando catalisador de Fe suportado em resíduo de vagem de feijão verde. O tratamento foi eficiente, reduzindo a cor da solução, através de uma cinética mais rápida nos primeiros minutos de tratamento, que se adequou bem ao modelo de BMG, sem indicativo de toxicidade para as sementes analisadas. O compósito produzido se mostrou estável, sendo possível reutilizá-lo por 27 ciclos.


Palavras Chaves

Foto-Fenton; Toxicidade; Cinética

Introdução

As indústrias, de um modo geral, possuem um elevado e significativo potencial socioeconômico. Dentre os segmentos existentes, as do ramo têxtil desempenham um papel importante, visto a grande demanda por vestuários e utilitários em todo o mundo (GALATTI; BARUQUE-RAMOS, 2022). Contudo, esta atividade pode representar um problema, visto os impactos negativos que são causados ao meio ambiente se suas águas residuais não forem tratadas. Nelas estão presentes materiais orgânicos e inorgânicos capazes de interferir nas atividades metabólicas dos organismos vivos, e dentre os compostos estão os corantes sintéticos adequadamente (AL-TOHAMY et al. 2022; EBRAHIMI et al. 2019). Neste contexto, os processos oxidativos avançados (POA) figuram como uma possibilidade de tratamento de efluentes e águas superficiais contaminadas com diferentes tipos de poluentes orgânicos persistentes. Estes processos se baseiam na produção de radicais de alto poder oxidante, como os radicais hidroxila (HO•), que quebram as estruturas dos contaminantes, promovendo sua mineralização idealmente à água, dióxido de carbono e sais inorgânicos. Dentre os tipos de processos está o foto-Fenton, que na presença de radiação, utiliza uma fonte de ferro para catalisar a reação de decomposição de um agente oxidante, geralmente H2O2, em moléculas de HO• (LIN et al. 2022; ÇALIK et al. 2022). No que diz respeito à fonte de ferro, a magnetita é um óxido de ferro amplamente utilizado (WU et al. 2023). Ela pode ser empregada em suspensão ou imobilizada em um meio de suporte, opção esta que facilita a sua separação para reutilização (ZHUANG; SHI, 2019). Substratos sólidos para imobilização de partículas de ferro têm sido investigados, dentre eles biomassa lignocelulósica como os resíduos agrícolas, que apresentam um elevado potencial como matéria-prima para a produção de compósitos com finalidade catalítica e se encontram vastamente disponíveis no meio ambiente (AWOGBEMI; KALLON; AIGBODION, 2021). Eles apresentam baixos custos de produção, visto que para sua preparação são requeridas apenas etapas simples de lavagem, secagem e moagem (GHAZALI; RAHMAN; SAMAH, 2021). Vale ressaltar que embora o processo foto-Fenton possa ser aplicado eficientemente para melhorar a qualidade de efluentes, é importante investigar o potencial toxicológico da matriz tratada. Isto porque espécies químicas intermediárias da reação de degradação podem apresentar características ainda mais nocivas ao ambiente do que os compostos iniciais. Portanto, testes laboratoriais de toxicidade aguda são utilizados como um método complementar e baseiam-se na resposta apresentada pelos organismos testes quando são expostos a contaminantes (COUTO et al. 2018). Diante do exposto, o presente trabalho teve como objetivo estudar a degradação de uma mistura de corantes têxteis através do processo oxidativo avançado foto- Fenton, mediante utilização de radiação solar artificial e fonte de ferro heterogênea. Para tal, desenvolveu-se um compósito catalítico novo e de baixo custo, formado por resíduo de vagem de feijão e magnetita, capaz de atuar como o catalisador do processo. A maximização da eficiência do tratamento foi avaliada empregando a técnica de planejamento e otimização de experimentos com análise de superfície de resposta e regressão de dados. Buscou-se ainda acompanhar o decaimento da concentração da solução de corantes durante a reação de degradação e investigar a capacidade de reutilização no compósito. Por fim, para atestar a viabilidade do tratamento, analisou-se a toxicidade dos subprodutos de degradação, que foi realizada por meio de ensaios com sementes de vegetais.


Material e métodos

Produção de compósito de vagem de feijão verde e magnetita com aplicação em ensaios fotocatalíticos O resíduo de vagem de feijão (RVF), oriundo do comércio local de Recife/PE, foi lavado em água corrente, seco (80±1°C) e triturado em moinho de facas. O compósito RVF/magnetita (RVF/Fe3O4) foi preparado por precipitação química (HAN et al. 2015), cujo procedimento será detalhado futuramente. A sua caracterização analítica foi realizada através das técnicas de FT-IR e DRX. Ele foi aplicado nos ensaios para degradação via POA foto-Fenton de uma solução aquosa composta pela mistura dos corantes têxteis preto direto 22, vermelho direto 23, vermelho direto 227 e azul reativo 21, todos com concentração de 15 mg/L. Tais ensaios foram realizados em béquer de vidro, utilizando 200 mL da solução (pH 3), 0,2 g de RVG/Fe3O4 e 50 mg/L de H2O2, que foi adicionado após o sistema permanecer no escuro por 10 min. O tratamento se deu por 120 min em uma câmara de irradiação fechada contendo uma lâmpada incandescente simuladora da energia solar (SANTANA et al. 2017). Alíquotas da solução foram retiradas em intervalos de 10 min e a quantificação se deu através da técnica de espectrofotometria de ultravioleta/visível, em curva analítica construída no comprimento de onda de 508 nm (SANTANA, 2020). Em seguida, utilizou-se um planejamento fatorial 23 com ponto central em triplicata para avaliar os parâmetros envolvidos na degradação, sendo eles: [H2O2], massa de RVG/Fe3O4 e pH. Os níveis mínimo, central e máximo empregados para cada um dos fatores foram: 50, 100 e 150 mg/L; 0,1, 0,2 e 0,3 g e 3, 4 e 5, nesta ordem. O tratamento dos dados foi realizado com auxílio do software Statistica 10.0. Avaliação cinética e testes de toxicidade De posse de condições experimentais otimizadas, a cinética de degradação foi acompanhada em tempos pré-definidos por um período total de 120 min. Os dados foram avaliados para o modelo não-linear de pseudo-primeira ordem modificado proposto por Behnajady, Modirshahla e Ghanbary (2007). No tempo estabelecido no estudo cinético, a capacidade de reutilização do compósito foi avaliada mediante ensaios consecutivos de degradação, executados até que a eficiência decaísse em no máximo 5%. Testes de toxicidade com sementes de alface (Lactuca sativa) e cenoura (Zanahoria Brasília Irecê) foram realizados com as soluções antes e após o POA foto-Fenton. O procedimento experimental seguiu o descrito por Santana, Napoleão e Duarte (2021) e o nível de toxicidade foi determinado através do índice de germinação (IG) e do índice de crescimento relativo (ICR), conforme Young et al. (2012).


Resultado e discussão

A morfologia do compósito RVG/Fe3O4 está exibida na Figura 1 a). A natureza do novo material foi atestada após a sua caracterização através de diferentes técnicas analíticas, dentre elas a de FT-IR e DRX (Figuras 1 b) e c)). Com base na Figura 1 a), a coloração mais escura do compósito quando comparado ao material in natura foi atribuída à formação de magnetita na superfície do RVG. Isto demonstrou o êxito da metodologia para síntese do óxido de ferro, que foi confirmada através das análises de caracterização. Na Figura 1 b), comparado ao espectro de absorção do RVG, observa-se que no do compósito ocorreu a introdução de picos relacionados à magnetita, principalmente os correspondentes às ligações Fe-O (634 e 552 cm-1), que são características do óxido de ferro (SHATOOTI et al. 2022). Do mesmo modo, a técnica de DRX (Figura 1 c)) mostrou a inserção de picos cristalinos além dos situados em 16,5º e 21,9º, característicos do RVG. Logo, uma vez que os novos picos estão em sua maioria de acordo com o padrão de magnetita pura (n° 252266) publicado pela Inorganic Crystal Structure Database (ICSD), confirmou-se, junto à análise de FT-IR, que o óxido foi sintetizado e imobilizado no RVG. Em seguida, o novo compósito foi utilizado como o catalisador do processo foto-Fenton, onde se verificou que ele não possuía uma característica adsorvente significativa. Após 10 min de contato da solução com o compósito no escuro, a concentração inicial dos corantes decaiu em no máximo 0,65%. Quando avaliada a sua atividade fotocatalítica, atingiu-se 94,69% de redução da concentração, enquanto o teste controle sem o uso do compósito exibiu eficiência de apenas 27,09%. Em seguida, ao avaliar os parâmetros envolvidos na degradação, constatou-se que individualmente, os 3 fatores selecionados para estudo são influentes no processo, assim como a interação entre o pH da solução e a quantidade de RVG/Fe3O4 a ser utilizada. Isto pode ser observado na Figura 2(a), através da Carta de Pareto e do gráfico de cubo (Figura 2(b)). Ao avaliar as condições experimentais mais adequadas para degradação, conforme a Figura 1 b), a maior de 99,43% foi obtida ao fixar o pH em 3, utilizar 0,1g de RVG/Fe3O4 e 150 mg/L de H2O2. O valor de pH pode ser corroborado por autores que revelaram a maior eficiência do tratamento via POA foto-Fenton em meio ácido próximo a 3. Eles acrescentaram que em pH mais próximo à neutralidade ou básico, há uma maior possibilidade de precipitação do ferro (catalisador) na forma de Fe(OH)2/Fe(OH)3, que prejudicam a reação de decomposição do H2O2em radicais HO· (SILVA et al., 2021). Após a definição das condições experimentais mais adequadas para degradação, esta foi acompanhada ao longo do tempo. O perfil cinético está exibido na Figura 2 c) mostra que a reação de degradação ocorreu em múltiplos estágios, com um decaimento mais rápido nos primeiros 20 min (taxa de velocidade 1/m = 0,04 min- 1), resultante da maior geração de HO· no início do tratamento. Houve uma desaceleração nos minutos seguintes, derivada da competição existente pelos radicais ativos entre as moléculas dos corantes e os subprodutos de reação. Por fim, após a diminuição da disponibilidade de oxidante, o sistema entrou em equilíbrio, atingindo a máxima eficiência de degradação. Quanto ao ajuste dos dados, o modelo de BMG, caracterizado por uma função não-linear, foi adequado para descrever com cerca de 97,8% de precisão a cinética da reação, confirmando que a degradação não seguiu uma cinética convencional dependente apenas do tempo de reação. Após a avaliação cinética, no estudo da capacidade de reutilização do RVG/Fe3O4 foi constatado que só após 28 ciclos de degradação houve uma perda de eficiência acima de 5% entre o primeiro (99,43%) e o último (93,14%). Visto que não houve um decréscimo significativo da atividade catalítica do material, ele pôde ser considerado estável e viável para aplicação. Quanto à toxicidade das soluções de corantes antes e após tratamento, foi observado que para ambas as espécies avaliadas não houve influência significativa na germinação das sementes, principalmente para as de cenoura. Os valores do IG variaram de 86,80% para 87,70% (alface) e de 115,24% para 120,55% (cenoura). Com relação ao ICR, os resultados foram de 1,08 e 1,09 para a alface e 1,15 e 1,19 para a cenoura, considerando as soluções sem tratamento e a tratada, respectivamente. Para a cenoura, os valores de IG(%) foram superiores ao 100% do controle negativo (água), indicando um estímulo no desenvolvimento, ocasionado provavelmente pela atuação dos corantes como uma fonte de macronutrientes, sobretudo de nitrogênio (DHAOUEFI et al., 2019). Com base nos valores de ICR, segundo Young et al. (2012), o POA foto-Fenton não interferiu no crescimento radicular das espécies, visto que foram superiores a 0,8.

Figura 1:

a) Imagens do resíduo de vagem (RVG) e do compósito; b) Espectros de: b) FT-IR e c) DRX

Figura 2:

a) Diagrama de Pareto para análise da degradação via foto-Fenton; b) Cubo de resposta (erro residual=0,227); c) Acompanhamento cinético da degradação.

Conclusões

Com base nos resultados alcançados ao longo desta pesquisa, verificou-se que a produção do compósito RVG/Fe3O4 empregando resíduo de vagem de feijão verde e magnetita foi conduzida com êxito, fato este indicado pelas análises de caracterização do material. Ele apresentou baixa capacidade adsortiva, porém, elevada atividade catalítica, mostrando-se capaz de atuar no tratamento oxidativo da mistura dos corantes têxteis empregados no trabalho. A metodologia de tratamento proposta foi eficiente, conseguindo reduzir a cor da solução. A técnica de planejamento e otimização de experimentos permitiu analisar o comportamento dos parâmetros operacionais envolvidos no processo foto-Fenton. Na região investigada, o pH da solução a ser tratada, a concentração de oxidante adicionada para início da reação e a quantidade de compósito disposto no sistema foram fatores relevantes ao tratamento. A avaliação cinética mostrou que a descoloração da solução de corantes através do processo foto-Fenton sob luz solar foi mais rápida nos primeiros minutos de tratamento, havendo em seguida uma desaceleração da reação, mostrando, portanto, que a concentração dos contaminantes decaiu em dois estágios e o modelo de BMG utilizado para representação dos dados cinéticos foi preciso para descrever estes eventos. O RVG/Fe3O4 se mostrou estável em termos catalíticos, sendo possível reutilizá-lo 27 vezes sem perdas de eficiência maiores que 5%. Por fim, os estudos de toxicidade permitiram verificar que não houve interferência significativa na germinação ou crescimento das espécies de semente avaliadas, indicando mais uma vez a eficiência do tratamento proposto e a sua viabilidade para ser avaliado em maiores escalas de trabalho.


Agradecimentos

À FADE/UFPE e à FACEPE.


Referências

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