Espectroscopia de fluorescência molecular acoplada aos modelos PARAFAC e MCR-ALS para investigação da contaminação de combustíveis de aviação

ÁREA

Química Analítica


Autores

Camara, A.B.F. (UFRN) ; Moura, H.O.M.A. (UFRN) ; Silva, M.R.L. (UFRN) ; Souza, E.C. (UFRN) ; Pereira, A.V.S. (UFRN) ; Costa Júnior, R.H. (UFRN) ; Pereira, E.S. (UFRN) ; de Carvalho, L.S. (UFRN)


RESUMO

A identificação de fontes de contaminação em combustíveis de aviação ainda é um problema global, especialmente quando os contaminantes possuem uma composição similar ao combustível, como o querosene iluminantes (KS). Uma nova metodologia quimiométrica foi desenvolvida a partir da combinação da fluorescência molecular com os modelos MCR-ALS e PARAFAC, a fim de identificar a contaminação de JET-A1. Para isso, 50 amostras foram aplicadas para construir os modelos, que permitiram a quantificação do combustível e do adulterante nas misturas com RMSEP < 5,36%. Além disso, o MCR-ALS recuperou o perfil espectral dos componentes da mistura. Dessa forma, o desenvolvimento desses modelos contribui com um método novo, preciso e de baixo custo para rastreamento da contaminação de combustível de aviação


Palavras Chaves

fluorescência molecular; MCR-ALS; combustível de aviação

Introdução

A implementação de métodos para determinação qualitativa e quantitativa de analitos em matrizes químicas complexas, como em combustíveis fósseis, ainda é um desafio para aplicações comerciais (Bayat et al., 2020; Divya; Mishra, 2007). De acordo com a literatura, as análises físico-químicas padrões geralmente não conseguem inferir com precisão a contaminação e/ou adulteração do combustível; portanto, algumas ferramentas quimiométricas avançadas têm sido aplicadas para solucionar esse gargalo industrial e vêm apresentando excelentes resultados, principalmente para o óleo diesel (Câmara et al., 2017; Moura et al., 2019). Assim como o óleo diesel, o combustível de aviação é uma importante fonte de energia no mundo e sua contaminação tem ganhado atenção nos últimos anos como um fator notável em acidentes aeronáuticos (Ashour et al., 2020). Água, lubrificantes, ésteres metílicos de ácidos graxos (FAME), fluido de escape de diesel (DEF), tensoativos e outros destilados de petróleo são as principais fontes de contaminações químicas relatadas em todo o mundo (Omrani et al., 2012). Uma vez que os padrões de prevenção atuais não são completamente eficazes para identificar essa prática, novos métodos de rastreamento de contaminação, rápidos e precisos, precisam ser desenvolvidos para determinar a qualidade do combustível de aviação. As pesquisas mais avançadas na área de adulteração/contaminação de combustíveis relatam o uso de algoritmos de calibração multivariada em associação com técnicas espectroscópicas, como as espectroscopias Raman e infravermelho (MIR/NIR) (Barra et al., 2022), ressonância magnética nuclear (RMN) (Aguiar et al., 2022) e fluorescência molecular (Omrani et al., 2012). Apesar dos estudos bem-sucedidos na investigação de adulteração de combustíveis, apenas alguns pesquisadores ao redor do mundo desenvolveram estudos relevantes sobre o uso de quimiometria para monitoramento de combustível de aviação. Omrani e colaboradores (2012) foram pioneiros neste campo ao quantificar o óleo lubrificante de turbinas aeronáuticas em combustível de aviação em uma ampla gama de concentrações (≥10 ppm) por meio da aplicação de fatores paralelos (PARAFAC) e análise e regressão de componentes principais (PCA/PCR) associados aos espectros de matriz de excitação-emissão de fluorescência (EEM) de amostras contaminadas (Omrani et al., 2012). Recentemente, Câmara e colegas (2022) relataram a aplicação bem-sucedida de dados MIR/NIR na investigação da contaminação de JET-A1 por querosene iluminante (KS), onde a aplicação de modelos MCR-ALS e PLS permitiu quantificar com precisão KS nas amostras (5-60% v/v), bem como recuperar os perfis espectrais de ambos os componentes puros (KS e JET-A1), apesar da alta semelhança na composição e propriedades físico- químicas entre esses dois derivados de petróleo (Câmara et al., 2022). A espectroscopia de fluorescência molecular com variações nas matrizes de excitação e emissão (EEM) é conhecida como uma técnica acessível e eficiente para analisar sistemas multifluorofóricos complexos e fornecer uma matriz de impressão digital de excitação- emissão 3-D das amostras. Desta forma, os espectros EEM podem ser arranjados em um cubo com três eixos: comprimento de onda de excitação, comprimento de onda de emissão e número da amostra (Divya; Mishra, 2007; Omrani et al., 2012). Sua combinação com um algoritmo multivariado de segunda ordem, como PARAFAC e MCR-ALS, fornece a chamada “vantagem de segunda ordem” ao permitir a identificação e quantificação de um analito na presença de interferências desconhecidas não calibradas, o que é esperado problema para a composição complexa de derivados de petróleo (Divya; Mishra, 2007). Como a faixa de ponto de ebulição do querosene de aviação se sobrepõe à da nafta na destilação atmosférica do petróleo, o querosene de aviação possui uma concentração considerável de hidrocarbonetos aromáticos de um e dois anéis (Câmara et al., 2022), que apresentam fluorescência máxima em baixas temperaturas. comprimentos de onda de excitação e emissão. Portanto, o objetivo desta pesquisa foi investigar a aplicabilidade da espectroscopia EEM no desenvolvimento de métodos rápidos, baratos e eficientes para quantificar e identificar a contaminação do combustível de aviação do tipo querosene (JET-A1) pelo querosene iluminante, menos controlado e altamente semelhante. A precisão dos modelos construídos a partir do acoplamento dos dados do EEM aos algoritmos PARAFAC, MCR-ALS e PLS multilinear (n-PLS) foram avaliadas, a fim de propor uma metodologia quimiométrica para o monitoramento on-line da contaminação por combustível de aviação pela KS nos aeroportos.


Material e métodos

Preparação das amostras Amostras de querosene de aviação (JET-A1) foram cedidas pela Refinaria Clara Camarão Potiguar (RPCC) e posteriormente misturadas a diferentes concentrações de querosene iluminante (KS) no Laboratório de Tecnologia Energética (LABTEN) para simulação do processo de contaminação. Para a construção dos modelos de calibração, 50 amostras variando de 0 a 100% (v/v) de KS, e intervalos de 2,0% (v/v) foram registrados para modelagem com dados espectroscópicos de fluorescência molecular com variação nas matrizes de excitação e emissão. Além disso, a nafta foi utilizada para criação de um grupo de predição com a inserção de interferências externas ao conjunto de calibração. Espectroscopia de fluorescência molecular com variação nas matrizes de emissão e excitação Os espectros de fluorescência EEM das amostras estudadas foram obtidos a partir de espectrofluorimetro RF-5301 Shimadzu, através de cubeta de quartzo de 1 cm. As larguras das fendas do monocromador de excitação e emissão foram fixadas em 1,5 e 3 nm, respectivamente. Os espectros EEM foram registrados em comprimentos de onda de excitação de 330 a 390 nm em intervalos de 5 nm; enquanto os comprimentos de onda de emissão foram de 220 a 800 nm em intervalos de 1 nm. Este protocolo resultou em um tamanho de matriz de dados de 13 x 581 para cada amostra. Todos os espectros EEM foram pré-processados para remover os espalhamentos Rayleigh e Raman. Métodos quimiométricos O pré-tratamento dos dados e a construção dos modelos de calibração foram realizados usando o software MATLAB R2014b (MathWorks Inc., Natick, EUA) com PLS Toolbox versão 7.9.3 (Eingevector Research, Inc., Manson, EUA). A resolução da curva multivariada foi calculada usando o MCR-ALS toolbox versão 2.0 (Jaumot et al., 2015). A resolução da curva multivariada com mínimos quadrados alternados (MCR-ALS) é um modelo bilinear que é uma extensão de vários comprimentos de onda da lei de Lambert-Beer. Algumas restrições podem ser aplicadas na construção do modelo durante a otimização ALS, como a não negatividade, que foi aplicada a este conjunto de dados de trabalho para forçar a concentração e/ou o perfil espectral a assumir valores maiores ou iguais a zero. Além disso, uma restrição de correlação de área foi aplicada a este conjunto de dados buscando construir uma restrição de correlação interna, que a cada iteração da otimização ALS estabelece um modelo local linear entre os valores de concentração do analito em um conjunto de amostras de calibração e o estimado atualmente valores de concentração (scores) estimados por ALS (Neves et al., 2016).


Resultado e discussão

Espectroscopia de fluorescência molecular Os espectros de fluorescência EEM de JET-A1, KS, nafta e uma mistura dos 3 componentes estão apresentados na Fig. 1. A dispersão de Rayleigh aparece na diagonal e pode ser observada para todas as amostras. Como esse efeito não contém nenhuma informação química, ele foi eliminado antes da construção dos modelos quimiométricos. Embora os métodos de calibração de segunda ordem possam lidar adequadamente com interferentes químicos, separando seus sinais dos do analito, devido à sua “vantagem de segunda ordem”, eles não são capazes de lidar com efeitos de matriz relacionados a propriedades físicas. O pico de fluorescência mais alto de JET-A1 é observado nos comprimentos de onda de excitação e emissão de cerca de 380 nm e 410 nm, respectivamente, enquanto para KS esse máximo é observado em 330 nm e 340 nm de comprimentos de onda de excitação e emissão. Além disso, JET-A1 e KS apresentaram uma sobreposição na faixa de excitação de 330-390 nm e na faixa de emissão de 340-400 nm, devido à fluorescência semelhante de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HPAs) e seus isômeros presentes em derivados. Os principais compostos de HPAs em ambos os derivados são o naftaleno e seus derivados, que correspondem a uma fluorescência máxima em comprimentos de onda de baixa emissão e excitação, o que está de acordo com os resultados de fluorescência EEM (Patra; Mishra, 2002). Além disso, a transferência de energia de ressonância dos HPAs causa um fraco red shift nos espectros de fluorescência quando ambos os produtos são misturados, o que pode variar com a concentração do contaminante (Omrani et al., 2012; Patra; Mishra, 2002). Calibração multivariada para a quantificação de JET-A1 e KS O modelo MCR-ALS foi aplicado aos dados experimentais com seis componentes (96,67% da variância explicada e 5,68% da falta de ajuste). Os resultados de concentração relativa apresentaram apenas uma relação linear para JET-A1 puro (Fig. 2a). Uma pseudo-calibração foi realizada para esses dados obtendo um valor de RMSEP de 6,02%. Algumas restrições foram aplicadas para diminuir esse erro, como a restrição de correlação de área (Fig. 2b), com 96,01% de variância explicada e 5,87% de falta de ajuste. Além disso, o modelo PARAFAC com 4 fatores (98,49% variância explicada) foi aplicado em comparação aos dados MCR-ALS. O gráfico de concentração medida versus previsto é mostrado na Fig. 2c. MCR-ALS com correlação de área apresentou baixos resíduos para os conjuntos de calibração (RMSEC < 2,34%) e validação (RMSEV < 2,78%), sem diferença significativa entre os modelos. No entanto, o modelo PARAFAC apresentou os menores erros nos conjuntos de calibração e validação (RMSEC = 1,38%; RMSEV = 1,89%). O uso de um conjunto de predição com misturas contendo interferentes externos (nafta) não causou aumento significativo nos erros, com RMSEP<4,44% para ambos os algoritmos, o que destaca a “vantagem de segunda ordem” dos dados de fluorescência do EEM para quantificar e identificar o analito mesmo com a presença de interferentes não calibrados nas amostras. Tanto o MCR-ALS com correlação de área, quanto o PARAFAC foram capazes de quantificar o KS no JET- A1, com RMSEP < 5,36% e R2 > 0,991, conforme mostrado na Fig. 2d,e. Além disso, o MCR-ALS foi capaz de recuperar o perfil espectral dos componentes puros das amostras, conforme ilustrado na Fig. 2f,g. Pode-se observar que não há diferença significativa entre os perfis espectrais experimentais e recuperados.

Figura 1

.Espectros de fluorescência EEM para (a) (b) JET-A1; \r\n(c) (d) KS; (e) (f) nafta e (g) (h) mistura entre os \r\ntrês componentes antes e após pré-tratamento

Figura 2

Curvas de calibração para quantificação de JET-A1 \r\ncom e para quantificação de KS e Espectros \r\nrecuperados pelos modelos para (f) JET-A1 e (g) KS.

Conclusões

Os modelos construídos usando dados de fluorescência molecular EEM combinados com MCR-ALS com restrição de área e algoritmos PARAFAC foram eficazes em prever o conteúdo de JET-A1 e de KS, o que indica a viabilidade do uso desta técnica espectral como uma ferramenta complementar para a triagem de combustível de aviação com baixo custo e excelente precisão. O uso de MCR-ALS permitiu recuperar os perfis espectrais puros tanto para o combustível quanto para o contaminante, sendo assim aplicado para resolver problemas de interferência causados pelo uso apenas das técnicas espectroscópicas.


Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio do LABTEN/IQ/UFRN e da RPCC/PETROBRAS. Este estudo foi parcialmente financiado pela CAPES – Código de Financiamento 001.


Referências

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