Caracterização preliminar da biomassa de fibra de coco em deposição no solo e sua influência na produção de bio-óleo

ÁREA

Química Analítica


Autores

Braga Andrade, Y. (UNIVERSIDADE TIRADENTES) ; de Oliveira Farrapeira, R. (INCT ENERGIA & AMBIENTE) ; dos Santos Polidoro, A. (INCT ENERGIA & AMBIENTE) ; Alves dos Santos, P.N. (UNIVERSIDADE TIRADENTES) ; Kleveston Schneider, J. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA) ; Santos Freitas, L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE) ; Faria Soares, C.M. (UNIVERSIDADE TIRADENTES) ; Bastos Caramão, E. (UNIVERSIDADE TIRADENTES)


RESUMO

O coco verde tem sido reconhecido como uma fonte altamente promissora de biomassa para a conversão de energia e a geração de produtos de valor agregado por meio de processos termoquímicos, como a pirólise. No entanto, são escassas as informações disponíveis acerca do impacto do grau de decomposição (tempo de deposição no solo) dos resíduos de coco. Neste trabalho foi realizada uma caracterização preliminar das biomassas de coco verde in natura e em diferentes tempos de deposição no solo (30, 60, 120 e 240 dias). As amostras foram submetidas a análise termogravimétrica (TGA), análise elementar (CHN)análise de extraíveis e teor de lignina. Os resultados encontrados comprovam a viabilidade do uso desta biomassa em processos de transformações energéticas.


Palavras Chaves

caracterização; biomassas em deposição; bio-óleo

Introdução

Atualmente, a maior parte da energia utilizada no mundo é gerada por combustíveis fósseis. Entretanto, esta fonte produz gases poluentes que são dispersos no ambiente contribuindo para o aumento da poluição, bem como impactos nas mudanças climáticas. Diante disso surge uma necessidade de novas fontes sustentáveis para geração de energia. (KUMAR et al., 2020). Neste contexto, salienta-se o uso de biomassa, definida como qualquer matéria orgânica de origem animal ou vegetal que possa gerar energia. Quando a biomassa é proveniente de resíduos agroindustriais, seu uso contribui para minimizar o descarte inapropriado destes materiais reduzindo impactos ambientais (OPIA et al., 2021). Diante disto, um dos maiores desafios da atualidade é substituir o uso de recursos fósseis por recursos renováveis, desde que estes recursos possuam emissão neutra de CO2, sejam disponíveis e não devem competir com a produção de alimentos (SCHUTYSER et al., 2018). Deste modo, a biomassa se destaca como promissora fonte alternativa de energia, levando-se em consideração sua disponibilidade e acessibilidade, baixo impacto ambiental e baixo custo. A biomassa possui estrutura complexa, composta, majoritariamente por: celulose, hemicelulose e lignina, cujas proporções podem variar. A celulose constitui, de forma geral, 32-45% da biomassa, a lignina 14-26% e a hemicelulose, por sua vez, 19-25% (ZAMAN et al., 2017). A biomassa pode ser utilizada de inúmeras formas, podendo-se citar como exemplos duas rotas energéticas: uma delas é a combustão direta para produção de calor, onde este calor gerado pode ser utilizado para aquecimento ou geração de energia, tendo a geração de cinzas e a baixa eficiência como desvantagens. Outra forma de uso seria a conversão da biomassa em biocombustíveis ou produtos de valor agregado utilizando-se rotas termoquímicas. Os biocombustíveis, apesar de possuírem baixo teor de carbono, possuem teores de nitrogênio, enxofre e cinzas quase desprezível, além de serem ecologicamente corretos, quando comparados aos combustíveis convencionais de origem fóssil (DHYANI; BHASKAR, 2018). O Brasil é um grande produtor agroindustrial e essa intensa atividade gera grandes volumes de resíduos orgânicos que, apesar de biodegradáveis, geram impactos ambientais causados pelo descarte deste material. Dentre as principais fontes de biomassa oriundas de resíduos agroindustriais brasileiros pode-se citar as fibras do coco verde. O coco verde é uma das frutas mais consumidas em todo litoral brasileiro e seu consumo tem se expandido para todo o território nacional e mundial devido às suas inúmeras propriedades nutricionais como isotônico e reidratante. Isso tem gerado um aumento no número de empresas e grandes grupos internacionais inseridos no mercado alimentício incentivando a comercialização e produção de água de coco envasada. As cascas geradas neste processo tornam-se resíduos que representam cerca de 80 a 85% do peso bruto do fruto, que não são aproveitadas pela indústria (MARTINS et al., 2016; ROSA; BEZERRA; CORREIA, 2002). A área mundial colhida com coco é de 11,8 milhões de hectares, produzindo cerca de 62,9 milhões de toneladas, tendo apenas três produtores (Indonésia, Filipinas e Índia) ocupando 73% dessa área e participando com 74,1% da produção total. O Brasil se encontra na quinta colocação na produção mundial, cuja área atual de cultivo é de 187,5 hectares e 1,6 bilhões de frutos produzidos. A região Nordeste concentra 80,9% da área colhida de coco e 73,5% da produção nacional (BRAINER, MARIA SIMONE DE CASTRO PEREIRA, 2021). O conhecimento das características físico-químicas da biomassa é de fundamental importância na escolha da sua destinação. Dentre as possibilidades de aplicação encontra-se a pirólise, desta forma a caracterização prévia da biomassa auxilia na determinação das condições em que o processo deve acontecer, prevendo as propriedades do produto que será obtido e seu potencial uso como fonte de energia. O objetivo deste trabalho foi avaliar o potencial energético da fibra de coco tanto in natura quanto em diferentes tempos de deposição no solo na obtenção de bio-óleo por pirólise, com finalidade de gerar produtos de alto valor agregado.


Material e métodos

A fibra de coco verde foi coletada em uma propriedade residencial no município de São Cristóvão/SE, sendo posteriormente, processada utilizando um moinho industrial e submetida à secagem em estufa de marca SPLabor Modelo SP-100 a uma temperatura em torno de 70 a 80 ºC. Para a análise termogravimétrica (TGA) foi realizada utilizando um analisador da marca HITACHI e modelo STA7200RV sob fluxo de nitrogênio de 150 ml min-1. As amostras foram aquecidas de 25 °C a 900 °C em um cadinho de cerâmica sob uma taxa de aquecimento constante de 20 ºC min-1. Os teores de carbono, hidrogênio e nitrogênio das amostras foram realizados em um analisador elementar EA3000 da marca EuroVector. O equipamento operou com Hélio (99,995%) e Oxigênio (99,99%) com a temperatura do forno primário de 980 ºC. O equipamento foi calibrado com padrão de EDTA (41,15 % C, 5,52 % H e 9,54 % N) usando um range de massa de 0,5 a 1,5 mg em que foi obtida uma curva de calibração linear com correlação maior que 0,99933 para todos os elementos. Os resultados foram tratados no software Weaver versão 1.6.1.0. Para a análise de extraíveis as biomassas secas e trituradas foram submetidas à extração utilizando o sistema de extração guiada por energia dispersiva (EDGE). Foram pesadas aproximadamente 1 g de cada biomassa, diretamente no Q-Cup contendo um conjunto de filtros S1 (C9 + G1 + C9), no qual C9 eram filtros de celulose (tamanho de poro de 40 µm) e G1 era filtro de fibra de vidro (tamanho de poro de 0,3 µm). Foi realizado um ciclo de extrações com 30 mL de água destilada, seguido de mais um ciclo com 30 mL de etanol 95% a uma temperatura de 100 ºC, onde cada ciclo tem como duração 21 minutos. Os rendimentos foram calculados pela diferença de peso da amostra antes e após extração, como também, com base do peso seco do extrato. Já para as análises de teor de lignina insolúvel, 0,3g das biomassas livre de extraíveis foram hidrolisadas adicionando-se 3 mL de ácido sulfúrico 72% a 30 °C durante 1h com homogeneização contínua. Posteriormente, adicionou-se 84 mL de água destilada e as amostras foram levadas para o autoclave a 121 °C durante 1h. O material foi filtrado em cadinhos de Gooch devidamente secos e pesados. Os cadinhos contendo o resíduo sólido foram secos a 105 ºC durante 4 h e então pesados. A massa do resíduo compreende a lignina insolúvel em ácido. O cálculo realizado para determinação do teor de lignina insolúvel foi feito utilizando a seguinte equação: LI (%) = ((mr-mc) -(mcz-mc))/m x 100 Onde: LI % = Teor de lignina insolúvel em ácido na biomassa extraída; mr = Massa do cadinho com resíduo (g); mc = Massa do cadinho seco (g); mcz = Massa do cadinho com cinzas (g); m = Massa da amostra (g);


Resultado e discussão

• Análise Elementar A análise elementar indica o percentual mássico dos elementos químicos encontrados nas amostras analisadas, e estão expressos na Tabela 1. A partir da análise destes dados, pode-se observar que não houveram variações significativas nos teores de carbono, hidrogênio e oxigênio entre as amostras de coco in natura e em diferentes tempos de deposição no solo. Os elevados teores de oxigênio encontrados sugerem a presença dos polímeros formadores da biomassa (celulose, hemicelulose e lignina) ou ainda a presença de água intrínseca na estrutura. Isso reflete no rendimento de bio-óleo formado no processo de pirólise e na sua composição, podendo ser encontrados alto teor de compostos como cetonas, aldeídos e principalmente fenóis. Observa-se também que o coco possui baixo teor de nitrogênio em sua composição, desta forma, são esperadas quantidades desprezíveis de compostos nitrogenados no bio-óleo. • Análise Termogravimétrica O comportamento da decomposição da amostra é um importante parâmetro a ser avaliado antes do processo de pirólise. A Figura 1 apresenta os resultados referentes à análise termogravimétrica das amostras de coco. As linhas pretas representam a variação de perda de massa associada à degradação térmica das amostras (TGA) e as linhas vermelhas, a derivada deste perfil (DTG). A partir dos termogramas, pode-se observar os estágios de perda de massa envolvidos na decomposição das biomassas. O primeiro estágio ocorre até aproximadamente 200 °C, correspondendo à uma média de 10% para todas as amostras, podendo ser atribuído à perda de água e compostos orgânicos mais leves. O segundo estágio começa a degradação do material lignocelulósico das biomassas. Inicia-se em 200 °C e vai até aproximadamente 300 °C e corresponde à degradação da hemicelulose e início da degradação da celulose. Observa-se que, para todas as amostras, esta perda é de cerca de 20%. Por fim, o último estágio, ocorre na faixa de temperatura de 300 a 500 °C e corresponde à maior perda de massa em todas as amostras, com cerca de 40%. Neste estágio ocorre degradação de parte da celulose e da lignina, que apresenta uma ampla faixa de decomposição, que varia de 100 a 900 °C. A partir destes resultados pode-se observar que a decomposição termogravimétrica da biomassa até a temperatura aproximada de 500 °C corresponde a cerca de 60 a 70% da massa inicial das amostras. Através desta análise definiu-se a temperatura final de pirólise em 700 °C, pois pode-se observar que ainda existe material orgânico (lignina) passível de degradação. • Teor de extraíveis e lignina A etapa de análise de extraíveis desempenha uma função primordial na eliminação de constituintes não-estruturais da biomassa, com o intuito de mitigar possíveis interferências nos teores de lignina, celulose e hemicelulose. A etapa inicial de extração, empregando solvente aquoso, objetiva a separação de componentes não-estruturais solúveis em água, a exemplo de açúcares livres e proteínas, originados do metabolismo vegetal, e de conteúdo inorgânico, advindo tanto da biomassa em si como de contaminações do solo ou fertilizantes. A etapa subsequente, caracterizada pela extração etanólica, desempenha a função de eliminar clorofila, bem como ceras e outras espécies minoritárias presentes (CARPENTER et al., 2014). A determinação do teor de lignina, por sua vez, é também uma etapa importante na caracterização da biomassa, visto que a partir do conhecimento de sua composição pode-se dar o destino mais adequado à esta, como a produção de bio-óleo rico em compostos fenólicos, provenientes principalmente da degradação estrutura aromática da lignina (CHEN; LIANG; WU, 2016). A Tabela 2 apresenta os teores de extraíveis e lignina encontrados nas amostras analisadas. A partir dos dados obtidos observa-se uma redução considerável nos teores de compostos extraíveis das amostras quando comparado a biomassa in natura (28,69%) com as amostras em diferentes tempos de deposição (média de 8%). Esta diminuição do teor de extraíveis em amostras em deposição pode ser explicada devido à processos de degradação química e biológica que ocorrem resultando na quebra de componentes solúveis presentes na biomassa, tornando-os mais estáveis e menos solúveis. Além disso o processo de decomposição leva à liberação de compostos voláteis, o que pode influenciar diretamente na redução do teor dos extraíveis. O teor de lignina na composição das amostras de coco estudadas foi bastante elevado, com valor médio de 40%. Isto explica o alto grau de durabilidade e resistência deste material. Pode-se observar um aumento no teor de lignina na amostra de 120 dias, o que provavelmente ocorre devido à decomposição da celulose e hemicelulose presentes na amostra.

. Perfis obtidos na Análise Termogravimétrica das amostras de coco sen

TGA das amostras

Tabelas 1 e 2

Tabela 1. Análise Elementar das biomassas de coco \r\nutilizadas neste trabalho.\r\nTabela 2. Teor de extraíveis e de lignina \r\ninsolúvel das amostras.\r\n\r\n

Conclusões

A realização das caracterizações das biomassas foi bastante relevante na compreensão do comportamento da biomassa no processo de pirólise. O resultado da análise elementar (CHN) indicou um bom valor energético desta biomassa e um baixo potencial poluidor. Além disso, a partir da análise termogravimétrica, pode-se observar o perfil de degradação térmica da biomassa em decomposição, indicando um possível aumento no teor de lignina à medida que o tempo de deposição aumenta. Esses resultados permitem concluir que o envelhecimento por deposição prolongada no solo da casca de coco não diminui seu potencial de geração de biocombustíveis ou bioprodutos aplicáveis na indústria química, utilizando a pirólise como processo de transformação.


Agradecimentos

À CAPES pelo financiamento desta pesquisa, à Universidade Tiradentes e Universidade Federal de Sergipe pela infraestrutura disponibilizada.


Referências

BRAINER, MARIA SIMONE DE CASTRO PEREIRA. Coco: Produção e mercado. Caderno Setorial ETENE, , 2021.

CARPENTER, D. et al. Biomass feedstocks for renewable fuel production: a review of the impacts of feedstock and pretreatment on the yield and product distribution of fast pyrolysis bio-oils and vapors. Green Chem., v. 16, n. 2, p. 384–406, 2014.

CHEN, J.; LIANG, J.; WU, S. Lignin-rich biomass of cotton by-products for biorefineries via pyrolysis. Bioresource Technology, v. 218, p. 402–409, out. 2016.

DHYANI, V.; BHASKAR, T. A comprehensive review on the pyrolysis of lignocellulosic biomass. Renewable Energy, v. 129, p. 695–716, dez. 2018.

KUMAR, R. et al. Lignocellulose biomass pyrolysis for bio-oil production: A review of biomass pre-treatment methods for production of drop-in fuels. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 123, p. 109763, maio 2020.

MARTINS, A. P. et al. Problema do Pós-consumo do Coco no Brasil:: Alternativas e Sustentabilidade. Sustainability in Debate, v. 7, n. 1, p. 44–57, 30 abr. 2016.

OPIA, A. C. et al. Biomass as a potential source of sustainable fuel, chemical and tribological materials – Overview. Materials Today: Proceedings, v. 39, p. 922–928, 2021.

ROSA, M. DE F.; BEZERRA, F. C.; CORREIA, D. Utilização da Casca de Coco como Substrato Agrícola. Relatório EMBRAPA, v. 52, 2002.

SCHUTYSER, W. et al. Chemicals from lignin: an interplay of lignocellulose fractionation, depolymerisation, and upgrading. Chemical Society Reviews, v. 47, n. 3, p. 852–908, 2018.

ZAMAN, C. Z. et al. Pyrolysis: A Sustainable Way to Generate Energy from Waste. Em: SAMER, M. (Ed.). Pyrolysis. [s.l.] InTech, 2017.

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