ÁREA
Química Analítica
Autores
Braga Andrade, Y. (UNIVERSIDADE TIRADENTES) ; de Oliveira Farrapeira, R. (INCT ENERGIA & AMBIENTE) ; Alves dos Santos, P.N. (UNIVERSIDADE TIRADENTES) ; dos Santos Polidoro, A. (INCT ENERGIA & AMBIENTE) ; Kleveston Schneider, J. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA) ; Santos Freitas, L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE) ; Faria Soares, C.M. (UNIVERSIDADE TIRADENTES) ; Bastos Caramão, E. (UNIVERSIDADE TIRADENTES)
RESUMO
O resíduo de coco verde do Nordeste é uma promissora fonte de biomassa para energia e produtos de valor. Vários estudos têm focado na pirólise e bio-óleo, entretanto o efeito do tempo de deposição no solo dos resíduos de coco verde ainda é pouco explorado. O presente estudo quantificou 14 compostos fenólicos em bio-óleos de coco obtidos por pirólise rápida em diferentes tempos de deposição (0, 30, 60, 120 e 240 dias). O teor de catecol aumentou de 45,65 g kg-1 (in natura) para 67,15 g kg-1 (120 dias), porém diminuiu em 240 dias (42,39 g kg-1). Os resultados destacam o potencial valor das biomassas em deposição como fonte de compostos fenólicos relevantes.
Palavras Chaves
quantificação; bio-óleo; GC/TOFMS
Introdução
A economia global atualmente é pautada no uso de fontes fósseis, tanto para a geração de energia, quanto para a produção de insumos para a indústria. Entretanto, esta fonte produz gases poluentes que se dispersam no ambiente contribuindo para o aumento da poluição, bem como gerando impactos nas mudanças climáticas. Diante disso surge uma necessidade de novas fontes sustentáveis para geração de energia e produtos (KUMAR et al., 2020). Diante deste cenário, salienta-se o uso de biomassa, definida como qualquer matéria orgânica de origem animal ou vegetal que possa gerar energia. Quando a biomassa é proveniente de resíduos agroindustriais, seu uso contribui para minimizar o descarte inapropriado destes materiais reduzindo impactos ambientais (OPIA et al., 2021) . O Brasil é um dos maiores produtores agroindustriais do mundo e essa intensa atividade gera como consequência grandes volumes de resíduos orgânicos. Assim, o uso de fontes renováveis, incluindo a biomassa, representou 44,7% no fornecimento total de energia em 2021 no país (“Balanço Energético Nacional 2022”, [s.d.]). Dentre as fontes de biomassa oriundas destes resíduos agroindustriais pode-se destacar a fibra e a casca do coco verde. A quinta maior produção mundial de coco fica com o Brasil, com 1,6 bilhões de frutos produzidos. A região Nordeste concentra 80,9% da área colhida de coco e se destaca com cerca de 73,5% da produção nacional (BRAINER, 2021). . O destino usual dos resíduos de coco verde são os aterros sanitários, entretanto também são depositados em locais inadequados como parques e terrenos baldios, contribuindo de forma expressiva na proliferação de insetos e vetores de doenças como a zika e dengue, além de causar mau cheiro e contaminação dos solos. É importante destacar que as cascas de coco levam cerca de 8 a 10 anos para ser degradado no ambiente (MARAFON; NUNES; AMARAL, 2019; PAZ; PEDROZA; OLIVEIRA, 2017). As fibras do coco (material que compõe o mesocarpo), são obtidas após a utilização da água e parte comestível do fruto. Possuem um teor de lignina de 46 a 46%, teor de celulose de 35 a 45%. Esse teor de lignina é maior do que diversas outras fibras vegetais convencionais, alterando seu comportamento mecânico e permitindo seu uso de inúmeras maneiras, uma vez que possuem alta resistência e durabilidade (GIRALDELLI et al., 2021). Inúmeros estudos surgiram na busca de alternativas para o uso das fibras de coco, de modo a agregar valor ao resíduo descartado em quantidades expressivas. Algumas aplicações já existentes para a fibra do coco são no artesanato, na produção de fios, tapetes, esteiras, colchões. É utilizada também na construção civil na fabricação de compósitos. Além disso, amplamente estudada também na adsorção de corantes e metais pesados (MISHRA; BASU, 2020). Uma outra forma de reaproveitamento destes resíduos é através da pirólise, definida como um processo termoquímico de degradação da biomassa sob atmosfera inerte gerando 3 produtos: gases não condensáveis, biochar e bio-óleo (BRIDGWATER, 2004). O bio-óleo, produto líquido da pirólise, é uma mistura complexa de água e compostos orgânicos, incluindo centenas de compostos oxigenados que conferem ao bio-óleo, características ácidas, elevada viscosidade, baixo poder calorífico e alta instabilidade (QI et al., 2007). Uma vez que esta biomassa seja submetida à pirólise, o bio-óleo gerado precisa ser caracterizado, a fim de propor uma melhor aplicação para ele. Pode-se citar técnicas amplamente utilizadas em diversos trabalhos como a cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (GC/MS) e a cromatografia bidimensional abrangente também acoplada à espectrometria de massas (GC×GC/MS), utilizando diferentes analisadores de massas, como o quadrupolo ou TOF (tempo de voo). Este trabalho tem como objetivo quantificar compostos fenólicos identificados nas amostras de bio-óleos oriundos da pirólise rápida das biomassas de coco verde in natura e em diferentes tempos de deposição no solo (30, 60, 120 e 240 dias utilizando a cromatografia gasosa monodimensional acoplada à espectrometria de massas com analisador por tempo de voo.
Material e métodos
• Pirólise das amostras O sistema utilizado na realização das pirólises é formado por um forno horizontal circular de 25 cm de diâmetro e 20 cm de comprimento. O forno possui uma camada refratária interna de 11,5 cm de espessura e um orifício central de 2 cm de diâmetro, no qual é introduzido um reator de vidro de 40 cm, com entrada para gás inerte (N2) e um termopar para controle de temperatura de 12,5 cm de comprimento. Todas as biomassas foram pirolisadas nas mesmas condições sendo a temperatura escolhida 700 °C, fluxo de nitrogênio de 2 mL min-1 e 0,1 g de biomassa. A biomassa fica fixa no reator com o uso de lã de vidro nas duas extremidades. O reator contendo a biomassa é inserido no forno pré-aquecido de modo que a biomassa fique centralizada no forno para um aquecimento mais uniforme. O reator é conectado ao fluxo de N2. A temperatura é controlada de modo que a biomassa inserida no reator atinja os 700 °C e permaneça nesta temperatura por 1 minuto. Posteriormente, o reator é retirado do forno, resfriado a temperatura ambiente e lavado com cerca de 15 mL de acetona para remover todo o bio-óleo formado. Coleta-se o bio-óleo em um béquer, que é levado à capela até que todo o solvente seja evaporado. • Quantificação das amostras por GC/TOFMS Para a quantificação foram utilizados os seguintes padrões: catecol, cresol, guaiacol, 2,5-dimetilfenol, 4-etilfenol, 3,5-dimetilfenol, 3,4-dimetilfenol, eugenol, vanilina, fenol e 2,6-dimetilfenol. Todos os padrões utilizados foram adquiridos da Sigma Aldrich. A partir dos padrões foram feitas curvas de calibração variando as concentrações de 5 a 100 mg L-1, exceto para o catecol que, devido às altas concentrações encontradas nas amostras, a curva foi feita variando de 200 a 500 mg L-1. Todas as amostras de bio-óleo bem como as curvas de calibração foram injetadas no mesmo método e em triplicata utilizando um cromatógrafo gasoso acoplado a um detector de espectrometria de massas com um analisador do tipo TOF de marca Agilent modelo 7250 GC/Q-TOF (Santa Clara, Califórnia, EUA). Neste sistema, a coluna utilizada foi HP-5MS com 50 m de comprimento, 0,25 mm de diâmetro interno e 0,25 μm de espessura em fase estacionária, utilizando hélio (99,999% de pureza) como gás de arraste a uma vazão de 1 mL min-1. As amostras foram injetadas utilizando amostrador automático PAL RSI 120 da Agilent (Santa Clara, Califórnia, EUA) no modo split. A programação do sistema utilizada foi: temperatura do injetor, interface e fonte de íons foram mantidas a 310 ºC, e a energia de ionização por impacto de elétrons de 70 eV, operação do sistema em modo SCAN com varredura de 45 a 450 daltons. A temperatura inicial do forno foi de 50 ºC com mantida por 7 minutos e uma taxa de aquecimento de 3 ºC min-1 até atingir a temperatura de 280 ºC, a qual foi mantida por 5 min.
Resultado e discussão
• Pirólises
Os rendimentos mássicos obtidos para as frações de bio-óleo e biochar gerados na
pirólise estão disponíveis na Tabela 1 e ilustrados graficamente na Figura 1.
Foram consideradas frações gasosas todos os gases que não são coletados ao final
do processo pirolítico, tais como H2, CO e CO2 bem como perdas ocorridas durante
o processo. Os gases e perdas foram calculados por diferença.
A partir dos dados, pode-se observar que os rendimentos de bio-óleo apresentaram
pouca variação entre as biomassas de coco em deposição (FC 30, 60, 120 e 240
dias). Entretanto, quando em comparação com o coco in natura, os rendimentos de
bio-óleo sofreram uma redução significativa. Já os rendimentos de biochar e dos
gases e perdas, mantiveram-se sem diferenças muito consideráveis.
O teor de bio-óleo foi mantido quase constante após o tempo de deposição no
solo, variando de 7 a 13%, bem como o teor de biochar, variando de 26 a 33%.
Isso indica que o tempo de deposição após o descarte do coco em depósitos de
resíduos, não alterou o rendimento do processo pirolítico. Uma vez que a
qualidade do bio-óleo não sofra alterações significativas, os resíduos urbanos
de coco podem ser utilizados em qualquer estado de deposição nos processos
termoquímicos de pirólise.
Parâmetros como taxa de aquecimento, tamanho das partículas da biomassa, fluxo
de gás inerte, temperatura, tempo de residência e configuração dos reatores
influenciam diretamente no rendimento dos produtos da pirólise . Contudo, o
resultado encontrado mostra que, além dos parâmetros citados, o estado de
conservação da biomassa também deve ser levado em consideração na pirólise,
visto que a deposição dos cocos utilizados interferiu no rendimento de bio-óleo
ao final do processo.
• Quantificação dos compostos fenólicos
Os fenóis são compostos majoritários presentes no bio-óleo oriundo da biomassa
de coco verde. Diante da importância destes compostos para a indústria química,
uma quantificação faz-se necessária para melhorar a avaliação da concentração
dos fenóis nas amostras analisadas, bem como avaliar como se comporta esta
concentração de acordo com o tempo de deposição das amostras.
A Tabela 2 apresenta as concentrações encontradas para cada um dos compostos
analisados expressos em grama de composto por quilograma de bio-óleo.
Como observado na Tabela 2, foi possível a quantificação de 11 compostos
fenólicos por meio da calibração externa com padrões comerciais. Em termos de
concentração, pode-se observar que o catecol apresentou-se como composto
majoritário, seguido do fenol e 2,6-dimetilfenol. Nota-se um aumento na
concentração do catecol da amostra in natura (48,09 g kg-1) para a amostra em
120 dias (67,15 g kg-1), e, a partir deste ponto, um decaimento na concentração
para a amostra de 240 dias (42,39 g kg-1). Este mesmo comportamento ocorreu para
outros compostos como a vanilina, eugenol e alguns alquilfenóis quantificados
neste trabalho. A Figura 2 ilustra os resultados em gráfico para melhor
compreensão dos dados.
O catecol e seus derivados apresentam enorme versatilidade devido à riqueza de
suas propriedades físico-químicas através de interações covalentes e não
covalentes com substratos orgânicos e inorgânicos. Essas importantes
propriedades permitem que o catecol seja incorporado em diversas aplicações
importantes como na produção de adesivos e biopolímeros, fabricação de eletrodos
orgânicos, além de diversas aplicações no campo da biomedicina (PATIL; JÉRÔME;
DETREMBLEUR, 2018).
O 2,6-dimetilfenol também apresentou concentrações expressivas nas amostras de
bio-óleo, tendo um aumento de 13,92 g kg-1 na amostra in natura para 23,78 g kg-
1 na amostra de 120 dias. Os dimetilfenóis apresentam uma série de aplicações
importantes na indústria química como na produção de materiais poliméricos,
conservantes, desinfetantes, além de serem intermediários nas sínteses de
resinas e corantes. Apresentam ainda aplicações no campo de produção agrícola na
síntese de pesticidas (SHI; YU; WANG, 2022).
Tabela 1. Rendimentos das pirólises realizadas.\r\nTabela 2. Concentração dos compostos quantificados \r\nem cada amostra de bio-óleo.\r\n
Figura 1. Gráfico comparativo dos rendimentos dos \r\nprodutos de pirólise obtidos para cada biomassa.\r\nFigura 2. Concentração dos compostos identificados
Conclusões
Os resultados da pirólise mostraram que o fator de decomposição das biomassas é um parâmetro que influencia significativamente no rendimento dos produtos gerados (bio-óleo, biochar e gases não condensáveis). Em todas as amostras, o rendimento em bio-óleo foi significativamente menor para as biomassas em diferentes tempos de deposição, quando em comparação com o coco in natura. Os resultados obtidos revelaram uma diversidade de compostos fenólicos nos bio- óleos analisados, demonstrando a complexidade desses componentes na matriz do produto. A utilização da cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas permitiu a identificação e quantificação dos compostos fenólicos, indicando variações nos teores destes compostos entre as amostras de bio-óleo com biomassas em diferentes tempos de deposição. Estes resultados indicam um aumento da concentração de compostos fenólicos como o catecol das amostras de bio-óleo da biomassa in natura para as amostras em deposição até o tempo de 120 dias, após isso, a concentração destes compostos é reduzida. Isto indica que essas biomassas apresentam compostos de alto valor agregado para a indústria química, além de outras importantes aplicações como no campo da biomedicina. Deste modo, a exploração destas fontes como potencial para a geração de produtos químicos se faz necessária através de processos de transformação termoquímica, como a pirólise.
Agradecimentos
À CAPES pelo financiamento desta pesquisa, à Universidade Tiradentes e Universidade Federal de Sergipe pela infraestrutura disponibilizada.
Referências
Balanço Energético Nacional 2022. Disponível em: <https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/balanco-energetico-nacional-2022>. Acesso em: 27 set. 2022.
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BRIDGWATER, A. V. BIOMASS FAST PYROLYSIS. THERMAL SCIENCE, v. 8, n. 2, 2004.
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PAZ, E. D. C. S.; PEDROZA, M. M.; OLIVEIRA, L. R. A. DE. ALTERNATIVA DE EXPLORAÇÃO SUSTENTÁVEL DOS RESÍDUOS DO COCO VERDE PARA A PRODUÇÃO DE ENERGIA. Revista Brasileira de Energias Renováveis, v. 6, n. 2, 1 jun. 2017.
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