Uso da GC/TOFMS na caracterização de bio-óleos oriundos de biomassas pré-tratadas por Extração Guiada por Energia Dispersiva (EDGE)

ÁREA

Química Analítica


Autores

Lopes Lucas, A.N. (UNIT) ; Alves dos Santos, P.N. (UNIT) ; de Oliveira Farrapeira, R. (INCT) ; Braga Andrade, Y. (UNIT) ; Passos da Mota, I.D. (UNIT) ; Santos Freitas, L. (UFS) ; Kleveston Schneider, J. (UNIPAMPA) ; Rodrigues Bjerk, T. (UNIT) ; Bastos Caramão, E. (UNIT)


RESUMO

A conversão da biomassa em bio-óleo por pirólise pode gerar compostos indesejáveis, afetando a qualidade do produto gerado. Os processos de pré-tratamento visam melhorar as características da biomassa antes da conversão, como o Sistema de Extração Guiada por Energia Dispersiva (EDGE). Este estudo visa analisar via GC/TOFMS o bio-óleo de diferentes biomassas após extração via EDGE, além de caracterizar o extrato do pré-tratamento. A análise confirmou a remoção lipídica e destacou ácidos e hidrocarbonetos nos extratos. A extração reduziu essas classes nas biomassas e bio-óleo, alinhando-se ao objetivo. A extração lipídica gerou bio-óleos com menos ácidos graxos, promovendo compostos de maior valor, como cetonas, fenóis e compostos nitrogenados.


Palavras Chaves

Pirólise; EDGE; GC/TOFMS

Introdução

A demanda mundial por energia e insumos industriais de fontes renováveis tem levado à necessidade de estabelecer uma cadeia produtiva e de energia sustentável visando a substituição de fontes não renováveis, tais como os combustíveis fósseis (VOLOSHIN et al., 2016). Neste contexto, a biomassa destaca-se como fonte promissora de energia e bioprodutos, considerando seu fácil acesso e sua disponibilidade, além de baixo impacto ambiental devido à menor emissão de gases poluentes, menor custo e o reaproveitamento de diversos resíduos em sua forma bruta (OPIA et al., 2020; KIM et al., 2013), afetando positivamente a geração de produtos químicos, como, insumos alimentares e farmacêuticos, surfactantes, solventes orgânicos, fertilizantes, entre outros (BRIDGWATER, 2003; CZERNIK & BRIDGWATER, 2004). Neste contexto, o bio-óleo, também referido como líquido de pirólise, é um dos produtos obtidos pelo processo termoquímico de pirólise e possui uma composição química similar à biomassa de origem, sendo formado por uma mistura complexa de compostos oxigenados, além de uma proporção significativa de água (BRIDGWATER, 2004). Dentre estes compostos, incluem-se ácidos, álcoois, aldeídos, ésteres, cetonas, açúcares, guaiacóis, siringóis, furanos e fenóis, derivados das reações de despolimerização da celulose, hemicelulose e lignina, no entanto, alguns destes constituintes conferem ao bio-óleo características indesejáveis que impedem sua aplicação direta, como alto teor de água, alta viscosidade, alto teor de cinzas e elevada acidez, acarretando alta corrosividade e baixo poder calorífico (QI et al, 2007; XIU & SHAHBAZI, 2012). Desta forma, os processos de pré-tratamento visam aprimorar a qualidade da biomassa antes de ser submetida a processos termoquímicos, buscando alcançar características desejadas (CHEN et al., 2020). Entre essas técnicas, o sistema de Extração por Energia Dispersiva Guiada (EDGE, do inglês Energized Dispersive Guided Extraction), introduzido pela CEM Corporation em outubro de 2017, foi desenvolvido para combinar a extração dispersiva em fase sólida com o sistema de extração por líquido pressurizado (PLE), sendo considerado “mais rápido do que Soxhlet, mais automatizado do que QuEChERS e mais simples do que outra extração por solvente”, reduzindo significativamente o tempo de preparo da amostra a partir de um método extrativo simples, reprodutível e rápido (KINROSS, 2020; DOS SANTOS, 2023). Devido à complexa composição do bio-óleo, sua caracterização química é realizada a partir de técnicas amplamente utilizadas em diversos trabalhos como a cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (GC/MS) (DEL POZO, et al., 2020; STAŠ et al, 2021; SCHENA et al., 2020). Dentre os analisadores de massa utilizados, o TOF destaca-se por sua alta taxa de aquisição, de até 500 espectros de massa por segundo, além de permitir o monitoramento de picos estreitos. Partindo deste pressuposto, este estudo se propõe a analisar via GC/TOFMS o bio-óleo oriundo de resíduos do café (silverskin e borra), tabaco e biomassa de algas (macro e microalgas) submetido à pirolise em sua forma bruta, bem como na forma extraída através do sistema EDGE, seguido da caracterização química do extrato gerado durante o pré-tratamento.


Material e métodos

Obtenção e preparo das amostras: As microalgas foram liofilizadas e levadas à estufa numa temperatura de 100 ºC por 12 horas. As Macroalgas foram lavadas com água da torneira para remoção de resíduos. A borra de café passou por sucessivas extrações com água fervente no mesmo filtro utilizado no preparo da bebida. Exceto as microalgas, todas as amostras foram secas na sombra por 2 dias, e levadas à estufa por 24 horas a 100º C, onde posteriormente foram trituradas no liquidificador e tamisadas na granulometria entre 16 a 32 mesh. Por fim, as amostras foram levadas novamente à estufa por 4 horas a 100 ºC, e armazenadas em recipientes adequados para posterior utilização. Pré-tratamento utilizando o sistema EDGE: Foram pesadas aproximadamente 3,5 g de cada biomassa diretamente no Q-Cup contendo um conjunto de filtros S1. Foram realizados 3 ciclos de extração com 30 mL de éter de petróleo a 140 ºC, onde cada ciclo tem como duração 15 minutos. Os rendimentos foram calculados pela diferença de peso da amostra antes e após extração, como também, com base do peso seco do extrato. Pirólises: As pirólises foram realizadas usando um reator tubular de vidro pirex de 46 cm. O sistema é composto por um forno circular horizontal (20 cm comp. x 25 cm diâm.), possuindo uma camada refratária interna de 11,5 cm de espessura e orifício central de 2 cm de diâmetro, no qual o reator é introduzido. O reator é conectado no fluxo de gás de arraste (N2). Dentro do forno é inserido o termopar para controle da temperatura. As biomassas foram pirolisadas sob condições otimizadas para o processo, com temperatura a 600 ºC, fluxo do gás de arraste 2 mL min-1, 0,1 g de biomassa e 0,2 g de carvão de ativado. As pirólises foram realizadas em quintuplicatas. Análise cromatográfica por GC/TOFMS: Os bio-óleos e extratos foram analisados por GC/TOFMS (Agilent 8890 GC) com detector TOFMS (Agilent 7250 GC/Q-TOF). Injeções de 1 μL no modo splitless foram realizadas com um injetor Agilent PAL RSI 120. O injetor, interface e fonte de íons foram mantidos a 310 °C com uma energia de ionização de impacto de elétrons de 70 eV. A coluna capilar era uma HP-5MS com polidimetilsiloxano com 5% de grupos fenil (60 m × 0,25 mm × 0,25 μm). Hélio (pureza de 99,999%) era o gás de arraste a um fluxo de 1 mL min-1. A programação de temperatura do forno começou a 50 °C e aqueceu a 5 °C min-1 até atingir 280 °C, mantido por 5 min. Em seguida, foi elevado para 320 °C a 5 ºC min-1 e mantido por 20 min. O software MassHunterTM e Unknowns AnalysisTM foram usados para aquisção e processamento de dados, respectivamente. Os índices de retenção foram calculados usando uma mistura de n-alcanos (C7-C40) sob as mesmas condições cromatográficas. A identificação dos compostos foi baseada na comparação de seus espectros de massa com a biblioteca de espectros de massa do NIST, requerendo pelo menos 80% de correspondência de similaridade.


Resultado e discussão

Rendimento do processo de extração no EDGE: Foram calculados os rendimentos das biomassas e dos extratos com peso seco após os 3 ciclos das extrações, os resultados estão resumidos na Tabela 1. Os rendimentos dos extratos variaram entre 9,7% (SGC) e 3,8% (SVK), com perdas variando de 2,9% (TBC) a 7,3% (MAA). Excetuando a amostra SVK, que apresentou baixo rendimento em extratos, as demais amostras tiveram comportamento bastante similar, com uma média de rendimento de 8,75 ± 4,2 %. Pode-se considerar que esta técnica de extração é adequada para o melhoramento das biomassas, especialmente por utilizar pouco solvente e ser rápida. Também é importante ressaltar que essa técnica apresenta vantagens em termos de reprodutibilidade e minimização de erros humanos quando comparada às extrações tradicionais, como, soxhlet ou a extração por ultrassom. As biomassas de borra de café e microalgas apresentaram maior teor de extraíveis, o que concorda com as análises dos bio-óleos brutos, onde foi possível identificar elevados teores de ácidos graxos. Pirólise das Biomassas: A Tabela 2 apresenta a comparação entre os rendimentos obtidos para as pirólises realizadas com as biomassas antes da extração e após o processo extrativo usando o sistema EDGE. A partir dos resultados apresentados nesta tabela, percebe-se que a variação do rendimento de bio-óleo e biochar foi muito pequena, o que pode ser compreendido em função do baixo rendimento obtidos nos extratos, em especial para a amostra SVK. Análise Cromatográfica por GC/TOFMS: Os bio-óleos obtidos na pirólise das biomassas brutas e extraídas, além dos extratos resultantes do processo do EDGE foram analisados por um GC/TOFMS, usando um detector de maior eficiência, Espectrometria de Massas por Tempo de Voo (TOFMS, do inglês Time-Of-Flight Mass Spectrometry). A Tabela 3 apresenta os dados obtidos pela caracterização cromatográfica relacionadas à área percentual das classes químicas dos bio-óleos (antes e depois da extração), além dos extratos analisados em relação ao número de compostos identificados em cada classe química. Os resultados obtidos evidenciam que o sistema de detecção TOFMS oferece boa resolução ao lidar com a complexidade da matriz do bio-óleo. As biomassas foram submetidas a um processo de extração com o objetivo de reduzir o teor de ácidos graxos e, consequentemente, aumentar a presença de compostos nitrogenados. Observou-se para todas as amostras que os bio-óleos após o processo de extração apresentaram aumento nos compostos nitrogenados, o que demonstra a eficiência do método para o objetivo do trabalho desenvolvido. Notavelmente, as microalgas apresentaram um aumento mais significativo nos compostos nitrogenados, além de uma redução nos compostos oxigenados. As amostras de bio-óleos apresentaram diferenças marcantes não só dentro da própria amostra, considerando apenas o processo extrativo, mas também entre as amostras analisadas, indicando que a pirólise destas amostras gera diferentes produtos para aplicações mais variadas. Pode-se evidenciar a presença de ácidos carboxílicos na amostra de bio-óleo com a borra de café sem extrair e no extrato, no entanto, amostra do bio-óleo da borra de café extraída apresenta apenas o ácido palmítico (hexadecanóico), indicando a extração quase total dos ácidos com a técnica do EDGE. Verificou-se nos extratos uma alta porcentagem de compostos oxigenados (Tabela 3), o que era esperado devido à remoção da fração oleosa. Além disso, foi constatada a presença de compostos nitrogenados na maioria dos extratos, embora não fosse desejável. No entanto, foram teores pouco expressivos e não resultaram em uma redução significativa para os bio-óleos. Entre os compostos majoritários dos extratos, apresentados na Figura 1, os ácidos tiveram maior expressividade em relação a área, em especial o ácido palmítico. É possível observar uma redução significativa dos ácidos em todas as cinco biomassas analisadas, como também dos hidrocarbonetos aromáticos. A cafeína foi desconsiderada nas amostras de bio-óleo por ser um composto não originado na pirólise e sim um composto existente na amostra e extraído por arraste. Este composto não se degradou na etapa de pirólise, ou se degradou muito pouco. Para que não seja um contaminante do processo, é interessante extraí-lo em outra etapa prévia ao processo pirolítico. Sua presença foi majoritária na amostra de silverskin (SVK) apenas. De forma similar, a nicotina também foi desconsiderada na amostra de tabaco (TBC). Destaca-se a redução significativa dos ácidos graxos nas amostras de borra de café e as algas, que foram as biomassas que inicialmente indicaram a necessidade de um pré-tratamento para melhorar a composição do bio-óleo, especialmente em relação à classe de compostos alvos deste estudo. Os fenóis e cetonas apresentaram um aumento em todos os bio-óleos obtidos a partir das biomassas extraídas. Esses compostos despertam grande interesse devido à sua capacidade de substituir compostos derivados do petróleo em resinas fenólicas, bem como por suas diversas aplicações na indústria e medicina (HU; GHOLIZADEH, 2020). Alguns compostos nitrogenados tiveram aumento na concentração medida através da área porcentual e foram majoritários nas amostras como, 2-Pentilpiridina; 5-Metil-2-aminopiridina; 2(1H)-Piridinona; Piperidinona, C4-; pirrolo[1,2-a]pirazina-1,4-diona, hexahidro-3-isopropil e indol. A Figura 2 apresenta o comportamento dos nitrogenados (aminas, amidas, carbazóis, indóis, nitrilas, pirrolo-pirazinas, pirróis e piridinas) conforme a biomassa estudada e sua variação com a extração prévia. Observando-se as flechas (verde e azul) destacadas nesta figura, percebe-se que a maior parte dos compostos nitrogenados teve um aumento em sua concentração com o processo de melhoramento. Exceções são percebidas para a classe das nitrilas (em todas as biomassas) e para os pirróis (no bio-óleo de microalgas - MIA). Entretanto, a redução nestas classes de compostos tem um efeito pequeno uma vez que as suas concentrações foram muito baixas, variando entre 0 e 1%. Várias vias de reação podem contribuir para a produção desses compostos nitrogenados, incluindo reações de Maillard, reações diretas de quebra de aminoácidos com estruturas heterocíclicas, ciclização de aminoácidos alifáticos de cadeia longa (LENG et al., 2020). Tanto a composição da biomassa (por exemplo, teor de proteína e carboidrato) quanto os parâmetros de processamento têm efeitos consideráveis na formação de nitrogenados no bio-óleo. Portanto, é difícil determinar os mecanismos exatos de formação destes compostos (LENG et al., 2020; LENG et al., 2023). Analisando-se esta figura, pode-se concluir as microalgas (MIA) geraram o bio-óleo que mais atendeu aso abjetivos deste trabalho, com os maiores teores de compostos nitrogenados como: amidas e aminas (~ 5%), carbazóis e indóis (~ 11%), piridinas (~20%) e pirrolo-piridinas (~25%). Compostos das classes dos pirróis e nitrilas apareceram apenas em níveis de concentração muito baixos, não interferindo na classificação das biomassas.

Tabelas de 1 a 3

Tabelas de 1 a 3 citadas no texto

Figuras 1 e 2

Figuras 1 e 2 citadas no texto

Conclusões

As análises por GC/TOFMS dos extratos confirmaram a remoção da parte lipídica das biomassas pelo processo de extração com EDGE, identificando nos extratos a presença majoritária dos ácidos e hidrocarbonetos. Isso levou à diminuição dessas classes nas biomassas após a extração, e consequentemente, no bio-óleo, atingindo assim o objetivo da extração. Ao comparar os bio-óleos com as biomassas antes e após a extração, observa-se algumas diferenças nos perfis cromatográficos e nas análises semiquantitativas. Os bio-óleos com as biomassas extraídas apresentaram uma diminuição nos hidrocarbonetos, álcoois, ésteres e, principalmente nos ácidos. A extração da porção lipídica destas biomassas levou à geração de bio-óleos pirolíticos com menor teor de ácidos graxos, que eram majoritários em algumas amostras, favorecendo a produção de outros compostos de maior valor agregado, onde houve aumento nas cetonas, fenóis e em especial aos compostos nitrogenados, alvo deste trabalho. A partir desses resultados da análise cromatográfica e a análise de componentes principais, pode-se concluir que as microalgas após passarem pela extração com EDGE foram as biomassas com maior potencial de recuperação de nitrogenados, em especial os derivados de pirrolo-pirazinas, carbazóis, piperidinas, amidas e aminas.


Agradecimentos

À Petrobras, CAPES e CNPq pelo financiamento deste trabalho, além da Universidade Tiradentes e Universidade Federal de Sergipe por toda infraestrutura disponibilizada.


Referências

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