USO DE FERRAMENTAS GERENCIAIS E DA QUALIDADE PARA AVALIAR EFICIÊNCIA DE UM SISTEMA DE PRODUÇÃO DE ÁGUA PURIFICADA

ÁREA

Química Analítica


Autores

Guedes, G.A.J.C. (UFPE) ; Pereira, K.S.A. (UFPE) ; Duarte, M.M.M.B. (UFPE)


RESUMO

O trabalho visa verificar a qualidade da água purificada produzida em uma indústria farmacêutica, utilizando ferramentas gerenciais e da qualidade para análise de parâmetros físico-químicos. Foi realizado o levantamento dos dados no primeiro semestre de 2021, antes e após o tratamento da água. Foram utilizados histogramas, gráficos de controle, diagrama de Ishikawa e análise de modo de falha e efeito para avaliar a conformidade dos resultados com os padrões estabelecidos pela ANVISA, assim como analisar a estabilidade do processo. Foi verificado que o processo apresentou valores conformes com a Legislação para os três parâmetros analisados. Contudo, foi constatado que o processo não estava sob controle, sendo indicadas ações e melhorias para minimizar a existência das causas especiais.


Palavras Chaves

Água purificada; Controle da qualidade; Melhoria contínua

Introdução

A água é um recurso essencial à vida, porém sua escassez ao redor do mundo tem sido um fator de destaque em discussões a respeito da saúde pública. As mudanças climáticas, a irrigação e o aumento populacional e industrial, são exemplos de fatores que afetam diretamente na sua distribuição e qualidade. Tendo isto em vista, verifica-se a importância de uma boa gestão e planejamento na utilização de recursos hídricos, principalmente nas indústrias (SALEHI, 2022). Nas indústrias farmacêuticas, a água pode ser utilizada tanto para consumo humano, limpeza de ambientes e equipamentos quanto na produção de medicamentos. Dentre os tipos de água para uso em indústrias farmacêutica, tem-se: potável, para injetáveis, ultrapura e purificada. No caso de produção de fármacos não- parenterais, utiliza-se a água purificada, sendo necessário o controle rígido quanto a sua qualidade, uma vez que a presença de contaminantes (coliformes, endotoxinas, matéria orgânica) podem modificar a eficácia e pureza do fármaco (BRASIL, 2019). Deste modo, para que a água purificada esteja apta para uso, é necessário estar de acordo com os padrões de conformidade estipulados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), descritos na Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019). A produção de água purificada é feita a partir da água potável, que pode ser obtida tanto por utilização de rede de distribuição de água do estado, quanto pela captação de água bruta em poços tubulares profundos. No segundo caso, faz- se necessária a realização das etapas de potabilização in loco junto ao monitoramento contínuo dos parâmetros químicos e microbiológicos, de forma a atender os padrões de potabilidade dispostos na Portaria GM/MS n° 888/2021 (BRASIL, 2021). Após a potabilização, a água segue para alimentação do sistema de produção de água purificada, constituído de processos de osmose reversa e eletrodeionização, conforme sugerido em ANVISA (2019). Pelo controle da qualidade, são coletadas amostras na entrada e saída do sistema de purificação para análise dos parâmetros: condutividade, carbono orgânico total, pH e microbiológicos. Por fim, estando estes parâmetros de acordo com os limites estipulados pela Farmacopeia Brasileira, a água então está apta para uso e liberada para armazenamento e distribuição. Sendo assim, de modo a monitorar a eficiência do sistema de tratamento de água, no intuito de assegurar o controle do processo diante de possíveis não- conformidades, a avaliação contínua, de modo a definir os pontos críticos, tende a minimizar erros e paradas na produção, a partir do uso combinado de ferramentas gerenciais e da qualidade. Para isto, podem ser utilizadas diferentes ferramentas como: fluxogramas, mapa de processo, histograma, cartas de controle, diagrama de Ishikawa e análise de modo de falha e efeito (FMEA) (CARVALHO; PALADINI, 2012). Diante do exposto, este trabalho tem por finalidade analisar a eficiência do processo de produção de água purificada em uma indústria farmacêutica, por meio da avaliação da concordância dos resultados obtidos para os parâmetros físico- químicos, da água produzida, com os padrões exigidos pela Legislação vigente, assim como propor melhorias no processo a partir da análise de dados, utilizando ferramentas gerenciais e da qualidade.


Material e métodos

Estudo do processo de produção de água purificada: inicialmente, realizou-se um levantamento das etapas que envolviam o processo de produção de água purificada, desde a captação de água bruta até sua distribuição e armazenamento. Com isto, foram construídos fluxograma e mapa de processo visando conhecer todas as etapas existentes e assim poder definir os pontos críticos do sistema. Levantamento de dados: foram solicitados os Registros de Qualidade do período de janeiro a junho de 2021, fornecidos pelo controle de qualidade da empresa, os quais constam os valores obtidos para o carbono orgânico total (COT), condutividade e pH de um total de 260 amostras de água, sendo 130 referente a entrada no sistema de produção de água purificada e 130 na saída. Avaliação da conformidade dos dados: para avaliar a eficiência do sistema na produção de água purificada, foram utilizadas ferramentas gerenciais e da qualidade: histogramas, gráficos de controle, diagrama de Ishikawa e análise de modo de falha e efeito (FMEA). De modo a averiguar se os processos seguiram distribuição normal, foram construídos os histogramas para cada parâmetro na entrada e saída do sistema. Em seguida, foram confeccionados gráficos de controle para cada um dos parâmetros mês a mês, no intuito de verificar tanto se os resultados estavam de acordo com os padrões estabelecidos pela Farmacopeia quanto se o processo estava sob controle, a partir da existência ou não de causas especiais. Constatada a presença de não conformidades, foi feito um diagrama de Ishikawa indicando as possíveis causas associadas às não-conformidades encontradas. Por fim, foi aplicado um FMEA, para identificar as ações prioritárias a serem tomadas a partir do cálculo do nível do risco (RPN), que é resultado do produto entre a gravidade, ocorrência e detecção da falha, com valores atribuídos a partir de uma escala de 1 a 10.


Resultado e discussão

Como só poderão ser apresentadas duas figuras, o Fluxograma, o mapa de processo e o diagrama de Ishikawa serão descritos ao longo da trabalho. Bem como, serão mostrados apenas os gráficos de controles para o mês que apresentou maior presença de causas especiais, para cada parâmetro, os demais serão apenas discutidos. Fluxograma: a água bruta, após ser captada em poço tubular profundo, passa por um processo de filtração por membrana, utilizando cartuchos de polipropileno no intuito de reter materiais particulados. A partir disso, segue para a etapa de desinfecção, onde é utilizada uma solução de hipoclorito de sódio 2%, para eliminação de patógenos. Após a cloração, caso em conformidade com os padrões de potabilidade, a água potável é distribuída tanto para refeitórios e áreas comuns quanto para o sistema de produção de água purificada. Ao entrar no sistema de produção, a água passa por uma etapa de pré-filtração seguida do processo de abrandamento, responsável por realizar a troca iônica. Os abrandadores atuam na remoção dos íons Ca2+ e Mg2+, que podem se aderir às membranas de osmose reversa, resultando em incrustações. Em seguida, a água abrandada passa por um filtro de carvão ativado, de modo a diminuir o teor de cloro residual livre presente, com propósito de prolongar a vida útil das membranas de osmose reversa. Logo após, a água passa por um processo de filtração utilizando elemento filtrante de 1μm, removendo as partículas de carvão ativado presentes. A partir disto, é iniciada a etapa de purificação da água, utilizando o processo de osmose reversa (que atua na remoção de até 99% dos contaminantes presentes) seguido de eletrodeionização contínua, que remove os íons ionizáveis restantes que as membranas de osmose reversa não foram capazes de retirar. Em seguida, é utilizado um conjunto de lâmpadas ultravioleta 254 nm, que atuam no controle microbiológico reduzindo a contagem microbiana. Por fim, a água passa por uma membrana de ultrafiltração de 0,1 μm, que é responsável pela remoção de endotoxinas, para então poder seguir para o tanque de estocagem. Após avaliação das amostras de água antes e após o tratamento pelo controle de qualidade, caso esteja adequada ao uso, a água purificada é liberada para os setores produtivos. Caso seja encontrada alguma inconformidade, a água é descartada e é feita a sanitização térmica de toda a linha. Mapa de processo: dentre as variáveis analisadas, pode-se ressaltar: padrões de potabilidade da água (controlados a partir da análise do tempo de vida útil dos filtros); aquisição de consumíveis (não controlados devido a aquisição do produto ser realizado pelo setor de compras, que leva como consideração primordial o fator econômico acima das especificações requisitadas); dosagem do cloro (importante para manutenção dos parâmetros químicos e microbiológicos, evitar corrosão das tubulações e degradação das membranas de osmose reversa) vazão da água (imprescindível para evitar formação de biofilmes e enquadrar no limite da outorga de uso de água, no caso da vazão de água captada); liberação pelo controle da qualidade (variável crítica pois necessita da aprovação para a água ser liberada para produção de medicamentos); assepsia dos pontos de uso do setor de produção (não controlável, pois é realizada pelos funcionários responsáveis por cada setor e não pelos colaboradores do setor de tratamento de água). Deste modo, infere-se que a filtração, osmose reversa e desinfecção são as etapas críticas do processo. Histograma (H): Os histogramas apresentaram comportamentos semelhantes para as amostras da entrada e saída do sistema de purificação. Desta forma, na Figura 1 estão apresentados os valores das amostras da saída. Para o pH, como pode ser observado na Figura 1A, o sistema segue distribuição normal (processo estável). Já para o COT (Figura 1B), é verificado um processo assimétrico, com declive à direita, com ocorrência de apenas um pico. A descentralização no processo pode estar associada ao controle corretivo contínuo dos dados, sem uma padronização, com o intuito de se enquadrar no limite de especificação. Por fim, o gráfico para a condutividade (Figura 1C) mostra a ocorrência de agrupamentos separados, possivelmente associados a erros operacionais na realização das análises, necessidade de troca do eletrodeionizador e vida útil do carvão ativado. Gráficos de controle (GC): para os gráficos de controle do pH, foi verificado que o mês de janeiro apresentou valores próximos à linha média. Já no mês de abril (Figura 1 D), ocorreu uma alta variabilidade dos dados e em maio, ocorrência de ciclo. Nos meses restantes, foram obtidos valores para o pH com variabilidade em torno da média. Estes efeitos podem ocorrer devido a existência de ajustes no processo, falta de atenção dos operadores na realização da análise e variabilidade nos parâmetros da água potável. Com relação ao COT, fevereiro e abril (Figura 1 E) apresentaram ponto fora dos limites superiores de controle e especificação, devido a falha no sistema. Ainda para o COT, com exceção dos meses de março e maio, foram encontrados padrões de sequência, relacionados a necessidade de troca de bombas dosadoras de soda e membranas de osmose reversa. Por fim, para a condutividade, todos os meses apresentaram valores próximos à média, resultado de um excesso de ajustes no processo, sendo verificados ponto no limite superior de controle no mês de abril (Figura 1F) e padrões de sequência de pontos no mês de maio. Uma vez que não foi verificada uma uniformidade dos resultados quanto à capacidade do processo, este é tido como fora de controle estatístico. Diagrama de Ishikawa: com base no diagrama de Ishikawa foi possível analisar que a maior parte das possíveis causas está associada aos equipamentos. O tópico de medição é de fundamental importância a ser avaliado, uma vez que para que o sistema funcione corretamente é necessário que equipamentos como sensores e transmissores estejam calibrados. Outro fator importante para controle do processo é a mão-de-obra, sendo possíveis causas os erros operacionais associados pela não utilização de Procedimentos Operacionais Padrão ou na preparação errônea de soluções. Já a análise das causas especiais presentes nos gráficos de controle aponta que a matéria-prima (água potável e consumíveis) pode ser uma das fontes de falta de controle no processo. FMEA: Com base nas informações descritas para o diagrama de Ishikawa, foi utilizada a técnica de FMEA visando identificar as ações a serem tomadas para correção das falhas. Para isto, foi adotada a escala de 1 a 10 sendo para a gravidade do efeito e ocorrência da causa 1 igual a baixa probabilidade e 10 igual a alta probabilidade. Já para a detecção de falha, 1 indica alta probabilidade e 10 baixa probabilidade. Com base na Tabela 1, é possível verificar que, durante o período analisado, a empresa adota medidas corretivas para a resolução de situações, sem averiguar a causa raiz de determinada situação. Sendo assim, as sugestões de ações corretivas para as possíveis causas são: acompanhamento contínuo das atividades e dos equipamentos, de modo que o processo seja estabilizado, tendo como ação prioritária a aplicação de ferramentas gerenciais da qualidade nos resultados referentes à potabilização da água. Por fim, como sugestão, indica-se a adoção de medidas de ação preventivas como: implantação de programas de treinamento periódicos, cronogramas de trocas de consumíveis e calibrações no sistema, de modo a promover a melhoria contínua.

Figura 1.

Aplicação de H e GC nas amostras de saída do sistema de produção de água purificada, para os parâmetros: pH (A,D), COT (B,E) e condutividade (C,F).

Figura 2.

Aplicação do FMEA para análise de ações corretivas para as possíveis causas associadas ao processo estar fora de controle.

Conclusões

Diante do exposto, foi possível constatar que a aplicação de ferramentas gerenciais e da qualidade foi capaz de mostrar que mesmo que um processo tenha valores que se enquadrem nos limites de especificação, não indica necessariamente que está sob controle estatístico. Deste modo, verifica-se a importância do uso dessas ferramentas para um conhecimento aprofundado do processo produtivo, que irá promover a minimização da ocorrência de causas especiais, resultando assim na prevenção de falhas no processo e, por consequência, na melhoria contínua do sistema.


Agradecimentos

À empresa estudada, pela parceria e fornecimento dos dados para realização do trabalho.


Referências

ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Farmacopeia Brasileira, v. 1. 6ª ed. Brasília, 2019.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da diretoria colegiada – RDC n° 301, de 21 de agosto de 2019.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GC/MS n° 888, de 04 de maio de 2021.
CARVALHO, M.M.; PALADINI, E.P. Gestão da qualidade: teoria e casos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 268-306, 358-420.
SALEHI, M. Global water shortage and potable water safety; Today’s concern and tomorrow’s crisis. Environment International, v. 158, p.106936, 2022.

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