APLICAÇÃO DE FUNDAMENTOS DE GESTÃO DA QUALIDADE EM LABORATÓRIO DE ENSINO DE QUÍMICA A PARTIR DA METODOLOGIA DMAIC

ÁREA

Físico-Química


Autores

Crisostomo Junior, J.F. (IFPE) ; Napoleão, D.C. (UFPE) ; Guedes, G.A.J.C. (UFPE)


RESUMO

O trabalho foi realizado no laboratório de físico-química do IFPE campus Barreiros, voltado para aulas e projetos de pesquisa e extensão. Após análise do ambiente, foram constatados problemas como excesso de materiais e falta de padronização de métodos. Diante disso, buscou-se a implementação de fundamentos de gestão da qualidade no ambiente a partir do programa 5S. O objetivo do trabalho foi realizar esta implementação a partir da metodologia DMAIC, associada à elaboração de um plano de ação seguindo a metodologia 5W1H, que permitiu atuar sobre os principais problemas do laboratório, resultando em uma mudança no ambiente e nas pessoas que o utilizam. O programa 5S comprovou sua eficácia, promovendo mudanças rápidas e perceptíveis, lançando fundamentos para uma melhoria contínua.


Palavras Chaves

Qualidade; DMAIC; 5W1H

Introdução

A implementação de sistemas de gestão da qualidade (SGQ) é cada vez mais comum no cenário mundial, visando à excelência do bem ou serviço ofertado. O conceito de qualidade é bem abrangente, sendo comumente aceito que sua presença está associada à satisfação das necessidades e expectativas do cliente (MACHADO, 2012). Associado à evolução de SGQ, o Japão surge como destaque, especialmente no contexto pós Segunda Guerra Mundial. Com auxílio de pessoas como William E. Deming e Joseph M. Juran, o país conseguiu se erguer adotando o foco na qualidade como base fundamental da gestão empresarial (CAMPOS, 2005). Um exemplo do crescimento nipônico é o programa 5S, criado por Kaoru Ishikawa na década de 50. Este programa é tido como base na implementação de qualquer sistema de gestão da qualidade, abrangendo não apenas o aspecto espacial, mas intelectual e disciplinar da organização (NEU et al. 2020). A implementação do 5S é conhecida pela simplicidade de seus princípios. Sua denominação é devida às iniciais das 5 palavras japonesas que fundamentam o programa. No Brasil, tornou-se comum o termo senso, sendo Seiri o senso de utilização, Seiton o senso de ordenação, Seiso o senso de limpeza, Seiketsu o senso de saúde (estando comumente também associado à padronização) e Shitsuke o senso de autodisciplina (BATISTA; SILVA; BAINY, 2020). Entre os benefícios esperados, estão um ambiente com espaço mais organizado e limpo, bem como uma mudança no aspecto disciplinar de cada indivíduo envolvido. A adoção resulta em uma melhor estrutura organizacional, padronização de métodos e melhoria contínua no processo, resultando em melhor produto ou serviço ofertado (BATISTA; SILVA; BAINY, 2020; NEU et al. 2020). Relacionado à implementação de projetos de melhoria contínua está a metodologia DMAIC, sendo comumente utilizada em projetos Lean Seis Sigma, que consiste em práticas e ideias que buscam reduzir a variabilidade de processos, aumentar a produtividade e reduzir custos. O DMAIC em inglês é a sigla para as iniciais das etapas que compõem a metodologia: Define (definir), Measure (medir), Analyse (analisar), Improve (implementar) e Control (controlar) (CAE, 2017). A primeira etapa consiste em definir o problema e estabelecer metas, bem como os indicadores para comprovação da eficácia do projeto, abrangendo ações como escolha da equipe, estabelecimento de prazos e mapeamento do processo (SOUZA et al. 2018). A etapa de medir é iniciada com a coleta de dados para analisar as causas potenciais que estão acarretando os problemas levantados na etapa anterior, podendo-se fazer uso de ferramentas quantitativas ou qualitativas. Segue-se para a etapa de analisar, que consiste em classificar e priorizar as causas potenciais que afetam o processo de forma significativa (VOITTO, 2020). A fase de implementação consiste na elaboração do plano de ação após o levantamento das soluções para os problemas elencados nas etapas anteriores (SOUZA et al. 2018). Por fim, a etapa de controle abrange a certificação da eficácia das ações tomadas e no estabelecimento de formas que permitam o monitoramento do processo, além da busca pela melhoria contínua (CAE, 2017). No trabalho em questão, aplicou-se o programa 5S em um laboratório de físico- química de uma instituição de ensino, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE), campus Barreiros. Localizado na Mata Sul de Pernambuco, o campus é um dos maiores (cerca de 430 hectares) e mais antigos do IFPE (com mais de 90 anos). Apesar da origem agrícola, são ofertados hoje cursos de diferentes eixos tecnológicos: recursos naturais, produção alimentícia, turismo, hospitalidade e lazer, produção cultural, informação e comunicação, química e educação, totalizando 10 cursos, sendo os cursos superiores de Licenciatura em Química e Tecnologia em Agroecologia os cursos que utilizam o laboratório de físico-química objeto deste estudo, que também atende a eventuais demandas do curso Técnico em Alimentos. Associados aos cursos, estão demandas de aulas práticas, além de trabalhos de iniciação científica e projetos de pesquisa e extensão (FERREIRA, 2020). Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi realizar a implementação do programa 5S no laboratório de físico-química do IFPE campus Barreiros utilizando o método DMAIC e ferramentas da qualidade associadas para planejamento, análise, ação, melhoria e controle do programa. A implementação teve como finalidade promover a melhoria da qualidade nas atividades realizadas no referido laboratório, resultando em melhor execução das tarefas, padronização de procedimentos, redução de desperdícios, além de propor mudanças comportamentais nas pessoas que utilizam o espaço. Assim, buscou-se obter mais segurança e saúde na rotina dos colaboradores do laboratório e consequentemente melhores condições de trabalho.


Material e métodos

Para implementação do programa 5S foi utilizada a metodologia DMAIC junto à elaboração de um plano de ação por meio do método 5W1H. Inicialmente, foi realizada a definição do problema e estabelecido o foco do projeto, seguido da etapa de medição, utilizando o Diagrama de Ishikawa. Após o levantamento dos problemas potenciais, seguiu-se a análise e priorização deles adotando-se a matriz GUT. Com os principais problemas levantados, foi elaborado o plano de ação para inserção do programa 5S. Por fim, foi elaborada uma folha de verificação para manutenção das melhorias obtidas. A etapa “definir” consistiu no conhecimento dos problemas enfrentados após um período de reconhecimento do laboratório. Nesta etapa também foi delimitado o projeto, focando em aplicar mudanças rápidas, perceptíveis e de baixo custo. Por fim, foi estabelecido o prazo de aproximadamente três meses para o projeto, entre os meses de junho a agosto de 2021. Seguiu-se com a etapa “medir”, que consistiu em obter conhecimento do estado que estava o ambiente e realizar um levantamento das causas potenciais do problema, sendo utilizada para isto uma ferramenta qualitativa da qualidade, o Diagrama de Ishikawa. Esta ferramenta permite uma rápida identificação dos principais problemas, estabelecendo a relação entre eles e suas possíveis causas. Desse modo, as causas da problemática em questão foram agrupadas em seis categorias: máquina, matéria-prima, materiais, mão-de-obra, método e meio ambiente. Nesta etapa também foram realizados registros por foto para posterior comparação. Para a etapa “analisar” foi utilizada a matriz GUT para classificar as causas potenciais levantadas anteriormente, otimizando a tomada de decisão ao priorizar os pontos mais críticos do processo considerando como critérios de julgamento a gravidade (impacto e intensidade do problema), urgência (tempo disponível para resolução do problema) e tendência (o quão rápido o problema pode aumentar ao longo do tempo). Para tal, foram atribuídas notas de 1 a 5 para cada problema levantado, utilizando o produto das notas como critério de priorização e resolução dos problemas. A etapa “implementar” consistiu na aplicação do programa 5S, facilitando a atuação ao nortear o processo e a sequência de ações a serem tomadas. Para melhor encaminhamento, foi elaborado um plano de ação 5W1H, buscando responder seis perguntas a respeito da elaboração do plano: what (o que será feito?), why (por que será feito?), who (quem será o responsável pela ação?), where (onde será feito?), when (quando será feito?) e how (como será feito?) Por fim, na etapa “controlar”, foi elaborada uma folha de verificação para monitoramento e manutenção dos resultados alcançados, visando à melhoria contínua, através dos conceitos de cada senso adotado durante a aplicação do programa.


Resultado e discussão

Na etapa “definir” observou-se que entres os principais problemas do laboratório estavam a falta de padronização de métodos e organização do espaço. Também foi observado um desconhecimento de normas básicas de laboratório por parte dos usuários do ambiente. Considerando estes aspectos, o programa 5S apresentou-se como melhor opção para a mudança organizacional pretendida no espaço. A etapa denominada medir pode ser subdivida em dois momentos: o registro fotográfico do laboratório e a elaboração de um Diagrama de Ishikawa. O registro do laboratório em sua condição inicial foi realizado para efeitos de posterior comparação após a aplicação do projeto. Após o registro, seguiu-se a elaboração de um Diagrama de Ishikawa, para levantamento das possíveis causas dos problemas encontrados no laboratório, conforme disposto na Figura 1. Analisando a Figura 1, nota-se que as principais causas foram distribuídas em seis grandes grupos, comumente chamado de 6M. Foi adotado um efeito mais generalizado, objetivando uma atuação mais abrangente do projeto. O preenchimento do diagrama foi realizado através de um brainstorming com os colaboradores que atuam no laboratório. Foram levantados mais problemas nas categorias métodos, materiais e meio ambiente. A ausência de padronização de métodos indicou a necessidade de serem estabelecidos procedimentos operacionais padrões para as operações mais simples. A maioria dos problemas associados a materiais estavam relacionados aos reagentes, abrangendo questões como validade e estoque. Quanto ao ambiente, houve unanimidade a respeito das condições críticas de limpeza e de organização do espaço. Seguiu-se com a avaliação dos principais problemas na etapa “analisar” do método DMAIC, utilizando a matriz GUT. O resultado encontra-se expresso na Figura 2. Analisando a Figura 2, observa-se que os principais problemas envolviam questões de organização e limpeza do espaço, sendo considerados como urgência, pois dificultavam a realização de atividades e traziam risco potencial à saúde de quem usa o espaço. O terceiro problema foi a falta de padronização de métodos do laboratório, acarretando retrabalho e desperdício de tempo e reagentes, além de propagação de erros em análises. Segue-se o problema de descarte de reagentes, que estavam acumulados no laboratório sem destinação final. Após os problemas levantados, tornou-se evidente a necessidade de uma mudança de cultura e a introdução de valores rudimentares associadas à melhoria de qualidade. Com esta proposta, o programa 5S surgiu como alternativa. Com o programa em mente, foi também elaborado o plano de ação 5W1H. A inserção do Senso de utilização consistiu inicialmente no descarte de papéis sem utilidade e a remoção, para posterior substituição, das poucas etiquetas presentes. Na instauração deste senso também houve a retirada de vidrarias quebradas e separação daquelas que estavam em quantidade maior do que a comumente demandada no laboratório. Algumas vidrarias foram realocadas para outros laboratórios. No que diz respeito aos reagentes, foram separados os reagentes líquidos dos sólidos, bem como foi selecionado um quantitativo para atender a necessidade do laboratório. Também foi realizado um descarte parcial de reagentes, pois parte deles exigiam um tratamento prévio para posterior descarte. Por fim, foi definido um lugar específico no armário de reagentes. Em seguida foram realizados testes nos equipamentos do laboratório objetivando verificar as condições de uso. Por questões de realocação de patrimônio da instituição, os equipamentos que não se encontravam em condições de uso permaneceram no laboratório, mas foram colocados em uma bancada específica para sua lotação. Após o primeiro senso, foi possível notar ganho de espaço com desocupação de armários e bancadas. As vidrarias quebradas foram devidamente descartadas em coleta seletiva da instituição. Os reagentes que não foram descartados foram devidamente separados dos que estavam em uso, resultando em maior segurança e reduzindo os possíveis impactos ambientais provenientes de um descarte indevido. A aplicação do senso de ordenação iniciou-se com a organização dos papéis, sendo estabelecido um armário e pastas para arquivar os documentos considerados importantes. A etapa seguiu com a organização dos reagentes, onde foi definido um armário para reagentes líquidos e dois armários para reagentes sólidos (um para rotina do laboratório e outro para estoque). Posteriormente foram organizadas as vidrarias do laboratório, sendo notado muitos excedentes para algumas vidrarias comuns como pipetas e provetas. Simultâneo à escolha dos armários e gavetas para estocagem, foram elaboradas etiquetas para permitir a rápida localização dos reagentes e vidrarias. Por fim, foram definidos os lugares para os equipamentos em condições de uso. Nesta etapa também foi elaborada uma planilha de controle do laboratório com a ferramenta Office Excel, resultando em um melhor registro de reagentes, equipamentos e vidrarias. Por fim, houve a elaboração de procedimentos operacionais padrões (POP) para a rotina do laboratório, utilizando-se de pesquisas na literatura, uso de manuais de instrução e investigação de métodos normalizados. Entre os benefícios obtidos com a implementação da etapa notou-se a organização do espaço com a identificação de armários e gavetas, bem como a definição dos lugares de cada documento, equipamento, reagentes e vidrarias, resultando em maior praticidade na execução das atividades do laboratório. O senso de limpeza iniciou-se com a limpeza de bancadas, armários e gavetas, seguindo a limpeza de reagentes e equipamentos. Após esta limpeza, foi realizada a higienização de todo o espaço do laboratório. Posteriormente, foi estabelecida uma rotina de limpeza. A implementação dos dois últimos sensos tinha como objetivo a conscientização dos usuários do espaço no que diz respeito à organização, conservação e limpeza do ambiente, bem como a busca por um ambiente mais agradável e seguro. Associado ao quarto senso, foi realizada a pesquisa de Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ) para os reagentes em uso no laboratório, item imprescindível que contém as seguintes informações: identificação de perigos, medidas de primeiros socorros e composição de cada composto do laboratório, entre outras. As fichas foram impressas e organizadas em uma pasta identificada, lotada no armário de documentos. Também houve a orientação aos colaboradores quanto às Boas Práticas de Laboratório (BPL), como o incentivo ao uso de EPI e treinamentos para os usuários do laboratório. Após as melhorias obtidas com a etapa de implementação e consequente aplicação do 5S, seguiu-se a etapa de controle objetivando a manutenção do padrão de qualidade obtido durante o processo, além da busca pela melhoria contínua característica da metodologia DMAIC. Para isto, foi elaborada uma folha de verificação para monitoramento e manutenção dos resultados alcançados, abrangendo fatores como controle do inventário, limpeza e manutenção de equipamentos, estabelecendo as ações a serem tomadas e sua periodicidade. Apesar do curto período, a implementação do programa 5S apresentou grandes resultados, estabelecendo fundamentos sólidos para uma mudança organizacional que não se limite apenas ao laboratório de físico-química, mas com potencial de expansão para os laboratórios vizinhos, abrangendo também uma mudança no comportamento dos colaboradores envolvidos, se estendendo para o corpo docente e discente da instituição de maneira cada vez mais efetiva.

Figura 1.

Diagrama de Ishikawa

Figura 2.

Matriz GUT

Conclusões

A implementação do programa 5S surge como uma ótima iniciativa para lançar os fundamentos de uma mudança organizacional baseada em princípios da gestão da qualidade. Associado à metodologia DMAIC e aos princípios do Lean Seis Sigma, foi possível realizar uma aplicação sistemática do programa que se mostrou eficaz. Com os resultados obtidos durante os meses de inserção do programa, foi possível observar um contraste entre a condição inicial e a condição atual do laboratório, demonstrando assim a eficácia da aplicação do programa que se propunha a promover mudanças rápidas e facilmente perceptíveis. Foi notável também o empenho dos colaboradores, que passaram a trabalhar de maneira mais segura e consciente, prezando pela organização e boas práticas de laboratório. Além da aplicação inicial, o programa auxiliará na melhoria contínua da organização, que deve continuar a buscar o aprimoramento na execução das atividades e a manutenção constante do espaço. O grande desafio concentra-se agora no senso de autodisciplina objetivando a continuidade do programa. Por fim, a inserção de fundamentos da gestão da qualidade em um laboratório de ensino de uma instituição federal se apresentou como uma ferramenta que prioriza a excelência na formação de alunos e futuros profissionais.


Agradecimentos

Ao IFPE Campus Barreiros por proporcionar a disponibilidade do espaço para a realização do trabalho.


Referências

BATISTA, R.V.; SILVA, L.S.; BAINY, E.M. Aplicação do Programa 5S em Laboratório de Controle de Qualidade de um Laticínio. Ciência, tecnologia e inovação: do campo à mesa, Recife: Editora IIDV, 2020. E-book. Disponível em: https://editora.institutoidv.org/ciagro-vol-1/. Acesso em 11 ago. 2023.

CAE. Apostila White Belt Lean σ Sigma. 2017. E-book.

FERREIRA, H. O campus. In: IFPE, 2020. Disponível em: https://www.ifpe.edu.br/campus/barreiros/o-campus. Acesso em: 03 jun. 2021.

MACHADO, S.S. Gestão da qualidade. Inhumas: IFG; Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2012.
NEU, D.T.; LAVEAUX, N.D.A.; LAMBERTI, T.B.; MELLO, M.F. Aplicação da metodologia 5S em um laboratório de fisiologia de peixes da universidade federal de Santa Maria. Revista TECNO-LÓGICA, Santa Cruz do Sul, v.24, p. 253-263, 2020.
SOUZA, B.C.; PINTO, G.A.; PAULA, P.P.; LOBO, R.J., SOUZA, F.V.P. Implantação do programa 5S através da metodologia DMAIC. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.4, n.5, p. 2163-2179, ago. 2018.

VOITTO. Formação de Yellow Belt em Lean Seis Sigma. 2020. E-book.

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