Construção de um fotômetro com materiais alternativos utilizando aplicativo de celular como detector: uma proposta de ensino didático de análises colorimétricas

ÁREA

FEPROQUIM - Feira de Projetos de Química


Autores

Alkmim, D. (FUNEC) ; Castro, A. (FUNEC) ; Braga, J. (FUNEC)


RESUMO

Análises colorimétricas são uma importante faceta dos currículos de graduação e cursos técnicos em Química. Em tempos de ensino remoto e crises financeiras, é compensatório a construção de fotômetros simples para fins educacionais. Nesse contexto, esse projeto visa oferecer à instituição de ensino técnico uma alternativa simples e econômica para trabalhar a técnica de análises colorimétricas de uma forma construtiva, didática e experimental. Assim, foi construído um fotômetro simples a partir de canos de PVC, podendo acoplar LEDs ou lâmpada de tungstênio como fonte de luz e filtros como monocromadores. A câmera de celular foi utilizada como detector, que interpreta a imagem pelo sistema RGB por meio de aplicativo, o que permite determinar a absorbância segundo a lei de Lambert-Beer.


Palavras Chaves

Fotômetro; espectrofotometria; colorimetria

Introdução

A concentração de uma solução pode ser determinada pela intensidade de sua coloração. A espectroscopia de absorção molecular na região do visível é uma técnica utilizada para determinar a concentração de compostos coloridos em solução, baseando-se na lei de Lambert-Beer (SKOOG, HOLLER e NIEMAN, 2009). Essa técnica de análise é geralmente trabalhada com os estudantes de curso técnico e universitário, utilizando-se de um fotômetro ou espectrofotômetro para análises colorimétricas. Espectrofotômetros são aparelhos caros e sofisticados, que fornece uma curva de distribuição de absorbância da amostra, em cada comprimento de onda da faixa de medição do instrumento. O fotômetro isola um comprimento de onda específico de luz usando filtros como seletores de comprimentos de onda ou seleciona fontes de comprimento de onda específico para a análise, sendo um equipamento mais simples e economicamente mais acessível. Ainda assim, o alto custo de manutenção, ou a ausência desses equipamentos, limita a atividade prática do estudante que necessita de experimentação para capacitação em seus trabalhos laboratoriais. Em tempos de ensino remoto e crises financeiras das instituições de ensino, é necessário ter criatividade na execução de práticas didáticas que contornam a falta desse equipamento para trabalhar uma técnica de análise tão importante e usual. Nesse contexto, o projeto de pesquisa proposto visa oferecer à instituição de ensino técnico, professores e estudantes, uma alternativa simples e econômica para trabalhar a técnica de análises espectrofotométricas de uma forma construtiva, didática e experimental, ainda que a instituição não possua espectrofotômetro operante. Para isso, foi construído um fotômetro simples, com canos de PVC, que utiliza um aplicativo de celular como detector. O protótipo do fotômetro baseou-se no trabalho do JALOWSKI et al. (2021), que recebeu incremento neste atual projeto, explorando adaptações convenientes, como uso de lâmpada de tungstênio ou LEDs, filtros de luz como monocromador, uso de cubetas ou tubo de ensaio no porta-amostra. Outra melhoria proposta foi a fonte ligada diretamente na tomada para evitar modulações da intensidade de luz por enfraquecimento da bateria ou pilha. Recursos limitados é um problema comum em muitas escolas e faculdades. Por isso, não é surpreendente que vários autores tenham descrito como construir espectrofotômetros e colorímetros simples e econômicos como VANDERVEEN et al. (2013) e ALBERT et al. (2012). Entretanto, estes apresentam algum grau de complexidade tecnológica que limita sua execução. Em 2010, Scheeline relatou como uma câmera de celular pode ser usada em análises espectrofotométricas. Este protocolo eliminou a necessidade de um fotodetector, mas ainda assim exige uma análise sofisticada de fotos digitais. Há vários artigos que descrevem como os telefones celulares podem ser usados para realizar análises colorimétricas: (MONTANGERO, 2015), (RICE, BEER e WILIAMSON, 2014), (KEHOE e PENN, 2013), (KUNTZLEMAN e JACOBSON, 2016), (JALOWSKI, PIOVEZAN e ILHA, 2021). Esses autores publicaram artigos que simplificaram ainda mais o processo, permitindo que os experimentos da Lei de Beer fossem conduzidos em quase todos os laboratórios do ensino médio por análises de imagens. Os dois últimos autores: KUNTZLEMAN e JACOBSON (2016), e JALOWSKI et al. (2021) propuseram experimentos em que os alunos explorem o processo de absorção de luz da amostra tal como ocorre na espectrofotometria de absorção. É baseado nessa abordagem que o presente trabalho de iniciação científica atuou de modo a simular mais verossimilhantemente o funcionamento de um fotômetro. Para a obtenção da informação espectroscópica, a potência radiante transmitida deve ser detectada de alguma forma e convertida em uma quantidade mensurável. Hoje em dia é bastante usado um sistema de classificação de cores para televisores e telas de computador chamado RGB. Esse sistema classifica as cores em relação à intensidade das cores vermelha, azul e verde, e alguns pesquisadores têm utilizado esse sistema para trabalhar a lei de Lambert-Beer em análises colorimétricas para fins educacionais, como (JALOWSKI, PIOVEZAN e ILHA, 2021), (KEHOE e PENN, 2013), (KUNTZLEMAN e JACOBSON, 2016) e (PAULA e LIMA, 2014). RGB é a abreviatura de um sistema de cores aditivas em que o Vermelho (Red), o Verde (Green) e o Azul (Blue) são combinados de várias formas de modo a reproduzir um largo espectro cromático. É pelo sistema de cores RGB que um aplicativo de celular é capaz de fornecer coordenadas colorimétricas universais, sob iluminantes e observadores padronizados. Assim, esperamos que a construção de um fotômetro simples que utiliza um aplicativo de celular como detector contribua de forma construtiva para o ensino de espectroscopia, pois, além de didática, é bem propícia em tempos de ensino remoto, pois o próprio estudante pode construir o instrumento e realizar análises em casa com algum grau de precisão.


Material e métodos

A metodologia envolve basicamente: •Construção de um espectroscópio para analisar os espectros das fontes de luz e de absorção da amostra; •Construção do fotômetro para realizar as análises colorimétricas; •Seleção do analito e preparo das soluções padrão; •Realização de ensaios e testes de análises colorimétricas que envolvem a determinação da faixa de absorção da amostra e construção da curva de calibração. Espectroscópio: O instrumento foi construído a partir de uma caixa de batata chips em formato cilíndrico, pintada de preto fosco, e um CD descascado. Em uma das laterais cortou-se uma pequena fenda para a passagem da luz e no lado oposto uma abertura para colocar o CD. Com o espectroscópio foi possível captar o espectro de cores das fontes de luz e o espectro de absorção da amostra. Fotômetro: A estrutura do aparelho é feita de canos rosqueáveis de PVC 3/4. O instrumento foi revestido com tinta fosca para evitar reflexões de luz. Utilizou-se uma fonte de dose volts (12v), ligada a fios de cobre paralelos por plugs. Sendo um instrumento versátil pode-se utilizar LEDs de cores distintas ou lâmpadas de tungstênio, dispondo também filtros de luz para melhor seleção da cor absorvida pela amostra. Foi construída duas peças de porta-amostra, uma para tubo de ensaio e outra para cubeta. Assim, o porta-amostra é um módulo removível, que pode ser trocado e adaptado com massa adesiva para utilizar tubo de ensaio ou cubeta para acondicionar a amostra. Como detector do fotômetro utilizou-se aplicativo de celular que classifica a cor observada segundo sistema de cores RGB. Vários aplicativos foram testados, sendo o “ColorMeter Free” o que apresentou melhores resultados. Adicionou-se à estrutura do instrumento um suporte de celular para evitar quaisquer movimentos indesejados que possam alterar ou dificultar a coleta dos dados. Seleção do analito: Como o detector RGB registra numericamente apenas as cores azul, vermelha e verde, foram planejadas análises de amostras que absorvam melhor um desses três componentes. A partir de revisão bibliográfica (SÁ e NUNES, 2017) e (JALOWSKI, PIOVEZAN e ILHA, 2021), a substância escolhida para análise foi o amarelo crepúsculo, corante de coloração alaranjada, cujo pico de absorção é intensa na região do azul. Cálculos: A absorbância é determinada pela Lei de Lambert-Beer: A = log Po/P, sendo que (Po) corresponde à luz transmitida pela água, e (P) a luz transmitida pela amostra. Como o detector reconhece apenas as cores sistema RGB, a intensidade de luz transmitida (P ou Po) é o fator RGB do detector. O valor encontrado no aplicativo RGB dependerá da luz absorvida pela amostra. Como a Luz absorvida é azul, coletaram-se os dados apenas do fator “Blue” do sistema RGB, usando-se filtro azul ou LED azul como fonte para a análise. Ensaios: A eficiência do aparelho foi verificada observando-se a linearidade das curvas de calibração, descrito nos resultados.


Resultado e discussão

Para chegar no protótipo atual, foram realizados vários testes e ensaios colorimétricos realizados para verificar a eficiência do fotômetro. Cada teste não satisfatório, agregava propostas de melhorias, tanto no método, quanto no aparelho, sempre com o objetivo de alcançar melhores condições de análises adaptáveis ao fotômetro construído. O resultado final foi o fotômetro e o espectroscópio apresentados da Figura 1. Fotômetro e espectroscópio: Além do fotômetro, foi construído um espectroscópio para captar o espectro de cores das fontes de luz e o espectro de absorção da amostra. Esse instrumento supre, de forma qualitativa, a seleção do comprimento de onda de máxima absorção realizada usualmente por um espectrofotômetro. A Figura 1 apresenta o fotômetro construído evidenciando a estrutura interna do aparelho. A câmera de celular foi utilizada como detector, que interpreta a imagem por meio de aplicativo, classificando as cores RGB. A absorbância é determinada por cálculos de acordo com a lei de Lambert-Beer. Determinação da faixa de absorção da amostra: Primeiramente analisou-se os espectros de emissão de diferentes fontes com auxílio do espectroscópio. Algumas imagens da emissão de luz dessas fontes estão na Figura 2. O fotômetro permite selecionar o tipo de fonte que se deseja utilizar para a análise. Convém utilizar a lâmpada de tungstênio para avaliar o espectro de absorção da amostra, pois esta apresenta melhor todas as cores do espectro visível. Foi analisado uma solução de amarelo crepúsculo 0,10 mg/mL, em cubeta, coletando-se o espectro de absorção da amostra com auxílio do espectroscópio (Figura 2). Observa-se que a amostra absorve intensamente as cores azuis, em comprimentos de onda menores que o verde (500 nm). Esse resultado confere com o espectro da amostra obtido por SÁ e NUNES (2017). O espectro de absorção da amostra reforça que o LED azul, ou lâmpada de tungstênio com filtro azul, são as fontes ideais para analisar o amarelo crepúsculo. O branco é o apenas solvente utilizado no preparo da solução, sem o analito, que no caso foi água destilada. Nota-se ainda que, aparentemente, o branco absorve um pouco da cor violeta, o que não interfere na análise, já que apenas o componente azul será analisado pelo detector. Curva de calibração Após a construção do fotômetro, foram realizados mais de 30 testes, construindo- se curvas de calibração com soluções padrão de amarelo crepúsculo. Desses 30 testes, 11 foram lineares. As curvas pioneiras apresentaram erros e resultados insatisfatórios para o projeto, por não apresentarem linearidade, mas sim uma curva exponencial. Acredita-se que o ajuste automático da luminosidade do celular possa ser uma causa para esse comportamento, uma vez que esses ajustes são realizados em imagens escuras. Quanto maior a absorção, mais escura fica a imagem, o que faz o celular corrigir e alterar o comportamento linear esperado pela absorbância da amostra. Esse problema foi resolvido com alterações e adaptações no instrumento. A troca de aplicativos similares para o “Color Meter Free” foi fundamental para esse ajuste contribuindo bastante para essa linearidade desejada. O teste 20 foi um dos melhores resultados, como apresentado no gráfico da Figura 2, cujos dados foram obtidos medindo-se o componente azul RGB como intensidade de luz transmitida, e realizado o tratamento de dados indicados na metodologia. O teste é reprodutível, obtendo-se resultados satisfatórios nas condições indicadas a seguir: • Fonte: lâmpada de tungstênio com filtro azul escuro; o difusor mais perto da lâmpada; • Amostra: soluções com concentrações de 0,020 a 0,10 mg/mL, em cubeta, • Detector: Aplicativo “ColorMeter-Free” em celular Motorola Moto G 5G plus ou Samsung Note 10 Lite. O R-quadrado (R2) é uma medida estatística de quão próximos os dados estão da linha de regressão ajustada, também conhecido como o coeficiente de determinação. É uma medida de qualidade do ajuste (precisão do modelo) corrigida para modelos lineares. Quanto mais próximo 1, melhor é o ajuste dos pontos à equação de reta. Observa-se pela Figura 2 que o valor de R-quadrado (R² = 0,9367) é bem próximo de 1, o que indica o bom ajuste dos pontos à equação linear encontrada. Considerações finais A simplicidade do fotômetro construído se deve principalmente ao uso da câmera de celular como detector e aplicativo para interpretar a imagem segundo o sistema de cores RGB. Vale considerar que o detector apresentou algumas limitações, sendo pouco eficiente para soluções muito diluídas (abaixo de 0,02 mg/mL) e muito concentradas (acima de 0,10 mg/mL), uma vez que a imagem fica muito escura para detecção do celular no último caso. É possível perceber pelo gráfico da Figura 2 que a absorbância da solução 0,02 mg/mL diferencia muito pouco do branco, e na prática, soluções com concentrações menores que esta podem gerar absorbâncias que não se distinguem do branco. O método apresenta eficiência, desde que seja respeitada a faixa ótima de trabalho, limitando-se a soluções de amarelo crepúsculo com concentrações entre de 0,02 e 0,10 mg/mL. Concentrações ideais do analito - Faixa ótima de trabalho - também é necessária em instrumentos mais sofisticados com tecnologia agregada, o que não desqualifica o método de análise proposto neste trabalho. O uso do aplicativo de celular como detector pode ser visto também como um incentivo para o envolvimento do estudante na aplicação da lei de Lambert-Beer. O aparelho não oferece simplesmente a absorbância da amostra. Os dados coletados são trabalhados para que o estudante aplique as fórmulas de absorbância e verifique a Lei de Lambert-Beer na linearidade da curva de calibração construída. Esse artifício é didático e reforça o processo de ensino- aprendizagem.

Figura 1

Fotômetro e Espectroscópio construídos.

Figura 2

Resultados das análises espectroscópicas: espectros \r\nde emissão e absorção, e curva de calibração do \r\namarelo crepúsculo.

Conclusões

Foi possível construir um fotômetro com materiais alternativos e de baixo custo, podendo ser utilizado para ensino didático de análises colorimétricas. As análises colorimétricas realizadas no fotômetro, que utiliza câmera digital de telefone celular como detector foram eficientes, sendo um método didático de análise espectroscópica, passíveis de serem reproduzidas em quaisquer instituições de ensino técnico e universitário. Observou-se melhores resultados para soluções de amarelo crepúsculo com concentrações entre 0,02 e 0,10 mg/mL, pois as curvas de calibração apresentaram maior linearidade nessa faixa. A simplicidade do aparelho, permite a reprodução do instrumento por alunos e professores. O instrumento foi testado e se mostrou funcional, podendo ser aplicado para fins didáticos com relativa eficiência. As partes do instrumento são visíveis e podem ser trocadas e manipuladas pelo estudante, o que favorece o processo de ensino-aprendizagem, tornando viável para as instituições a adaptação do projeto de acordo com suas condições e realidades.


Agradecimentos

Agradecemos à FAPEMIG e CNPq pelo apoio, e à CBQ, pela oportunidade de divulgar esse trabalho, e especialmente à Fundação de Ensino de Contagem -FUNEC, por financiar e apoiar projetos de PIBIC-Jr, como este.


Referências

ALBERT, D. R.; TODT, M. A.; DAVIS, H. F. A. Low-Cost Quantitative Absorption Spectrophotometer. J. Chem. Educ., n. 89, p. 1432 - 1435, 2012.
JALOWSKI, B. J.; PIOVEZAN, M.; ILHA, E. D. C. Estudo da lei de Lambert-Beer: Um instrumento e experimento para fazer em casa em tempos de ensino remoto. In: Anais do III Congresso Online Nacional de Química, Macaé, n. 3ª, 2021. RJ: Congresse-me LTDA.
KEHOE, E. PENN, L. R. Introducing Colorimetric Analysis with Camera Phones and Digital Cameras: An Activity for High School or General Chemistry. Journal of Chemical Education, 9 August 2013. 1928-1937.
KUNTZLEMAN, T. S.; JACOBSON, E. C. Teaching Beer’s Law and Absorption Spectrophotometry with a Smart Phone: A Substantially Simplified Protocol. Journal of Chemical Education, 29 January 2016. 1249–1252.
MONTANGERO, M. Determining the Amount of Copper(II) Ions in a Solution Using a Smartphone. J. Chem. Educ., n. 92, p. 1759 −1762, 2015.
PAULA, V. I.; LIMA, D. R. D. S. Uso de análises de Imagens para Quantificação de Compostos. Revista Engenho, Poços de Caldas - MG, v. 9, p. 63 - 76, 12 Novembro 2014.
RICE, N. P.; BEER, M. P.; WILIAMSON, M. E. A Simple Educational Method for the Measurement of Liquid Binary Diffusivities. J. Chem. Educ, n. 91, p. 1185 − 1190, 2014.
SÁ, F. P.; NUNES, L. M. Descoloração de Corantes Alimentícios, Amarelo Crepúsculo e Azul Brilhante, Utilizando Radiação Ultravioleta. Revsta Processos Químicos, p. 77-82, jan/jun 2017.

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