Aluminação de Zeólita B-Al-MFI aplicada à conversão de Etanol em Combustível de Aviação

ÁREA

Química de Materiais


Autores

Alcantara Soares Queiroz, E. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO) ; Carla Eiko Saito Yokoo, K. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS) ; Gounder, R. (PURDUE UNIVERSITY)


RESUMO

Num cenário pretendido de neutralidade de carbono, a minimização das emissões é crucial. O setor de transportes apresenta um papel significativo; a aviação é especialmente sensível. Nesse sentido, a produção de combustível de aviação sustentável (SAF) é fundamental. Para tanto, o aprimoramento de catalisadores capazes de converter matérias primas renováveis em SAF é uma etapa crítica. Destarte, o presente trabalho investiga o aprimoramento de catalisador boro- alumínio-silicato (B-Al-MFI) mediante a incorporação de Al nos sítios preferencialmente ocupados pelo B durante a síntese do catalisador. Com base nos resultados obtidos a partir de ICP-OES, XRD e Adsorção de N2, observou-se deboronação completa, incremento de 97% do. teor de Al e a preservação das características estruturais.


Palavras Chaves

B-Al-MFI; Aluminação; Deboronação

Introdução

Entre 2015 e 2022 teve-se os anos mais quentes registrados (ONU, 2023). Diversas consequências são especuladas temperatura média se elevar em mais de 1,5 °C, sejam mazelas ambientais ou sociais (IPCC, 2018; HEGERL et al., 2007). O aumento da concentração dos gases do efeito estufa (MONTZKA et al., 2011; MAC DOWELL, 2017), associado ao efeito antropogênico, está diretamente relacionado a elevação das temperaturas médias (MAGNAN et al., 2021; IPCC, 2023). Em 2018, no mundo, USD 131.7 bi foram dispensados com perdas associadas ao aquecimento global (FAWZY, S. et al., 2020); estimasse possam custar USD 178 tri nos próximos 50 anos (DELOITTE, 2022). As emissões de CO2 têm protagonismo no tema. Diversas tratativas e proposições são feitas nesse sentido (ONU, 2015, 2022); o consenso culmina na necessidade de um cenário de neutralidade de carbono até 2050 (IEA, 2021). O setor de transporte tem grande impacto; globalmente, representou 24% de todas as emissões em 2020 (IEA, 2020a); sendo os combustíveis derivados de petróleo os principais agentes ligados às emissões (IEA, 2020b). Vale ressaltar que os investimentos em energias renováveis já superam os de combustíveis fósseis e são projetadas para triplicar (IEA, 2022). O setor de aviação chama atenção no segmento, com 14% das emissões do setor de transportes (IEA, 2022b,c,d,e,f). Enquanto os demais modais contam com opções de pegada reduzida de carbono mais acessíveis (e.g., eletrificação de sistemas, células de hidrogênio, biodiesel, etc.), o setor de aviação é um campo muito mais restrito devido às características inerentes ao combustível, i.e., baixa temperatura de fusão e alta densidade energética (DÍAZ-PÉREZ & SERRANO-RUIZ, 2020). No contexto, a produção de SAF, apresenta-se como uma abordagem exequível para redução das emissões de CO2 (EAGAN et al., 2019; NG, 2021; YANG et al., 2022). Objetivando a produção de SAF, diferentes rotas de conversão química já foram propostas – e.g. Gasification & Fischer Tropsch, Direct Sugars to Hydrocarbons, Alcohol to jet (TANZIL et al., 2021; SHAHRIAR &; KANAL, 2022). No contexto, o etanol é uma matéria-prima abundante (EAGAN et al., 2019; YANG et al., 2022), com escalas de produção crescentes (RFA, 2021; GVR, 2018; RAMSEY, S. et al., 2023), previsto de ser economicamente viável no curto prazo (YABE, M. A. et al., 2015) e de larga maturidade tecnológica na conversão em combustíveis (PETERSEN et al., 2021). Ademais, trata-se de um recurso passível de obtenção a partir de diferentes culturas agrícolas (TSE et al., 2021) e de biomassa não-alimentar (ROBAK & BALCEREK, 2018; CASTRO et al., 2021) – i.e., não implica objetivamente em uso da terra. Posto isto, a produção de SAF a partir de etanol (ATJ/ETJ) destaca-se por ser uma rota promissora. A processo ATJ, em geral, envolve a (i) desidratação do etanol à eteno; (ii) a oligomerização do eteno em olefinas de cadeia mais longa; (iii) a hidrogenação destas olefinas em parafinas e; (iv) processo de purificação (DÍAZ-PÉREZ & SERRANO-RUIZ, 2020; ZHANG, 2016) – onde vários destes processos são viabilizados a partir do uso de catalisadores (EAGAN, 2019; YABE et al., 2015). Todavia, os combustíveis de aviação produzidos a partir de qualquer fonte renovável não são economicamente competitivos quando comparado com os derivados fósseis. Portanto é essencial a implementação de estratégias que viabilizem a sustentabilidade financeira de seu emprego (ROMERO-IZQUIERDO, 2021; PAVLENKO et al., 2019; HSU, 2022), perpassando, dentre outros campos, pelo aperfeiçoamento de catalisadores. Nesse contexto, objetiva-se a produção de SAF, a partir de etanol, mediante ao emprego de um catalisador B-Al-MFI submetido à tratamento pós-sintético, de modo a substituir o B presente na zeólita por Al, de modo a favorecer o número de sítios ácidos no catalisador, portanto, aumentar a conversão e a seletividade (ROMÁN-LESHKOV et al., 2011; SCHROEDER et al., 2022; KOLLER et al., 2015; ZONES et al., 2014) range de parafinas desejado, C8-C16 (BROOKS et al., 2016). Assim, é essencial a utilização de catalisadores capazes de superar os gargalos ligados à desativação do catalisador devido à formação de coque e capazes de transpor o déficit de hidrogênio durante o processo de hydrocarbon upgradation (SENAPATI et al., 2014; BICKLE et al., 2023; QIAO et al., 2014; LIU et al., 2022). Apesar do uso bastante difundido da zeólita MFI em rotas de aprimoramento de hidrocarbonetos (NIU et al., 2022; NISHU et al., 2020) por sua seletividade, devido sua estrutura (HUR et al., 2019), a substituição do B por Al em ZSM-5 é um tema pouco recorrente. Posto isto, objetica-se obter catalisadores que não poderiam ser sintetizados senão a partir de métodos pós-sintéticos (ZONES et al., 2014). A hipótese subjacente é que o Al inserido ocupe T-sites (NIMLOS et al., 2020; PALČIĆ & VALTCHEV, 2020) diferentes daqueles preferidos pelo Al durante a síntese. Desta forma, resultando em catalisadores com propriedades aprimoradas (ALOTIBI, 2020).


Material e métodos

Diante do exposto, as etapas iniciais do projeto permeiam a avaliação das condições experimentais que possibilitem a deboronação e a aluminação da B-Al- MFI, bem como, as caracterizações pertinentes ao estudo do material obtido. O catalisador utilizado foi a zeólita boro-alumínio-silicata MFI (B-Al-MFI) sintetizada mediante o emprego de TPA e EDA como agentes orgânicos direcionadores de estrutura (OSDA) – conforme descrito em HUR et al. (2019). Visando a eliminação de NH4^+ e a obtenção da forma H^+, i.e., protonada (KNOTT et al., 2017) e a remoção dos OSDA (KESTER, 2018; PALENCIA-RUIZ, 2022; WOLF, 2016), o catalisador é submetido à calcinação em fluxo de ar seco (Ultra Zero Grade, Indiana Oxygen), sob vazão de 100 cm3 ∙ min-1 ∙ gzeólita-1, à temperatura de 580 °C (1°C ∙ min-1) em forno mufla (Nabertherm le 6/11), durante 10 h. Seguido de arrefecimento dentro do forno até 30 °C. As condições estudadas para a deboronação e aluminação foram adaptadas com base na metodologia proposta por Schroeder et al. (2022), Koller et al. (2015), Tong & Koller (2012) para troca iônica. Submeteu-se o catalisador ao banho (75 mLsol. ∙ gcat.-1), sob agitação, em solução Al(NO3)3 1M, preparada pela hidratação de Al(NO3)3 ∙ 9H2O (>99% Fisher Chemical), diluída em água deionizada ou etanol anidro, por 24, 72 e 120 horas. O pH do meio variou entre o pH natural da solução (catalisador + solução Al(NO3)3 1M), pH < 2, e o pH ajustado para 3, 7 ou 10 (NH4OH ou NaOH). Os ensaios ocorreram tanto em pressão ambiente (savillex jar em banho de óleo, à 90 °C) ou em condições de pressão autógena (Parr bomb, à 120 °C). Após submetidos à solução de troca iônica por meio do banho, as amostras foram lavadas ostensivamente (H2O ou HCl 1M + H2O), centrifugadas (4 500 rpm por 8 min.) e deixadas para secar de um dia para o outro à 80 °C. Adotando-se duas abordagens: (i) em uma etapa – substituição B/Al – ou; (ii) duas etapas – deboronação seguida da aluminação. A estrutura cristalina do catalisador foi avaliada por meio da difração de raios-x (XRD) para verificar o padrão das estruturas cristalinas do material (Rigaku SmartLab X-ray diffractometer). O volume de poros foi estudado a partir da adsorção de N2 segundo metodologia descrita por Kester et al. (2018). Por fim, a presença e a quantificação das espécies no catalisador foram realizadas a partir de Espectroscopia de Emissão Ótica com Plasma Indutivamente Acoplado (ICP-OES; Thermo Scientific iCap 7000 Plus Serie).


Resultado e discussão

A limitação de informação na literatura acerca da aluminação de zeólita B-Al-MFI acaba sendo um obstáculo para a discussão mais aprofundada no tema. Os resultados preliminares indicam que a deboronação da zeólita ocorre exequivelmente em condições de troca iônica (B → Al) em solução de Al(NO3)3 1M. Em 24 horas, o material calcinado sofre uma redução de 90% da proporção de B (mol de B / gcat.) em relação ao material antes do tratamento; em 72 horas, não há resquício de B. Todavia, não fora observada mudança significativa no conteúdo de alumínio, i.e., nas condições avaliadas, não ocorre a deboronação seguida da aluminação em uma única etapa. Diante do insucesso, avaliou-se a possibilidade da lavagem em meio ácido (HCl no presente caso) poderia fazer com que o Al fora da estrutura (extra-framework) fosse dirigido para o interior da zeólita (CHEN et al., 2022; RESCHETILOWSKI et al., 1995; JONES et al., 2001). Embora haja variação positiva no teor de Al, esta não é significativa o bastante para que fosse considerado êxito na aluminação da zeólita e não será avaliada em concomitância com outras condições a serem empreendidas para que se possa avaliar como determinada variável do processo afeta o resultado final de maneira independente. Considerou-se a hipótese de que o pH natural da solução de troca iônica fosse excessivamente baixo para que o Al3+ saísse da solução e se ligasse a estrutura da zeólita (TONG & KOLLER, 2012). Apesar de problemas associados à formação e precipitação de Al(OH)3 (KOLLER et al., 2015) em pH’s mais elevados; não havendo Al3+ suficiente disponível em solução para ser inserido nas vacâncias deixadas após a remoção do B. Bem como, das condições severas de pH promoverem uma deboronação excessivamente rápida, o que, potencialmente, poderia ser um problema posta que a velocidade da deboronação é superior a da incorporação de alumínio (PALČIĆ & VALTCHEV, 2020). A deboronação como passo precedente à aluminação é motivada pela criação de vacâncias na estrutura após a remoção de B devido à formação de “ninhos hidroxila” (hydroxyl nests), tornando a aluminação mais provável (PALČIĆ & VALTCHEV, 2020). De modo que a remoção de B devido à hidrólise crie um déficit a ser compensado pela inserção de Al (CHANG et al., 1985). A escolha de ajuste com NH4OH ou NaOH baseou-se no papel de contra-íon que estes podem desempenhar no balanço das cargas do B em estrutura tetraédrica, permitindo uma deboronação mais seletiva posta sua menor reatividade que o B trigonal (TONG & KOLLER, 2012; KOLLER et al., 2015; SCHROEDER et al., 2022). Paralelamente, a dissolução do Al(NO3)3 em etanol baseou-se na hipótese de minimizar os problemas decorrentes da interação ácida entre Al(NO3)3 em H2O e capacidade de inserção de maior teor de alumínio em amostras de *BEA estudada por Tong e Koller (2012). Ambas as proposições não levaram a ganho significativo no teor de Al presente na zeólita, todavia, ratificaram o entendimento que condições mais elevadas de pH resultam em uma deboronação mais controlada. Vale destacar que o teor de Al verificado no procedimento de inserção de Al em duas etapas é, provavelmente, devido a formação de Al(OH)3[subAl] ou de Al fora da estrutura (SHAMZHY et al. 2015), por conseguinte, não implicando em real incorporação do Al na zeólita e, portanto, não aumentando o número de sítios ácidos de Brønsted (ROMÁN-LESHKOV, 2011; SCHROEDER et al., 2022; CHENGENG et al., 2018; INAGAKI et al., 2020). A confirmação da hipótese, todavia, só pode ser feita com absoluta convicção mediante à análise de RMN (TONG & KOLLER, 2012) que será avaliada em estudos futuros. Finalmente, condição de pH natural, em amostra tratada em duas etapas, a condição de pressão autógena empreendida em uma autoclave de aço inoxidável revestidos em Teflon (Parr Bomb), à 120 °C, sob agitação, foi observado teor de Al 97% superior ao da amostra como sintetizada, além de ausência de B. Revelando, assim, um resultado, aparentemente, exitoso. Acredita-se que condições mais semelhantes à da síntese hidrotermal, i.e., sob pressão autógena, poderia ser responsável pela inserção do alumínio no catalisador. Todavia, análises mais aprofundadas acerca da posição do Al só podem ser realizadas mediante à RMN. Por fim, cabe evidenciar que a estrutura cristalina característica da B-Al-MFI foi preservada após os processos pós-sintéticos empregados, como pode ser observado vide os padrões registrados pela difração de raios-x. Adicionalmente, os dados obtidos com o ICP-OES demonstraram a manutenção do teor de silício. i.e., de maneira geral, não houve dessilicação. Adicionalmente, o volume de poros observado entre a amostra aluminada em condição de pressão autógena foi consistente com a amostra como sintetizada, ambas com 0.13 cm3 ∙ g-1. As isotermas revelam, ainda, histerese muito sútil – exceção da amostra tratada em pH onde acredita-se ter ocorrido dessilicação devido ao pH elevado – não havendo adição de mesoporosidade significativa no material.

Figura 1.

Teores de B e Al obtidos mediantes à ICP-OES

Figura 2.

Difração por raio-X e Volume de poro

Conclusões

O domínio tecnológico que viabilize a produção de SAF é um aspecto fundamental para redução da pegada de carbono associada ao setor de aviação, por conseguinte, dos impactos associados ao incremento do efeito estufa. A rota de conversão de álcoois em combustível de aviação (ATJ) seria especialmente interessante. Nesse sentido, o aprimoramento de catalisadores aplicados à conversão de recursos renováveis em hidrocarbonetos de interesse desempenha um papel fundamental no contexto. A esta luz, a utilização de método pós-sintéticos pode propiciar a obtenção de catalisadores com propriedades melhoradas, capazes de viabilizar uma conversão mais seletiva, com maiores rendimentos e de maior vida útil. A utilização de zeólita borosilicatas ou boro-alumínio-silicata permitem explorar materiais que não poderiam ser obtidos via processo direto de síntese. Da hipótese que o Al inserido ocupe posições diferentes daquelas obtidas pela síntese direta e objetivando alcançar um catalisador aprimorado devido a sua maior força ácida, a presente investigação buscou viabilizar condições necessárias à esta modificação. Dentre os diferentes cenários experimentais propostos e avaliados, pôde-se observar que o processo de deboronação ocorre com relativa facilidade. Todavia, não foi observada incorporação de alumínio na zeólita em condições em que o material não estivesse sob pressão autógena. A partir desta metodologia, obteve- se um material com teor de Al 97% superior ao do material como sintetizado, sendo mantida a estrutura cristalina e o volume de poros característico do catalisador antes da aplicação dos métodos pós sintéticos. Apesar dos resultados preliminares animadores, a avaliação da posição do Al inserido via RMN ainda é uma etapa crítica para consolidação da hipótese. Bem como, estudos futuros em reator para avaliar as caraterísticas cinéticas do catalisador e a conversão de etanol.


Agradecimentos

Purdue University Gounder Group UFRJ Pontes Program (resumidos no Prof. F. H. Ribeiro) S. Ezenwa, C. Bonn (PURDUE); S. Damasceno (UFABC); T. Moraes (IPEN); Rômulo e Lucas (UFRJ), Torres, B. (UNAL) Prof.os E. Falabella e D. Ar


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