ÁREA
Química de Materiais
Autores
Santos, M.J.A. (UFVJM) ; Oliveira Júnior, W. (UFVJM) ; Ribeiro, J.K.L. (UFVJM) ; Maciel, N.C. (UFVJM) ; Pereira, J.N. (EESC-USP) ; Pinto, H.C. (EESC-USP) ; Souza, P.N.C. (UFVJM) ; Silva, E.P. (UFVJM)
RESUMO
As ligas de magnésio demonstram significante alternativa nas aplicações em dispositivos de implantes biodegradáveis no organismo humano, eliminando uma segunda cirurgia para sua remoção, como ocorre em demais materiais metálicos. Neste trabalho, utiliza-se ligas de magnésio ZK60 (Magnésio, Zinco e Zircônio) e ZK60-Mm (Magnésio, Zinco e Zircônio com 1,5% em peso de terras raras- mischmetal), que possuem potencial para material ortopédico visto sua densidade próxima à óssea. Utilizou-se ensaios de imersão em solução de Fluido Corpóreo Simulado (SBF) e avaliou-se seus produtos de corrosão. Por fim, foram feitas análises de MEV, EDS e DRX. Os resultados têm mostrado que a adição dos elementos terras raras se mostra propícia a osteointegração com a formação de hidroxiapatita após imersão em SBF.
Palavras Chaves
Magnésio; Hidroxiapatita; Biomaterial
Introdução
As ligas de magnésio possuem características vantajosas para serem utilizadas como biomateriais, como peso leve, excelentes propriedades mecânicas, biocompatibilidade e biodegradabilidade. Assim, seu uso tem atraído atenção para a engenharia de tecidos biológicos, em particular para engenharia de tecidos ósseos, uma área que desenvolve produtos para substituir ossos danificados. A demanda por implantes ósseos é alta, com milhões de cirurgias realizadas anualmente, sendo os Estados Unidos líder nesse campo. Os materiais sintéticos, como metais, devem ter características adicionais, como controle da corrosão, biocompatibilidade e atividade antibacteriana, para serem adequados como biomateriais. Diferentes metais, como platina, ligas de cobalto, níquel e titânio, são utilizados em diversos processos cirúrgicos (DREVA et al., 2022; WITTE, 2010). Além disso, os biomateriais metálicos devem possuir osteocondutividade, estimulando o crescimento de células ósseas. Dependendo da aplicação específica, esses biomateriais também devem ser capazes de suportar cargas mecânicas e se degradar progressivamente à medida que o novo tecido é formado (OPREA et al., 2016; SINHORETI; VITTI; CORRER-SOBRINHO, 2013). A primeira utilização documentada de ligas de magnésio na área biomédica remonta a 1878, quando fios de magnésio foram usados para fechar uma cirurgia vascular. Em 1906, há o primeiro relato do uso desse metal na contribuição ao tecido ósseo, ao aplicá-lo em uma fratura óssea no braço com parafusos, só posteriormente, por meio de radiografias, observou-se a formação de bolhas de gás ao redor dos parafusos, enquanto iniciou-se a degradação no ambiente fisiológico. Esses eventos levaram os pesquisadores a explorar as propriedades corrosivas do magnésio e sua viabilidade no uso biomédico. Ao longo da história, pesquisadores tem desenvolvido e incentivado a adição de outros materiais às ligas de magnésio para melhorar suas características(MOORE; ASADI; LEWIS, 2017; WITTE, 2010). O magnésio é suscetível à corrosão devido ao seu baixo potencial de redução. Sua corrosão ocorre por meio de um processo galvânico, onde o magnésio atua como o ânodo e perde elétrons para o cátodo. A corrosão é causada pela presença de oxigênio, contato com água ou ácidos como HCl, podendo levar à fragilidade e potencial fratura do magnésio e diferentes produtos de corrosão formados como MgO, Mg(OH)2, MgCl2, respectivamente (ATRENS; LIU; ZAINAL ABIDIN, 2011). O processo corrosivo do magnésio pode ser estudado in vitro em soluções que mimetizem o fluido corpóreo humano como o SBF (simulated body fluid), para se verificar como esses agentes atuam na degradação do material de interesse. Ademais, essa solução também é capaz de trazer respostas quanto a nucleação de hidroxiapatita, um mineral de razão atômica Ca/P de aproximadamente 1,67; que atuará na osteointegração, um processo que envolve a conexão direta entre tecido ósseo e implante (BRAGA et al., 2022; LOPES et al., 2014). Nesse âmbito, o objetivo deste trabalho é avaliar as propriedades de degradação de ligas de magnésio ZK60 (Mg – 6% Zn – 0,6 % Zr (% em peso)) e das aqui mencionadas ZK60_Mm, que contém adição de 1,5% em peso de mischmetal (55% Ce, 24% La, 16% Nd, 5% Pr (% peso)). As ligas selecionadas para o estudo são conhecidas por sua maior resistência mecânica e densidade próxima à do osso humano.
Material e métodos
Neste trabalho, foram avaliados ligas de magnésio do tipo ZK60 com adição de mischmetal (ZK60-Mm). Os materiais foram confeccionadas segundo (SILVA et al., 2018), na EESC (Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo) pelo método de fusão e laminação, sendo denominadas como Ligas ZK60 [Mg (matriz) - Zn (6%) – Zr (0,6%) (% peso)] e ZK60-Mm [com a adição de 1,5% em peso de mischmetal – Ce (55%), La (24%), Nd (16%), (5%) Pr (% peso)] (MA et al., 2004). Para a imersão foi utilizado o SBF (Simulated Body Fluid), que mimetiza o plasma sanguíneo humano em termos de concentração de íons e pH. O preparo do SBF seguiu a metodologia descrita por (KOKUBO et al., 1990), adicionando NaCl (8,035 g), NaHCO3 (0,355), KCl (0,255), K3HPO43H2O (0,231 g), MgCl26H2O (0,255 g), HCl (1,0 M - 39 ml), CaCl2 (0,292 g), Na2SO2 (0,072 g), TRIS (6,118 g), HCl (0-5 ml pitados até pH atingir 7,4), exatamente nessa ordem com aquecimento controlado em 36,5 ± 1,5 °C. A imersão de amostras nesse eletrólito busca estudar a formação de possíveis mineralizações osteoligantes, que sejam responsáveis por conectar o implante ao osso e garantir funções biológicas durante a regeneração. Para avaliação, as amostras após embebidas em SBF com pH 7,4; mantidas a 35°C por até 21 dias sendo essa solução trocada a cada 24 horas; foram removidas da solução SBF, lavadas com água deionizada, secadas com ar frio e examinados por MEV e DRX.
Resultado e discussão
As amostras da Figura 1 (a, b, c) se trata das amostras ZK60 e da Figura 1 (d,
e, f) de ligas ZK60-Mm, laminadas. É visto nas figuras mencionadas, a presença
de regiões claras e escuras, representando diferentes fases, sendo a mais escura
atribuída ao Mg, e a mais clara pelas fases Mg e MgZn (RESENDE, 2014). Nas
amostras, as composições químicas das ligas ZK60 e ZK60-Mm são identificadas
pelo EDS na Figura 1 (c) e Figura 1 (f), respectivamente. Observa-se a presença
de magnésio e zinco em todas as amostras, acrescidas do elemento terra-rara
(Cério) na amostra ZK60-Mm, estando de acordo com a composição das ligas (MA et
al., 2004). O Cério por sua vez é o único elemento terra-rara a aparecer nas
análises EDS para a liga ZK60-Mm, possivelmente por ter uma proporção maior
(55%) em relação aos outros elementos terras-rara, dentre os 1,5% de mischmetal
adicionados.
A superfície das amostras sofre corrosão, assim, uma área corroída é formada na
superfície da liga onde a corrosão por pitting foi observada. Para entender
melhor esses produtos de corrosão e a morfologia da superfície, as amostras
foram levadas ao MEV-EDS e foi possível observar o surgimento de várias trincas
na camada de produto de corrosão, Figura 2 (a – e). A análise EDS dessas
partículas revelou a existência de magnésio e zinco, que são elementos
característicos das ligas, mas também de elementos como cálcio, fosforo, e
cloro, o que preliminarmente indica a formação de hidroxiapatita ou algum
fosfato cálcico na camada superficial das amostras, como também de um possível
cloreto como produto de corrosão. Entendendo que as amostras foram imergidas em
uma solução contendo HCl, que pode ser altamente corrosivo ao magnésio, gerando
um cloreto de magnésio como produto de corrosão, a presença de Cl faz sentido no
MEV.
A presença de partículas de hidroxiapatita pode ser assumida pela presença de Ca
e P nas análises EDS dos produtos de corrosão das amostras, o que indica que as
ligas de magnésio podem mineralizar a hidroxiapatita, como já conhecido na
literatura (BAKHSHESHI-RAD et al., 2017; BRAGA et al., 2022; LIN et al., 2014),
como também o acréscimo de mischmetal a essas ligas não trouxe indução negativa
nessa mineralização, se mostrando como um material bioativo, com capacidade de
favorecer a osteointegração ao se mostrar capaz de mineralizar a hidroxiapatita
nos ensaios in vitro com solução SBF. Este resultado é ainda confirmado pela
Difração de raios X, na Figura 2 (g).
As análises de DRX identificaram picos de magnésio para todas as amostras, o que
já era esperado visto a matriz das amostras testadas. Mas também vemos a
presença de Mg(OH)2, que é um produto da corrosão do magnésio pelo contato com
um ambiente corrosivo aquoso (LI et al., 2008; ZHU et al., 2021). Outros
produtos de corrosão são a hidroxiapatita (HAp) e o ZnO.
A hidroxiapatita é um mineral que apresenta boa adesão, ausência de toxicidade
local e sistêmica, ausência de respostas inflamatórias e excelentes propriedades
de biocompatibilidade e osteocondutividade, permitindo a proliferação de células
ósseas, como fibroblastos e osteoblastos (SINHORETI; VITTI; CORRER-SOBRINHO,
2013). Vários estudos na área de biomateriais tem se voltado à obtenção de
materiais com a capacidade de mineralizar o fosfato de cálcio e hidroxiapatita,
devido a estas biocerâmicas apresentarem comportamento de biodegradação
favorecendo a formação do tecido ósseo .
Nesse trabalho o acréscimo de elementos terras-raras (mischmetal) as ligas de
magnésio ZK60, já conhecidas por sua densidade muito próxima da óssea, se dá na
busca de uma liga que possa ser mais resistiva aos processos degradativos do
meio biológico. Esse acréscimo, ao não demonstrar nenhuma resposta negativa para
a mineralização de hidroxiapatita, trás resultados positivos para mais estudos
acerca da utilização desse material.
Imagens MEV da superfície das ligas ZK60 (a-b), \r\nZK60-Mm (d-e) e suas respectivas análises EDS (c-f).
Imagens MEV das amostras ZK60 (a-b), ZK60-Mm (d-e), \r\ne suas respectivas análises EDS (c-f), e Espectros \r\nde difração de Raios X (g) após imersão em SBF.
Conclusões
• Os resultados apresentados demostraram a presença de elementos terras raras nas ligas de magnésio ZK60 acrescidas de mischmetal, as denominadas ZK60_Mm. • Quanto aos ensaios de imersão em fluido corpóreo simulado (SBF), foi observado pelos ensaios de MEV a presença dos elementos Ca e P, forte indicativo da formação de um fosfato cálcico. • A análise por DRX demonstrou picos nos difratogramas característicos da hidroxiapatita, como o fosfato cálcico formado. • A adição de mischmetal as ligas se mostra favorável para um material que busca ser osteoindutivo. • Para trabalhos futuros devem ser abordados o estudo da toxicidade desse material, e que este tenha nula ou baixa ação contra células humanas.
Agradecimentos
Os autores agradecem à CAPES e FAPEMIG pelo apoio financeiro neste trabalho, ao PPGQ-UFVJM, EESC-USP, ao grupo de pesquisa em Magnésio e Hidrogênio da UFVJM- Janaúba e o apoio do LMMA patrocinado pela FAPEMIG APQ-03088-2.
Referências
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