ÁREA
Química de Materiais
Autores
Medeiros, J.G.F.S. (IFRN) ; Tavares, M.L.A. (IFRN) ; Silva, N.E. (IFRN) ; Alves, L.A. (IFRN) ; Bertini, L.M. (IFRN) ; Rios, M.A.S. (UFC) ; Nascimento, T.L. (IFRN)
RESUMO
A cafeicultura gera uma das principais matérias primas do mercado global, o café, sendo o Brasil o maior em produção e exportação, ainda se destacando no consumo. A grande problemática acarretada é a geração de toneladas do resíduo sólido, a borra, que ocorre desde a produção até o consumo, ainda pouco explorada, assim acumulada em aterros sanitários sem nenhum tratamento, causando riscos ambientais pela sua composição tóxica, entretanto, com alto potencial bioenergético. Portanto, esta pesquisa busca propor mais uma finalidade para o resíduo borra do café através da produção de uma lenha ecológica, o briquete. O resultado demonstrou-se válido e positivo, confirmando a capacidade de aplicação da briquetagem na borra e o potencial do seu aproveitamento como uma biomassa sólida.
Palavras Chaves
Biomassa; Briquetes; Bora de Café
Introdução
A indústria cafeicultora tem uma grande e crescente participação no comércio mundial. Segundo Galanakis (2017), o café é a segunda maior commodity, produzido em mais de 70 países, sendo, inclusive, o Brasil o principal produtor e exportador de café em grão (café verde) no mundo. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (2014), o Brasil representou 34,18% da produção e 28,51% da exportação mundial do referido ano, e ainda teve 13,61% do consumo. Ademais, tal qual o Boletim da Safra de Café de 2021, publicado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), foram produzidas aproximadamente 48 milhões de sacas desse produto no Brasil no referido ano. A principal consequência desse mercado é a geração de resíduos, desde o plantio até o consumo. Segundo Silvestrini (2018), do fruto do café, 90% tornam-se resíduos e apenas 10% são o produto de interesse na atualidade. Já em uma indústria de café solúvel, por exemplo, Andrade (2011) que para cada tonelada de café produzida são geradas 4,5 t de borra, com aproximadamente 80% de umidade. Por fim, cerca de 90% de todo o café consumido acaba em forma de resíduo, após a extração dos compostos solúveis do café torrado durante a preparação da bebida, seja para café expresso ou café coado (KOURMENTZA, 2018). Este sedimento costuma ser descartado e encaminhado aos aterros sem nenhum tratamento ou valorização e podem ter efeitos negativos sobre o meio ambiente. Isso pois, assim como a casca de café, a borra contém cafeína, taninos e polifenóis, porém, em menor quantidade. A presença desses compostos a torna um resíduo tóxico à natureza, já que, segundo Hermann (2019), são considerados antinutricionais para a alimentação animal e quando em concentração acima de 2,5 % são tóxicos para as plantas e microorganismos do solo, o que impossibilita a sua aplicação na agropecuária. Entretanto, Soares et al. (2015) afirma que a borra em pó é um resíduo rico em lipídios, no qual, segundo Andrade (2011), triglicerídeos e ésteres de álcool diterpeno são as principais classes encontradas, compostos de alto poder calorífico, inclusive empregados na produção de biocombustíveis, que possibilitam sua exploração bioenergética. Assim, uma maneira de mitigar os impactos do descarte exacerbado desse resíduo seria o seu aproveitamento como biomassa. Biomassa é qualquer material orgânico com a capacidade de produção energética. Segundo Nogueira e Lora (2003), a energia presente na biomassa pode ser transformada (através de processos de conversão físicos, químicos e biológicos) em combustíveis líquidos, sólidos e gasosos, possibilitando a sua aplicação no lugar dos combustíveis convencionais. No Brasil, de acordo com o Balanço Energético Nacional (BEN) publicado em 2021, no ano de 2020 a biomassa – o que inclui a lenha, o carvão vegetal e os derivados da cana – representou 28% da Oferta Interna de Energia, além de 9,1% da Oferta Interna de Energia Elétrica. Uma das formas de fornecer bioenergia é através dos briquetes, os quais são compensados de massa orgânica que possuem alto poder calorífico. Os briquetes ainda não estão no cenário energético nacional, todavia já possuem uma gama de estudos, voltados aos resíduos orgânicos. A fabricação de briquete tem o potencial de atender às demandas de energia adicional dos setores urbano e industrial, contribuindo assim de forma significativa para o avanço econômico dos países em desenvolvimento. Outras vantagens dos briquetes são: fácil estocagem, melhoria significativa na ergonomia dos funcionários que alimentam a caldeira e diminuição da insalubridade na alimentação da caldeira, já que o funcionário fica menos tempo exposto ao calor (ROCHA et al., 2009). No processo de produção de briquetes o material sólido é prensado e assim são formados blocos definidos e compactados. As características que constituem um briquete são: poder calorífico superior (PCS), resistência à compressão e densidade, sendo a última característica a que será analisada no seguinte estudo. A densidade, expressa a quantidade de material por unidade de volume, portanto, quanto maior, mais concentrada está a energia e, assim, tem-se um briquete com maior potencial energético em um mesmo volume (FURTADO et al., 2010). De acordo com Soares et al. (2015), o pó da borra do café pode ser aproveitado de forma exclusiva, sem adição de ligantes, para a formação do briquete em prensa hidráulica, nem emprego de aquecimento. Ademais Soares et al. (2015) afirma que a utilização da borra aumenta o poder calorífico dos briquetes, quando comparado com briquetes produzidos exclusivamente com serragem, tornando assim interessante a adição de borra aos briquetes. Inclusive, Castro (2009) mostra em suas análises que a concentração de oxigênio nos carvões de borra preparados foi maior que a do CAC (carbono ativado comercial) analisado, o que indicaria maior funcionalidade de combustão para esses materiais. Portanto, a utilização da borra como matéria prima de biomassa torna-se uma forma econômica e ecologicamente útil de aproveitar um resíduo pouco explorado e que põe em risco o meio ambiente, de uma forma. Dessa forma, fez-se nesta pesquisa a produção de um briquete a partir desse material, a fim de avaliar a viabilidade de tal alternativa.
Material e métodos
COLETA E PREPARAÇÃO DA BIOMASSA A borra de café foi coletada nas residências da cidade de Apodi no estado do Rio Grande do Norte. Durante o processo de coleta a borra foi armazenada em um recipiente fechado e sob refrigeração, para a prevenção da proliferação de micro-organismos. Todo o resíduo coletado foi reunido em um recipiente metálico e pesado. Em seguida, levado à estufa (110 °C) para secagem por, aproximadamente, 3 horas. Após esse processo, foi pesada em uma balança a massa total da amostra. PRODUÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO BRIQUETE Confecção do briquete O briquete foi produzido com base na metodologia empregada por Ponte (2017). Para esse processo foi utilizada uma prensa hidráulica Marcon MPH-15, em que foi aplicada uma força aproximada de 7,5 toneladas, com tempo de repouso de 5 min, no qual a partir disso obteve-se uma pressão em torno de 37,5 MPa. O molde cilíndrico de aço inox para a produção dos briquetes possuía 5 cm de diâmetro interno. Além disso, a quantidade de borra de café utilizada para a produção dos briquetes foi cerca de 33 gramas e não foram adicionados materiais aglutinantes. Densidade do briquete Após a confecção do briquete, foi realizada a sua pesagem e a medição da altura e diâmetro do produto. A pesagem foi feita em uma balança analítica e a medição foi realizada com o auxílio de um paquímetro. A partir desses dados foi calculado a densidade do briquete produzido.
Resultado e discussão
PREPARAÇÃO DA MATÉRIA PRIMA
O propósito desses procedimentos é a máxima retirada de água presente na borra
de café, já que o controle da sua quantidade nas propriedades mecânicas e de
expansão dos briquetes, em função do material utilizado na briquetagem, é de
fundamental importância, pois esse fator influencia nas propriedades e
características do produto. Portanto, considerando a adição de água durante a
preparação da bebida do café, foi realizado a secagem da amostra o objetivo de
retirada da água em excesso, o que também previne o surgimento de mofo durante o
armazenamento.
CONFECÇÃO E DENSIDADE DO BRIQUETE
O processo resultou em um briquete de formato cilíndrico ,Figura 1, com as
seguintes medidas:
Diâmetro (4,9 cm), Altura (1,8 cm), Massa (31,3631 g), Volume (33,9433 cm³) e
Densidade do briquete (0,924 g/cm³).
De acordo com Andrade et al. (2014), a densidade influi diretamente na
eficiência dos briquetes, visto que expressa a quantidade de material por
unidade de volume, o que significa que quanto maior, mais concentração há de
energia. Ademais, segundo Quirino (2012) a padronização de formatos e a
compactação feita no processo de briquetagem facilita o transporte e a
armazenagem desses.
O valor obtido de 0,924 g/cm³, se comparado com o de Balseca-Sampedro et al.
(2018), que indicou 0,461g/cm para a densidade do briquete de borra de café,
aponta para um resultado de compactação superior, que pode ser resultante tanto
da qualidade do instrumento utilizado quanto da redução de umidade em
consequência da secagem realizada na preparação da amostra.
Conclusões
O procedimento realizado demonstrou resultados satisfatórios, inclusive superiores ao da literatura encontrada, o que indica uma boa capacidade de compactação do material, impactando diretamente em sua capacidade energética e facilidade de manipulação como biomassa sólida. Portanto, é válido afirmar que a utilização da borra de café para a produção de briquetes é viável, pois as condições observadas, desde a pesquisa de suas especificações até a análise realizada, apontam para um produto útil, com grande disponibilidade de matéria prima e de fácil produção, o que a torna, de fato, uma alternativa eficiente e economicamente útil ao descarte do resíduo.
Agradecimentos
Ao IFRN – campus Apodi; Grupo de Inovações Tecnológicas e Especialidades Químicas (GRINTEQUI) da UFC; CNPQ.
Referências
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