ÁREA
Química de Alimentos
Autores
da Silva e Souza, R.L. (UFERSA) ; de Souza Cavalcante, S.S. (UFERSA) ; Alves Tavares, J.M. (UFERSA) ; Sales Alves, J.I. (UFERSA) ; Alan Jones, L. (UFERSA) ; Aroucha, E.M.M. (UFERSA) ; Gomes dos Santos, F.K. (UFERSA) ; de Lima Leite, R.H. (UFERSA)
RESUMO
No presente estudo foram aplicados os modelos de Gompertz, Richards e Logístico à descrição das cinéticas de variação de cor de tomates durante o armazenamento em uma temperatura de 25 ± 2 ºC, “in natura” ou recobertos com películas compostas de k- carragenina e glicerol, em diferentes concentrações de carragenina (1,0%, 1,5% e 2,0%). Os resultados mostraram que os três modelos aplicados se ajustaram bem aos dados cinéticos, mas os modelos de Gompertz e Logístico foram escolhidos por apresentarem menor número de parâmetros. O amadurecimento dos tomates foi retardado com a aplicação das coberturas de carragenina em comparação com os tomates que não receberam cobertura.
Palavras Chaves
Modelo Logístico; Modelo de Gompertz; Modelo de Richards
Introdução
Conservar alimentos é uma necessidade que se impõe aos homens desde seus primórdios, pois a prolongação do tempo de consumo em condições apropriadas dos gêneros alimentícios contribui para a adaptabilidade dos seres humanos à diversidade de situações impostas pelos diferentes ambientes planetários (BELTRAN et al., 2021). Assim, a busca por técnicas e tecnologias que permitam o consumo e a comercialização de produtos alimentícios por mais tempo é uma constante ao longo da trajetória de evolução tecnológica empreendida pela espécie humana (RISCH, 2009). Dentre as tecnologias mais úteis na conservação de alimentos podemos destacar sem equívoco o uso de embalagens. As embalagens envolvem os produtos alimentícios protegendo-os das possíveis intempéries ambientais ocasionadas pelo calor, micro- organismos, gases, umidade, injúrias mecânicas etc (KARLI et al., 1015). Porém, na sociedade contemporânea, as embalagens alimentícias têm agregado múltiplas funcionalidades, ultrapassando em muito a mera função de proteger os alimentos. Atualmente, as embalagens contribuem para aumentar a atratividade dos alimentos, melhoram suas propriedades organolépticas, nutritivas e nutracêuticas, mas também fornecem maior segurança e informação aos consumidores (BELTRAN et al., 2021; TEIXEIRA-COSTA, ANDRADE, 2022). Diversos materiais podem ser utilizados na confecção de embalagens alimentícias, porém, as embalagens feitas de plástico são as mais utilizadas na atualidade (WANG et al., 2022). Descartáveis e com um tempo de vida útil equivalente à dos alimentos que envolvem, as embalagens plásticas são descartadas em grande quantidade no ambiente e têm gerado um grave problema de poluição (PHELAN et al., 2022). Considerando que a quase totalidade dos plásticos usados nas embalagens é oriunda do petróleo e não biodegradável, é fácil perceber que cada embalagem comprada em conjunto com um alimento é em potencial um agente poluidor que pode permanecer centenas de anos até se degradar ou contribuir para o aumento dos níveis de dióxido de carbono atmosférico quando incinerada (BELTRAN et al., 2021; PHELAN et al., 2022). A consciência do problema ambiental ocasionado pelas embalagens plásticas tem motivado pesquisas que possibilitem a substituição dos plásticos convencionais por seus congêneres biodegradáveis e de origem biológica (“biobased”), os chamados bioplásticos. Dentre as matérias primas que possibilitam a obtenção de bioplásticos estão polissacarídeos como os amidos, a quitosana e o alginato (HONG et al., 2021; WANG et al., 2022). Um polissacarídeo que tem sido empregado na forma de coberturas para a conservação de frutas e hortaliças é a carragenina, também chamada de carragena. O termo carragenina refere-se a um conjunto de polissacarídeos sulfatados extraídos dos tecidos de algumas espécies de algas vermelhas. Estes polissacarídeos possuem função estrutural e compõem a matriz intercelular e as paredes das células destas algas. As carrageninas são biopolímeros de elevado peso molecular com grupos de éster sulfato presentes em proporção variável. A cadeia polimérica é formada pelo encadeamento alternado de unidades de D-galactose e 3,6-anidro-galactose unidas por ligações -1,3 e -1,4-glicosídicas (DWIVANY et al., 2020). Coberturas a base de carragenina vêm sendo propostas como alternativa para a conservação de morango (WANI et al., 2021), mangas (MEINDRAWAN et al., 2018), pitaya (NGUYEN et al., 2021) e banana (DWIVANY et al., 2020). As coberturas de carragenina, assim como de outros polissacarídeos, quando aplicadas nas superfícies de frutas e hortaliças formam uma barreira que reduz as trocas gasosas entre o fruto e a atmosfera. A redução da respiração do fruto retarda seu amadurecimento e senescência durante a pós- colheita, estendendo o tempo de comercialização e consumo destes alimentos. No caso de frutos como o tomate (Lycopersicon esculentum Mill), as coberturas de carragenina tendem a retardar a degradação da clorofila e a síntese do licopeno e betacarotenos, pigmentos responsáveis pela variação de cor do tomate do verde ao vermelho (LÓPEZ-CAMELO, GÓMEZ, 2004; VIEIRA et al., 2020). Essa variação de cor é um importante atributo nos tomates porque indica o grau de maturação do fruto aos consumidores. A variação de cor dos tomates vem sendo assim alvo de estudos que buscam meios de descrever esta variação utilizando técnicas diversas (BELLO et al., 2020; HAN et al., 2022; ORLANDO-GUERRERO et al., 2023). No presente estudo, foram aplicados modelos não lineares como os de Gompertz, Richards e logístico na descrição da cinética de variação de cor de tomates revestidos com coberturas oriundas de misturas filmogênicas de carragenina em diferentes concentrações. A seleção do melhor modelo foi realizada através de parâmetros de adequação dos modelos testados aos dados experimentais de variação de cor total dos tomates.
Material e métodos
Os laboratórios de Processos Químicos - LPQ e de Pós - Colheita, localizados no Campus Leste da Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA, na cidade de Mossoró – RN, foram utilizados para a execução do experimento. Os tomates foram adquiridos no comércio local. Foram selecionados 20 frutos em estágio de maturação verde, de tamanhos semelhantes e ausência de defeitos ou injúrias. Os frutos foram lavados em água corrente e em seguida, imersos em solução com 100 mg/L de hipoclorito de sódio por 15 minutos para sanitização. Após esse tempo, foram colocados para secar em temperatura ambiente e em seguida separados em quatro grupos de cinco tomates: três tratamentos (T1, T2 e T3) e um controle (T0). Os tratamentos T1, T2 e T3 correspondem aos frutos recobertos com películas contendo 1,0%, 1,5% e 2,0% de carragenina, respectivamente (DWIVANY et al., 2020). O controle constou de frutos imersos em água destilada. O glicerol –plastificante - foi utilizado numa concentração equivalente a 20% do percentual de carragenina. As coberturas produzidas foram à base de carragenina (AgarGel indústria e Comércio Ltda.), glicerol (Vetec Química Fina Ltda.) e água destilada (solvente). Para a preparação das misturas filmogênicas adotou-se um procedimento adaptado de Dwivany et al. (2020). Nesse procedimento, as massas necessárias dos reagentes foram calculadas e pesadas em uma balança analítica (Modelo: AY220 Marca: Master). Posteriormente o material foi disperso e homogeneizado em água destilada com auxílio de bastão de vidro. Em seguida, a mistura foi colocada em banho de areia fina em um agitador magnético com aquecimento (Modelo: LUCA - 0851 Marca: Lucadema), mantendo-se agitação de aproximadamente 500 - 700 rpm e temperatura de 85oC (aferida com termômetro infravermelho) até a total dissolução dos componentes. Após o resfriamento da solução, os frutos foram submersos duas vezes na mistura filmogênica precursora por 30 segundos. Após completa secagem e formação das películas de recobrimento, os frutos foram organizados em bandejas onde ficaram expostos à temperatura ambiente de 25 2 oC. As medições de cor foram realizadas a cada 24 horas durante 24 dias. Os parâmetros de cor aferidos foram: a*, b* e L, medidos em triplicata, em posições diferentes localizadas na região equatorial dos frutos através da utilização de um colorímetro (CR - 10 da Konica Minolta Sensing Inc.). A variação total de cor dos tomates (DE) foi calculada como sendo a distância euclidiana entre o valor da cor dos tomates no dia considerado (a*, b* e L) e à cor do dia inicial (ai*, bi* e Li): DE = ((a*- ai*)2+(b*- b*i)2+(L-Li)2)1/2 (LÓPEZ-CAMELO, GÓMEZ, 2004). A variação de cor dos tomates em função do tempo de armazenamento foi ajustada aos modelos de Gompertz, Richards e Logístico (Tabela 01) usando o solver do Microsoft Excel. A adequação dos modelos foi acompanhada pelo coeficiente de determinação R2 e AICc.
Resultado e discussão
A Figura 01 apresenta os gráficos comparativos para as cinéticas de variação de cor
de tomates revestidos com coberturas contendo diferentes concentrações de
carragenina. A Tabela 01 mostra os valores dos parâmetros obtidos pelo ajuste dos
modelos de Gompertz, Richards e Logístico aos dados experimentais de variação de
cor dos tomates em função do tempo de armazenamento. Observa-se que as cinéticas de
variação de cor dos tomates apresentam um comportamento sigmoidal em todos os
tratamentos e no controle. Inicialmente tem-se uma fase onde ocorre pouca variação
na cor média dos tomates, neste estudo este tempo variou ente 4,1 e 8,0 dias,
dependendo do tratamento. Nesta etapa tem-se a indução dos processos metabólicos
nos frutos que se preparam para a degradação da clorofila e a síntese dos carotenos
e licopeno. O tempo de indução foi menor nos frutos do grupo controle (T0) que
começaram a acelerar a mudança de cor após 4,1 dias de armazenamento. O tempo de
indução mais longo foi encontrado para os tomates com coberturas de 1,5% de
carragenina (T2) que começaram a mudança de coloração acentuada após 8,0 dias de
armazenamento. O tempo de indução aumenta nos frutos recobertos com carragenina,
provavelmente devido à redução nas taxas respiratórias dos frutos ocasionada pela
barreira imposta pelas coberturas à passagem de gases como o oxigênio e o dióxido
de carbono. Após o período de indução, ocorre uma rápida mudança na coloração dos
tomates, nesta fase ocorre a degradação da clorofila (verde) e a síntese de
carotenos e do licopeno (cores laranja e vermelha). Essa mudança característica do
verde para o vermelho na cor dos tomates durante o amadurecimento se traduz
principalmente no aumento dos valores do parâmetro a*. Após a fase de rápida
variação de cor dos tomates, atinge-se um valor assintótico que representa a máxima
variação de cor alcançada pelos frutos. A variação máxima de cor - indicada pelo
parâmetro A dos modelos não lineares considerando os valores obtidos para o modelo
Logístico - foi praticamente a mesma para os frutos do controle (T0) e os
tratamentos com 1,0% e 2,0% de carragenina (T1 e T3) ficando seus valores situados
entre 44,2 e 45,2. Porém, a variação máxima de cor para os frutos contendo 1,5% de
carragenina foi bem menor e ficou em 27,4. Isso é um indicativo que os frutos
recobertos com 1,5% de carragenina não conseguiram atingir seu pleno
amadurecimento, provavelmente devido à ausência de oxigênio suficiente para
sustentar seus processos metabólicos de degradação e síntese de pigmentos. O
tratamento T3 – contendo 2,0% de carragenina – apesar de possuir maior concentração
do biopolímero, não conseguiu revestir adequadamente as superfícies dos frutos
porque a elevada viscosidade da mistura filmogênica levou à formação de coberturas
pouco uniformes e que se desprendiam com facilidade. Isso ajuda a explicar o
comportamento dos frutos submetidos ao tratamento T3 que se comportaram de forma
mais semelhante ao grupo controle, pois as imperfeições nas coberturas possibilitam
pontos de aporte de oxigênio e liberação de dióxido de carbono. Com relação aos
modelos empregados na descrição da variação de cor dos tomates, todos se ajustaram
bem e conseguiram explicar entre 97,3 e 99,7% da variação de cor nos tomates em
função do tempo de armazenamento. Considerando o Critério de Informação de Akaike
como parâmetro de seleção do modelo que melhor explica o fenômeno, o modelo
Logístico foi o que melhor explicou os dados experimentais para os tratamentos T0,
T2 e T3, enquanto que o modelo de Gompertz explicou melhor os dados para o
tratamento T1. O ajuste do modelo de Richards para todos os tratamento foi bastante
adequado (elevado valor de R2), mas esse modelo apresenta quatro parâmetros
enquanto os modelos de Gompertz e Logístico apenas três, por isso esse modelo é
penalizado quando da escolha do melhor modelo, pois o ganho de ajuste não é
significativo a ponto de justificar um parâmetro suplementar. Resultado semelhante
foi obtido por OLIVEIRA JÚNIOR et al. (2016) que estudaram a aplicação dos modelos
Logístico e de Gompertz na descrição da cinética de variação de cor de tomates
revestidos com cobertura de quitosana e “in natura”. Segundo estes autores, o
modelo de Gompertz descreveu melhor os resultados experimentais de variação de cor
para tomates revestidos com quitosana em uma concentração de 2,0%, enquanto que os
tomates “in natura” tiveram sua cinética de variação de cor melhor descrita pelo
modelo Logístico.
Parâmetros dos modelos não lineares ajustados aos \r\ndados experimentais para a variação de cor de tomates
Comparação gráfica para as cinéticas de variação de \r\ncor de tomates recobertos com diferentes concentrações \r\nde carragenina
Conclusões
A partir dos resultados obtidos é possível concluir que a variação total na cor de tomates em função do tempo de armazenamento, com aplicação ou não de coberturas de carragenina pode ser adequadamente descrita pela utilização de modelos não lineares assintóticos. A aplicação de coberturas de carragenina prolonga a fase de indução inicial nos tomates, retardando o início da mudança de coloração acentuada dos mesmos. A aplicação de carragenina na concentração de 1,5% reduz o valor de máxima variação de cor observada e pode ocasionar um amadurecimento inadequado. A concentração de 1,0% de carragenina foi a que apresentou melhores resultados pois retardou o amadurecimento dos tomates, mas não impediu a síntese de pigmentos a ponto de comprometer a coloração final dos tomates maduros.
Agradecimentos
À Universidade Federal Rural do Semi-Árido campus Mossoró/RN pelo financiamento da pesquisa.
Referências
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