• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

ANCORAMENTO MOLECULAR DE POTENCIAIS INIBIDORES DA ENZIMA NÃO ESTRUTURAL 5 (NS5) DO VÍRUS DA ZIKA

Autores

Tavares da Silva, K. (IFPA) ; Guedelha Pereira, M.I. (IFPA) ; Souza Alves, R. (IFPA) ; Medeiros da Rocha, E.C. (IFPA) ; Pereira Lopes, A. (UFPA) ; Pires Batista, A. (IFAP) ; Sena Pinheiro, A. (UFPA) ; da Rocha, J.A.P. (IFPA) ; Gemaque de Medeiros, I. (UFPA) ; Amador Trindade, D.H. (IFPA)

Resumo

O Zika vírus tornou-se um problema de saúde pública no Brasil. A contaminação por esse patógeno ocorre através do mosquito Aedes aegypti acarretando em complicações neurológicas. A constituição genômica do Zika é de uma cadeia de RNA positiva. Neste contexto, a proteína não estrutural NS5 é um alvo promissor para a desativação do mecanismo de replicação viral que desempenha o papel de metiltransferase e RNA-polimerase. Assim, foram realizados cálculos de ancoramento molecular, utilizando o software Molegro Virtual Docker 5.5, para um conjunto de compostos oriundos do banco de moléculas ZINC, objetivando prospectar potenciais inibidores da enzima. Os resultados obtidos demonstraram que a metodologia empregada é eficaz e proporcionou a seleção de 2 compostos promissores em inibir a enzima.

Palavras chaves

Ancoramento molecular; Molegro Virtual Docker; NS5

Introdução

O Zika vírus é um arbovírus, pertencente ao reino Riboviria, família Flaviviridae (do latim Flavus, amarelo) e gênero Flavivirus (KUNO et al., 1998; LANCIOTTI et al., 2007). Tal como outros membros do gênero Flavivírus, o Zika vírus (ZIKV) possui uma estrutura envelopada e contém um genoma de RNA de cadeia simples de sentido positivo (ssRNA) (LINDENBACH et al., 2013). O genoma do ZIKV possui regiões não traduzidas de circularização do ácido nucleico em suas extremidades 5’ e 3’, as quais têm sido relacionadas com fundamental importância para a replicação viral (ALVAREZ et al., 2005). A doença causada pelo ZIKV ocorre predominantemente em regiões tropicais do planeta, atingindo grande parte da América Latina. A transmissão do vírus se dá através do artrópode hematófago Aedes aegypti que necessita de sangue e água para sua sobrevivência e reprodução, respectivamente (ICTV, 2016). O ZIKV foi isolado pela primeira vez em 1947 em Uganda, país do continente africano e no Brasil, a epidemia foi identificada em 2015, na região nordeste após o uso de métodos moleculares que mostrou a rápida capacidade de dispersão do vírus, semelhante ao Chikungunya que possui o mesmo agente transmissor (NUNES; PIMENTA, 2016; MOCELIN, et al., 2020). Diante do agravamento dos sintomas em gestantes no ano de 2015 no Brasil, houve um consenso científico de que o Zika vírus está associado a distúrbios neurológicos raros como microcefalia, condição em que recém-nascidos possuem a circunferência da cabeça menor do que 33 cm e a síndrome de Guillain-Barré (SGB), esta última trata-se de uma doença autoimune rara que afeta o sistema nervoso periférico (COUTARD, 2017). Em 2020, segundo o Ministério da Saúde do Brasil (BRASIL, 2020), foram registrados aproximadamente 19.492 casos confirmados de doença febril aguda associada ao vírus da Zika. Segundo a OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde (2018), os sintomas da doença podem ser diagnosticados de acordo com o grau de virulência, como febre baixa, erupções cutâneas, dor de cabeça e nas articulações, dor muscular, mal- estar geral e conjuntivite não purulenta que aparecem entre 2 a 7 dias após a contaminação pelo mosquito vetor. Mesmo diante do exposto, apesar de existirem propostas para o desenvolvimento de vacinas contra o vírus da Zika, ainda não há medicamento cientificamente comprovado que ofereça segurança no combate ao vírus ou aos sintomas da doença por ele causado. Assim, pesquisas que visam o tratamento da doença, a partir do desenvolvimento de medicamentos específicos que possam atuar na desativação do mecanismo de replicação viral, enfatizando principalmente as enzimas virais, são de grande relevância. Neste aspecto, é oportuno destacar que um alvo promissor no desenvolvimento de fármacos contra o Zika é a proteína não estrutural 5 (NS5) (CANNALIRE, et al., 2017; WU et al., 2020; WAN, et al., 2020). A NS5 é responsável pela etapa de síntese do RNA genômico, sendo constituída por dois domínios: polimerase (RdRp) e metiltransferase (MTase) (RAMOS, 2020). Esta proteína é a mais conservada dos flavivírus (vírus transmitidos por mosquitos ou carrapatos), conhecida por sua funcionalidade de RNA-polimerase, RNA-dependente (RpRd) na porção C-terminal e como uma metiltransferase (MTase) na porção N- terminal responsável pela formação do CAP 5' no RNA viral, possuindo assim, um papel vital para a replicação do vírus (ICTV, 2016; LIMA, 2017). Desta forma, neste trabalho foi realizado um ensaio virtual com 2.100 compostos com atividades contra metiltransferases, oriundos do banco de moléculas ZINC (STERLING; IRWIN, 2015), para prospectar potenciais inibidores da enzima NS5 metiltransferase do vírus Zika  

Material e métodos

Métodos computacionais Os cálculos de ancoramento molecular foram realizados com as coordenadas cristalográficas da enzima não estrutural 5 (NS5) metiltransferase do vírus da Zika (de código PDB 5M5B) (LIM, 2006) recuperadas através do banco de dados de proteínas PDB (Protein Data Bank). Devido à estrutura da proteína utilizada ser homodimérica, somente uma cadeia foi escolhida para a execução dos cálculos. Em seguida, foram removidos os íons presentes no meio, além de todas as moléculas de água da cadeia escolhida (PETTERSEN et al., 2004). Utilizando o software MVD 5.5 foi realizada a redocagem do cofator S-Adenosil- metionina (SAM) da proteína NS5, para validar a capacidade do programa em reproduzir os modos de ligação entre o cofator, que ocupa uma cavidade de ligação estratégica nesse alvo, e a enzima. Em seguida, foram realizados cálculos de ancoramento molecular com 2.100 moléculas, também no MVD 5.5, utilizando o conjunto de substâncias selecionadas do ZINC, um banco de dados gratuito de compostos disponíveis comercialmente para triagem virtual em formato tridimensional prontos para uso na enzima NS5 do vírus da Zika. Nesta etapa, aos ligantes e à estrutura do receptor foram adicionados os hidrogênios e atribuídas as cargas atômicas, usando um módulo de preparação automatizado padrão do programa. Para os resíduos de aminoácidos da proteína SER 62, GLY 92, ASP 137 e ASP 152, localizados na região de alça do sítio ativo, e para o resíduo de VAL 138, localizado na região de folha-beta da mesma cavidade do sítio ativo, foram permitidos total flexibilidade durante os cálculos, uma vez que estes são considerados importantes para a interação do substrato natural com a enzima (COUTARD,2017). A cavidade de ligação foi computada em um espaço de 13 Å a partir das coordenadas x = 8,61, y = 43,19 e z = 86,29, com uma resolução de grade de 0,3 Å. Ademais, foram utilizadas 10 poses para cada molécula ligante. Os demais parâmetros do programa foram mantidos com os valores padrões durante o processo (THOMSEN e CHRISTENSEN, 2006; VIJAYAKUMAR e GOWDA, 2013; TORKTAZ et al., 2013). Nesse contexto, foram selecionados os compostos de acordo com o valor de energia MolDock e interações entre resíduos de aminoácidos.

Resultado e discussão

Na Figura 1 é apresentada a sobreposição entre as estruturas do cofator, S- Adenosil-metionina (SAM), obtidas pela cristalografia e pela redocagem, no sítio ativo da enzima. Analisando a Figura 1, conclui-se que a metodologia computacional utilizada gerou uma conformação molecular teórica de posicionamento próximo ao obtido em nível experimental entre a estrutura ancorada e cristalográfica (LIM, 2006). Geralmente, a reprodução de um modo de ligação experimental é considerada bem- sucedida quando o desvio médio quadrático (“Root Mean Square Desviation”, RMSD) calculado se encontra abaixo de 2,0 Å (RODRIGUES, 2012). No que se refere às estruturas descritas na imagem, o valor de RMSD é de 1,69379 Å, ratificando a boa qualidade da redocagem como sugerido por Rodrigues, 2012. Através dos cálculos de ancoramento molecular, são apresentados os valores de energia das estruturas moleculares para as 4 melhores conformações. Os compostos de código ZINC000022448696_3 e ZINC000014879992 possuem valores de energia -92,460 e -72,429, respectivamente. Estes apresentam propriedades desfavoráveis para possíveis candidatos à fármacos, uma vez que violam a regra dos 5 de Lipinski (LIPINSKI, 2004) em virtude de seus elevados valores de massa molecular. Deste modo, somente os compostos de código ZINC000003604264 (Imid3) e ZINC000016052277_1 (Doxiciclina) com valores de energia -75,152 e -74,466 são biomoléculas promissoras, uma vez que apresentam interações com resíduos de aminoácidos importantes do sítio ativo da enzima e não violam a regra dos 5 de Lipinski (LIPINSKI, 2004). A regra de Lipinski descreve a biodisponibilidade de um composto que atingir um alvo biológico a partir de 4 parâmetros múltiplos de 5: Log P maior ou igual a 5; massa Molecular menor ou igual a 500; aceptores de ligação de Hidrogênio menor ou igual a 10 e doadores de ligação de hidrogênio menor ou igual a 5. É importante salientar que a substância IMID3 de fórmula molecular C13H11N3O4 e massa molécula igual a 259,265 é reportada na literatura como um potencial imunomodulador para o tratamento de condições inflamatórias em humanos, como a meningite tuberculosa (TBM). Além disso, a substância Doxiciclina de fórmula molecular C22H24N2O8 e massa molecular igual a 444,44 é também amplamente utilizada para o tratamento de algumas infecções associadas a bactérias como cólera, tifo e sífilis e pode ser uma medida efetiva na profilaxia da infecção por Leptospirose. (TSENOVA, 2002; MONTEIRO, 2003).A doxiciclina é um antibacteriano bacteriostático utilizado principalmente em infecções causadas por micro-organismos intracelulares, porém é eficaz também contra bactérias Gram-negativas e Gram-positivas, clamídias, rickettsias, micoplasmas e alguns protozoários. Estudos recentes têm demonstrado outras propriedades desse fármaco além da antibacteriana, tais como ação anti-inflamatória e de inibição da lipase, colagenase, apoptose e angiogênese. Desta forma, a doxiciclina pode ser empregada como coadjuvante em diversas circunstâncias clínicas, com destaque para as afecções articulares.Mais estudos ainda são necessários acerca das propriedades não antibacterianas da doxiciclina e sua segurança, porém as perspectivas são promissoras (D’EL REY-DANTAS, 2018). Observa-se na Figura 2 que os compostos selecionados apresentam interações importantes com os resíduos de aminoácidos do sítio ativo da enzima. Os compostos imid3 (A) e doxiciclina (B) realizam interações de hidrogênio com os resíduos de aminoácidos, SER 62, GLY 92 e ASP 152, reportados na literatura e descritos como importantes para promissores inibidores da enzima NS5 metiltransferase do vírus da Zika (COUTARD, 2017).

figura 1- Sobreposição das estruturas

Sobreposição das estruturas obtidas pelo redoque e cristalografia no sítio ativo da NS5 metiltransferase através do cálculo de ancoramento molecular

figura 2- interações entre os compostos

As interações entre os compostos imid3 (A) e doxiciclina (B) com os resíduos de aminoácidos da cavidade de ligação do SAM no sítio ativo da NS5.

Conclusões

O presente trabalho apresenta a realização de cálculos de ancoramento molecular, tendo por finalidade inferir potenciais inibidores para a enzima NS5, que desempenha um papel fundamental no mecanismo de replicação do vírus da Zika. A partir das análises de interações intermoleculares e energias entre o complexo ligante receptor preditas pelo programa Molegro Virtual Docker, obteve-se o total de 2 estruturas consideradas satisfatórias para atuar contra a ação da enzima viral. Os compostos Imid3 e Doxiciclina mostram-se promissores a partir das interações com os resíduos de aminoácidos, além da sua eficácia comprovada no tratamento de infecções provocadas por outros agentes biológicos. Quanto as propriedades de absorção, distribuição, metabolismo e excreção acerca dos composto imid3 e doxiciclina ainda serão aprofundadas durante progressão da pesquisa. Nessa perspectiva, almeja-se realizar cálculos de Dinâmica Molecular (DM) para avaliação e aprofundamento de futuros estudos no desenvolvimento de novos fármacos.  

Agradecimentos

O presente trabalho agradece ao Instituto Federal do Pará que contribuiu para a construção dessa pesquisa com uma infraestrutura de qualidade e equipe de multiprofissionais essenciais no processo de formação profissional.

Referências

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