Autores
Oliveira, M.M.R. (INSTITUTO FEDERAL DO CEARÁ - CAMPUS MARACANAÚ) ; Salgado, B.C.B. (INSTITUTO FEDERAL DO CEARÁ - CAMPUS MARACANAÚ) ; Sousa, E.J.R. (INSTITUTO FEDERAL DO CEARÁ - CAMPUS MARACANAÚ) ; Silva, A.M.P. (INSTITUTO FEDERAL DO CEARÁ - CAMPUS MARACANAÚ) ; Freitas, C.R. (INSTITUTO FEDERAL DO CEARÁ - CAMPUS MARACANAÚ) ; Teixeira, J.P.O. (INSTITUTO FEDERAL DO CEARÁ - CAMPUS MARACANAÚ)
Resumo
O iminente esgotamento dos combustíveis fósseis e a poluição ambiental
incentivam a busca por fontes alternativas. A produção fotocatalítica de
H2 ganhou imensa atenção no campo das energias renováveis por ser um
processo ambientalmente amigável e de baixo custo e consumo energético. Este
trabalho visa a proposição de placas fotocatalíticas impregnadas com
TiO2@Pt através do método “doctor-blade”. O estudo foi
conduzido a partir da técnica de modificação do TiO2 por
fotodeposição de Pt (0,0%; 0,3%; 0,5% e 0,7%), adotando-se o glicerol como
substrato orgânico. Produções de hidrogênio da ordem de 7.427 e 4.871
µmol.g-1.h-1 foram obtidas com 0,5% de Pt no primeiro e
quinto ciclo de aplicação da placa fotocatalítica.
Palavras chaves
Fotocatálise; Hidrogênio; Impregnação
Introdução
A questão energética é essencial para garantir desenvolvimento humano durante as
próximas gerações, bem como é importante que se tenha em consideração a
holística ambiental. Nas últimas décadas, a perda exponencial de reservas de
combustível fóssil devido à exploração de carvão e produtos petrolíferos, bem
como a subsequente poluição ambiental em grande escala e mudanças climáticas,
tornaram esta questão um ponto de debate mundial (GUAN et al., 2021; LIU
et al., 2021). Esses problemas exigem a busca por novas alternativas aos
combustíveis fósseis.
O hidrogênio (H2) tem sido apontado como matriz energética ideal
nesse cenário de transição energética, possuindo vantagens como a não emissão
de gases de efeito estufa e sua elevada densidade energética (HUANG et al
, 2020). Além de combustível, o H2 pode ser empregado na produção
de amônia e metanol (ALSAYEGH et al., 2019; ISHAQ; DINCER, 2021;
ROUWENHORST; VAN DER HAM; LEFFERTS, 2021).
Em 2020, segundo a International Energy Agency (IEA, 2021), a demanda
global de hidrogênio foi de cerca de 90 Mt, aumentando em 50% desde a virada do
milênio. A principal rota de produção de hidrogênio é através de fontes não
renováveis, principalmente a partir da reforma do metano, o que vai na contramão
com a tendência de descarbonização da economia mundial. Nesse sentido, novas
tecnologias de produção de hidrogênio têm sido prospectadas visando inserir o
uso de fontes renováveis como as energias solar e eólica.
Dentre as diversas propostas para a produção de H2, os mais
promissores são aqueles que se mostram confiáveis, pouco poluentes e
economicamente viáveis (NAZIR et al., 2020). Utilizando-se de recursos
abundantes e renováveis como substratos de biomassa e luz solar, a fotocatálise
heterogênea surge como tecnologia emergente, sendo considerada uma das formas
mais atrativas de converter a energia solar em energia química utilizável (FU
et al., 2019). Nesse contexto ambiental, a fotocatálise heterogênea se
apresenta como uma técnica alternativa às tecnologias comumente utilizadas para
produzir H2 (CHIARELLO; DOZZI; SELLI, 2017).
O processo de evolução fotocatalítica do H2 pode ser dividido em três
etapas sucessivas: (1) os elétrons na banda de valência (BV) são excitados e
transmitidos para a banda de condução (BC) quando o semicondutor absorve fótons
de alta energia maiores que o bandgap, simultaneamente, gerando lacunas
na BV; (2) os pares elétron-lacuna induzidos se separam e são transferidos para
a superfície do material; (3) os elétrons na BC reduzem o H+ adsorvido a
H2 e as lacunas na BV oxidam a água em oxigênio (ACAR; DINCER;
MATERER, 2016; MOREIRA et al., 2019).
As adições de metais preciosos aos fotocatalisadores podem aumentar
consideravelmente a atividade do material. Ao longo das últimas décadas, metais
nobres como o Ru, Rh, Pd, Ag, Pt e Au têm sido amplamente utilizados como
cocatalisadores eficientes para a produção de H2 (VAIANO et al.
, 2018; SEADIRA et al., 2018; DASKALANKI; KONDARIDES, 2017; WAHAB;
NADEEM; IDRISS, 2019). Tipicamente, os fotocatalisadores são aplicados na forma
de suspensão a partir de seu material pulverizado, garantindo uma boa
distribuição na matriz aquosa e, consequentemente, uma eficiente transferência
de massa. No entanto, esse método de aplicação apresenta desvantagem na etapa de
separação do fotocatalisador para aplicações em ciclos de reuso, bem como a
ampliação de escala. Portanto, o desenvolvimento de uma placa fotocatalítica, na
qual o pó é fixado em um substrato específico, poderia resolver tais problemas.
Dessa forma, este estudo visa a proposição de placas fotocatalíticas de TiO2@Pt,
em diferentes concentrações de platina, impregnadas em placas de vidro através
do método "doctor-blade" para produção de hidrogênio (H2),
avaliando-se os benefícios de seu uso frente ao desempenho sob diferentes
condições experimentais e ciclos consecutivos de aplicação.
Material e métodos
Para o estudo foram sintetizados fotocatalisadores constituídos de dióxido de
titânio (Degussa, P25, Evonik®), dopado com platina, sob diferentes quantidades
de Pt (0,0%; 0,3%; 0,5% e 0,7% em massa). A deposição de Pt na superfície do
TiO2 foi realizada pelo método de fotodeposição proposto por Yoshida
et al. (2016). Desse modo, uma massa de ácido hexacloroplatínico (IV)
hexahidratado (H2PtCl6·6H2O, Sigma
Aldrich®) foi dissolvida em 60 mL de solução aquosa de metanol (10%
v/v) contendo 1,0 g de uma amostra de TiO2 P25. A suspensão foi
irradiada por 4 h com uma lâmpada vapor mercúrio de alta pressão de 150 W, sendo
posteriormente centrifugada, lavada com água destilada e secada a 80 °C em
estufa.
Os materiais sintetizados foram usados para fabricar as placas fotocatalíticas
usando a técnica de “doctor-blade”. No processo, uma suspensão é colocada
em um reservatório com uma lâmina niveladora ("doctor-blade"), cuja
altura pode ser ajustada. A suspensão é moldada como uma camada fina sobre um
suporte (fita adesiva), em decorrência do movimento da lâmina (KURAJICA et
al., 2018).
Segundo metodologia desenvolvida por Xiong et al. (2014), as placas
fotocatalíticas foram adaptadas com placas para microscopia, no tamanho de 76 x
20 mm, adquiridas comercialmente na empresa Kasvi, sendo fixadas em uma
superfície plana com uma fita adesiva. Após a etapa inicial para delimitar a
área da placa a ser impregnada, uma pasta foi preparada misturando-se 25 mg de
catalisador com 100 μL de um surfactante (Triton X-114, Sigma-
Aldrich®). Esta pasta foi espalhada suavemente com auxílio de uma
placa de vidro e permaneceu sob temperatura ambiente por 30 minutos.
Posteriormente, a fita foi removida e a placa foi aquecida a 400 ºC por 1 h, com
rampa de 5 ºC/min, para remover o surfactante.
Para interpretar a influência de uma ou mais variáveis sobre uma resposta
analítica, de forma individual e interagida, o planejamento experimental
fatorial é uma ferramenta importante. Os fatores avaliados foram as
concentrações de platina (%Pt – p/p), glicerol ([Gly]% – v/v) e pH. O glicerol
foi adotado como substrato orgânico representativo de resíduo de biomassa,
derivado da produção de biodiesel.
As reações foram realizadas através de frascos de vidro borossilicato (43 mL)
com septos de silicone, onde foram adicionados 25 mL da solução aquosa de
glicerol e as placas fotocatalíticas. Os frascos foram transferidos para o
fotoreator de Múltiplas Reações Simultâneas (M.R.S., BR 1020210170980) com
lâmpada de Xênon de 300 W (SILVA, 2022).
Após o tempo estipulado de 180 minutos, alíquotas da fração gasosa foram
coletadas e avaliadas quanto aos níveis de H2 produzidos através de
cromatografia gasosa com detecção por cromatografia de condutividade térmica
(Trace 1310, Thermo Scientific®).
Resultado e discussão
O esquema do planejamento experimental (A) adotado e a influência das variáveis
estudadas (Gráfico de Pareto (B)) estão apresentados na Figura 1. Os valores de
pH testados não proporcionaram variações sobre a taxa de produção de
H2 (TPH). Em contrapartida, há uma forte dependência da produção de
hidrogênio em função da concentração de Pt no catalisador, confirmando-se a
significância desta variável pelo seu p-valor (< 0,05) na Figura 1(B). Apesar de
não ser significativa para o intervalo utilizado no sistema, o fator quadrático
associado à platina (%Pt(Q)) indica um efeito negativo sobre a produção de
H2, sugerindo que há um ponto máximo no sistema, que sob determinada
concentração de Pt, alcança um volume máximo de H2 e indica que um
posterior aumento da dosagem de Pt resultaria no decréscimo do H2
gerado.
Através do gráfico de valores previstos versus observados (Fig. 1(C)) é
possível constatar um ajuste consideravelmente satisfatório ao modelo (R2 =
0,9057) levantado, o qual é apresentado na Equação 1, sendo dependente
exclusivamente da % de Pt dopada no TiO2.
VH2=8,602500+6,9667∙%Pt (Equação 1).
Os resultados de volume de H2 gerados em função das variáveis %Pt e %
[Gly] em pH = 6,5 (Fig.1(D)) demonstram alta dependência da evolução de
H2 com o percentual de Pt depositado. Empregando-se 0,3% de Pt, o
volume de H2 produzido permaneceu estável em valores próximos a 12mL,
independente da concentração de glicerol, ao passo que maiores dosagens de
platina ofereceram maiores desempenhos fotocatalíticos, obtendo-se volumes
superiores a 15 mL.
Para avaliar o efeito da Pt sobre o sistema, foram realizados testes com
glicerol fixo em 10% (v/v) sob três condições diferentes de dopagem de Pt: 0,0%,
0,3%, 0,5% e 0,7% (Figura 2). Após os testes realizados, foi possível observar o
considerável aumento de desempenho decorrente da presença de platina sobre o
TiO2. Utilizando o P25 puro foi obtida uma taxa (TPH) de 21
µmol.g-1.h-1, enquanto que com 0,5% de Pt esta taxa foi
mais de 350 vezes superior. Adicionalmente, com o aumento da dosagem de platina
para 0,7% (Fig. 2(A)) houve uma pequena redução da taxa de produção de
hidrogênio, sendo este fato possivelmente atribuído ao aumento do centro de
recombinação.
Para aprofundar no estudo sobre os diferentes reagentes de sacrifício, as placas
fotocatalíticas foram testadas utilizando glicerol 10% (v/v) e água. Os
resultados obtidos nas reações demonstram que o uso do glicerol foi superior à
água quanto à produção fotocatalítica de H2, conforme apresentado na
Figura 2(B). Utilizando o percentual de 0,3% de Pt, foram produzidos 2.672
µmol.g-1.h-1 a partir do glicerol e 48
µmol.g-1.h-1 a partir da água. Para o percentual de 0,5%
de Pt, foram produzidos 7.428 e 69 µmol.g-1.h-1 de
H2 a partir do glicerol e água, respectivamente, enquanto que para
0,7% de Pt, a taxa de produção de hidrogênio foi de 6.246 e 83
µmol.g-1.h-1 a partir do a partir do glicerol e água,
respectivamente.
Segundo Huang et al. (2020), a produção fotocatalítica de hidrogênio é
favorecida em soluções aquosas contendo substratos orgânicos da classe dos
álcoois, sendo o grupamento hidroxila responsável por um eficiente sequestro da
lacuna e radicais hidroxila fotogerados, direcionando o mecanismo reacional do
fotocatalisador para redução dos íons H+ para H2.
Diversos estudos utilizam a platina como dopante para produção fotocatalítica de
H2. Kim et al. (2016), ao sintetizar estruturas compostas de
CdS/CNF/Pt-TiO2 pelo método “doctor-blade”, concluíram que a
adição do revestimento de Pt-TiO2 ao lado do CdS, sob irradiação de
luz visível, melhorou a produção de H2 em um fator de 3,4 vezes,
produzindo 16 µmol de H2 durante 180 minutos de reação. Os dados
obtidos neste trabalho sugerem que a metodologia adotada é eficiente para a
produção de H2 e apresentam resultados consideravelmente superiores.
Kozlova et al. (2021) realizaram a dopagem da platina no P25 e o comparou
ao CuOx/TiO2, constatando-se que o Pt/TiO2 apresentou
superioridade. O estudo, utilizando o catalisador disperso na solução de
glicerol 3%, obteve uma taxa de produção de H2 de 1.350
µmol.g-1.h-1, sendo inferior à deste trabalho, além de ter
sido realizado em tempo reacional de 10 horas e com um maior percentual de
platina.
A reciclabilidade é um dos aspectos mais importantes para ser considerado na
formulação de um novo material fotocatalítico. Geralmente, a separação do
fotocatalisador da suspensão é considerada difícil devido às dimensões do
material, o que torna o processo de separação inviável em grande escala. Uma
solução prática para evitar este custo é a impregnação em um substrato como um
filme fino. Embora a impregnação resulte na diminuição da área superficial e
limitações de transferência de massa, esse processo tende a simplificar e
diminuir os custos do processo, além de facilitar o seu aumento de escala
(STANISLAV et al., 2018).
Na Figura 2(C) é possível observar a quantidade de H2 produzida em
cinco ciclos de aplicações consecutivas em soluções renovadas de glicerol.
Empregando-se 0,3% de Pt é percebida uma relativa manutenção da atividade
fotocatalítica, enquanto que para as maiores concentrações testadas (0,5% e
0,7%) houve uma perda de desempenho diante do reuso das placas. Este fato está
associado à perda de catalisador no intervalo de aplicação de cada ciclo durante
a lavagem e secagem das placas, conferindo uma redução da ordem de 0,39% a
4,44%, interferindo na eficiência do processo em virtude de uma diminuição da
quantidade de espécies ativas. Portanto, métodos mais eficazes de impregnação do
fotocatalisador em superfícies planas são necessários para otimizar o processo,
realizando-se para prevenir a perda material em seu reuso.
Legenda: (A) Condições reacionais, (B) Gráfico de Pareto, (C) Valores Observados vs. Previstos e (D) Gráficos de Contorno e Superfícies de Resposta.
Legenda: (A) Efeito do percentual de Pt na superfície do TiO2, (B) TPH com diferentes reagentes de sacrifício e (C) TPH durante 5 ciclos de produção.
Conclusões
Em conclusão, as placas fotocatalíticas de TiO2@Pt desenvolvidas
mostraram-se eficientes, com desempenhos superiores aos relatados na literatura,
constatando-se uma forte dependência da atividade fotocatalítica com a presença de
Pt sob distintas concentrações. O processo de fabricação da placa fotocatalítica,
envolvendo Triton X-114 como surfactante, é simples e aplicável a vários
fotocatalisadores e substratos, podendo ser utilizado como base para
aprofundamentos nos estudos de produção de H2 utilizando a fotocatálise
heterogênea em escala piloto e industrial. Entretanto, os resultados apontaram
para a necessidade de um aprimoramento desta técnica em virtude da perda de
material quando em aplicações sob ciclos consecutivos. O uso de glicerol como
substrato confere ao processo uma versatilidade em termos de aproveitamento de
resíduos orgânicos, diferentemente da técnica tradicional de produção de
H2 por via eletrolítica que requer o uso de água de elevada pureza.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com o apoio financeiro da Fundação Cearense de
Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).
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