• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

Compostos fitoquímicos das sementes do açaí (Euterpe oleracea): Extração Guiada por Dispersão Energizada (EDGE) e análise por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência

Autores

Conrado, N. (UNIT) ; Farrapeira, R. (INCT) ; Loreiro, A. (ITP/UNIT) ; Krause, L. (UNIT) ; Caramão, E. (UNIT)

Resumo

Nos últimos anos, houve um crescimento notável no consumo do açaí, fruto brasileiro, e rico em compostos bioativos. Seu processamento industrial gera um grande volume de resíduos (sementes). O objetivo foi utilizar técnica avançada (EDGE) para extrações de compostos bioativos na semente do açaí e caracterizar seus compostos por HPLC-DAD. Nas extrações EDGE foi utilizado um Delineamento Composto Central (CCD) 2³ (temperatura, tempo de extração e % de etanol no solvente) com a variável resposta concentração de polifenóis totais. Como resultados, obteve um extrato na melhor condição (105°C, 4 min e etanol 75% (20 mL)) e rico em procianidina B1 e B2, catequina e epicatequina identificadas e quantificadas por HPLC-DAD. Por fim, foi considerado um subproduto com potencial benéfico a saúde.

Palavras chaves

Açai; EDGE; polifenóis

Introdução

A Euterpe oleracea M. (açaizeiro) é uma palmeira nativa da floresta Amazônica que produz o fruto conhecido como açaí. O mercado do açaizeiro engloba, principalmente, o setor alimentício, com a fabricação da polpa da fruta e do palmito, retirado do interior da palmeira. Diversos estudos têm demonstrado que o consumo do açaí proporciona benefícios a saúde, devido aos seus valores nutricionais e terapêuticos, o que a levou a ser classificada como uma “superfruta”, devido a concentração dos compostos bioativos presentes, principalmente compostos fenólicos e ácidos graxos (CHANG et al., p.02, 2018; BAPTISTA et al., p. 1377, 2021). O fruto do açaí possuí importância social, alimentar, cultural e econômica para pequenos grupos familiares de produtores, principalmente populações ribeirinhas do Norte do Brasil (TAVARES et al., p. 02, 2020). A cadeia produtiva do açaí envolve extrativistas, produtores, intermediários, batedores artesanais e indústrias de beneficiamento. Seu processamento gera grande volume de resíduos orgânicos, principalmente sementes, as quais correspondem a 80% do peso total do fruto. Uma pequena parcela do volume de resíduos é convertida em adubo orgânico ou artesanato, enquanto o restante, é descartado no meio ambiente (SOUZA, p.18, 2019; DE SOUSA MARTINS et al., p.04, 2020). Diante da inevitável geração de resíduos, a prospecção de compostos de alto valor agregado nos resíduos da indústria de processamento de frutas tem recebido atenção. Estudos acerca do tema tem demonstrado a presença de compostos com alto valor nutricional e farmacológico (CLERICI et al., p. 1659, 2011; ADADI et al., p. 709, 2019). Com a semente de açaí, não foi diferente. Estudos in vitro e in vivo demonstram importantes atividades biológicas associadas aos extratos obtidos por meio de metodologias convencionais de extração. Dentre as atividades observadas, podemos citar a antioxidante (CHOI, p. 243, 1998; BARROS et al., p. 318, 2015; MELO et al., p. 440, 2016; MARTINEZ et al., p. 04, 2018), anti-inflamatória (DE MOURA, p. 2012; SUDO et al., p. 08, 2015; MACHADO et al., 2016; CORDEIRO et al., p.8017, 2018;), cardioprotetora (ZAPATA- SUDO et al., p. 02, 2014; DE BEM, p. 1328, 2014), citotóxica (SILVA et al., p. 02, 2014; FREITAS et al., p. 714, 2017), antinociceptiva (SUDO et al., p. 08, 2015), antilipêmica (DE OLIVEIRA et al., p. 02, 2015; DA SILVA et al, p. 408, 2018; TRINDADE et al., 2019) e renoprotetora (CORDEIRO et al., p. 06, 2018; DA COSTA, et al., p. 1002, 2017). Com relação a composição química dos extratos das sementes de açaí, os métodos de extração convencionais foram os mais utilizados no preparo das amostras (RODRIGUES, p. 4263, 2006; MARTINS et al., 02, 2020; MELO et al., p. 02, 2021), além da Extração Acelerada por Solvente (WYCOFF et al., p. 183, 2015), Extração Assistida por Ultrassom (MELO et al., p. 441, 2016) e Extração por Líquido Pressurizado (VIGANO et al., p. 02, 2022), sendo os compostos fenólicos, entre eles a catequina, epicatequina e procianidinas identificados. Na Figura 1 observa-se a estrutura química de alguns compostos identificados na semente do açaí e um esquema representando a atividade antioxidante, uma das principais atividades apregoadas a estes compostos. Nos últimos anos, novas técnicas foram desenvolvidas para a extração de compostos bioativos de fontes naturais. Essas tecnologias “verdes” possuem o consumo reduzido de solventes orgânicos, menores tempos de operação e melhor rendimento e qualidade do extrato (JHA & SIT, p. 579, 2022), principalmente quando associadas ao delineamento estatístico. Entre essas técnicas, o sistema de Extração por Energia Dispersiva Guiada (EDGE), foi desenvolvido para combinar a extração dispersiva em fase sólida com o sistema ASE (KINROSS et al, p.01 2020). Uma representação do equipamento pode ser observada na Figura 1. O EDGE usa uma célula extrativa aberta de duas peças denominada “Q-Cup” para armazenar a amostra. Durante a extração, o solvente é adicionado à amostra no Q- Cup, e a amostra e o solvente são pressurizados e aquecidas à temperatura e tempo selecionados. Quando a extração é finalizada, o extrato passa pelo fundo através do filtro, onde passa por uma serpentina de resfriamento e dispensado no frasco de coleta. O extrato final está à temperatura ambiente, filtrado e pronto para análise (CEM, 2022). A literatura sobre este sistema ainda é escassa, Tasfiyati et al., (p. 02, 2022) demonstraram o uso do sistema EDGE para a obtenção de escopoletina a partir de frutos de Morinda citrifolia L. (Noni), enquanto Hoff et al., (p. 01, 2022) demonstraram a capacidade do EDGE para extrair drogas veterinárias e contaminantes de rações para animais. Desta forma, o objetivo do presente estudo foi desenvolver uma metodologia de extração dos compostos polifenólicos das sementes do açaí utilizando EDGE, além de avaliar a composição química do extrato gerado.

Material e métodos

-Obtenção e processamento do material: As sementes de açaí foram cedidas pala empresa ISA FOODS EIRELI, localizada na Bahia. Elas foram trituradas, peneiradas (8-16 mesh) e secas em estufa a 40 °C por 24h. O teor de umidade da amostra in natura e durante as 24h de secagem foi monitorado no equipamento por secagem infravermelha (1 g, 140 ° C, em triplicata). -Reagentes, solventes e padrões: Os solventes e reagentes foram obtidos da Merck e água ultrapura de um sistema de purificação Marte Científica. Os padrões: catequina, epicatequina, galato de epigalocatequina, procianidina A2, procianidina B1, procianidina B2, quercetina 3-glicosídeo, kaempferol 3- glicosídeo, ácido gálico, ácido siríngico, ácido cafetárico, ácido clorogênico, trans-resveratrol foram adquiridos da Sigma Aldrich. -Extração dos compostos fenólicos por EDGE: As extrações por EDGE® (CEM Corporation, USA) seguiram um planejamento fatorial (2^3) com 1,0g de amostra e 20mL do volume de solvente extrator fixo. Variáveis independentes: tempo de extração (x1), temperatura (x2) e % de etanol no solvente extrator (x3), e variável dependente: polifenóis totais (PT) nos extratos gerados. Os níveis das variáveis codificáveis foram: -1 (baixo), 0 (ponto central) e +1 (alto). Estimativas dos erros para o planejamento foram obtidas com a inclusão de experimentos no ponto central (3 repetições). Os resultados foram submetidos à ANOVA, utilizando o software MATLAB ® para verificar quais variáveis independentes têm influência significativa no processo de extração de PT. -Análise dos Polifenóis Totais: Utilizou-se a metodologia Folin-Ciocalteu com modificações (SINGLETON et al., p. 152, 1999). Uma alíquota (0,5 mL) de cada extrato foi misturada com 9 mL de água destilada, 0,5 mL de reagente Folin- Ciocalteu e 5 mL de solução de Na2CO3 a 7%. Após 2,5 horas de incubação a 25ºC, a absorbância foi medida em 760 nm. Uma curva padrão foi preparada usando soluções nas concentrações entre 60 e 150 mg/L de ácido gálico. O resultado foi expresso como mg de equivalentes de ácido gálico por 1 g de material seco (mg GAE/g). -Análise por HPLC-DAD: A análise seguiu a metodologia desenvolvida por (DUTRA et al, p. 650, 2018). Os cromatogramas foram processados em 220 nm - catequina, epicatequina, epigalocatequina galato, procianidina A2, procianidina B1, procianidina B2, 280 nm – ácidos gálico e siríngico, 320 nm - ácidos caftárico e clorogênico, e trans-reveratrol, 360 nm - quercetina 3-glicosídeo, kaempferol 3- glicosídeo. A identificação dos compostos foi baseada na comparação com o tempo de retenção e espectro de UV-vis com padrões analíticos nas mesmas condições de análise. Os valores dos coeficientes de correlação (R2) para todos os padrões foram >0,998. Os limites de detecção e quantificação foram <0,17 mg/L e <1,41 mg/L, respectivamente, para todos os compostos. A quantificação foi feita pela injeção de curvas de calibração externas. Os resultados foram expressos em termos de mg/g de amostra seca.

Resultado e discussão

A avaliação das variáveis significativas no processo extrativo usando EDGE foi realizada por um planejamento fatorial completo 2^3 com ponto central, com as variáveis independentes (x1) tempo de extração, (x2) temperatura e (x3) % de etanol no solvente extrator. A variável dependente (y) foi o teor de polifenóis totais (em mg Eq AG/g), nos extratos gerados em cada experimento. O volume de solvente extrator foi mantido fixo em 20 mL. Os dados foram submetidos a análise de variância (ANOVA), que avaliou a significância das variáveis independentes, ou seja, quais variáveis afetaram o processo de extração. Os resultados da ANOVA estão apresentados na Tabela I. Toda variável independente cujo p-valor foi menor que o nível de significância α=0,05, foi considerada significativa para o processo de extração. Por consequência, a variável de primeira ordem temperatura de extração (x2) e a interação de segunda ordem temperatura de extração versus % de etanol no solvente extrator (x2 x3), foram consideradas significativas para a recuperação de polifenóis no experimento. As demais variáveis e interações foram consideradas não significativas. Com relação a variável temperatura, a elevação da temperatura no experimento gerou um aumento no rendimento de polifenóis totais, visto que este coeficiente é positivo. No entanto, alguns compostos bioativos presentes nos extratos são termossensíveis, e se degradam em temperaturas altas (PATRAS et al., p. 03, 2010). Sendo assim, o nível mais alto (+1), ou seja, 105 ºC para esta variável, foi definido para o trabalho, e não foram testadas temperaturas mais elevadas. Com relação a variável de segunda ordem temperatura de extração versus % de etanol no solvente extrator, o comportamento foi semelhante à da variável temperatura, uma vez que o coeficiente também se mostrou positivo. Assim, os níveis mais altos (+1) para estas variáveis foram definidos para o trabalho, ou seja, 105 ºC e 75% de etanol no solvente extrator. A variável não significativa tempo de extração foi mantida no seu nível mais baixo (-1): 4 minutos, a fim de economizar energia e tempo de trabalho. Os parâmetros definidos para o melhor rendimento de extração equivalem aos do experimento 8 do planejamento. Desta forma, as condições para a extração das sementes de açaí utilizando EDGE, a fim de obter o maior rendimento em termos de concentração de polifenóis totais foram: volume de solvente = 20 mL, tempo de extração = 4 minutos, temperatura = 105 ºC e 75 % de etanol no solvente extrator. O rendimento em polifenóis calculado para esta condição foi 20,42 mg Eq. AG g-1, enquanto o resultado experimental, 20,63 (±0,73) mg Eq. AG/g, ou seja, o resultado experimental não difere significativamente do valor predito, a um nível de confiança de 95%, resultado que validou o modelo preditivo. Os solventes orgânicos de maior polaridade são mais eficientes do que solventes não polares na extração dos polifenóis de matrizes vegetais. Nos processos extrativos utilizando líquido pressurizado, o aumento da temperatura gera aumento da difusão dos compostos no solvente extrator devido a dois fatores principais: (1) o solvente penetra na matriz de forma mais eficiente sob pressões aumentadas, e (2) temperaturas elevadas reduzem a viscosidade e tensão superficial dos solventes. Ambos os fatores facilitam a extração dos compostos localizados nos poros internos da matriz. Embora temperaturas elevadas auxiliem a liberação de maiores quantidades de compostos fenólicos, a temperatura deve ser limitada devido à instabilidade térmica dos compostos. O uso de altas temperaturas e pressões estão associadas à degradação de compostos fenólicos (OSORIO-TOBÓN, p. 4302, 2020). Os compostos fenólicos pertencem a uma classe de substância bioativa de origem vegetal definida como fitoquímicos (ABUAJAH et al., p. 2522, 2015). A recuperação dos compostos fenólicos obtidos por EDGE (20,63 mg Eq. AG/g) foi inferior às relatadas anteriormente para a extração convencional (decocção) (370,8 mg Eq GAE g-1) (MARTINEZ et al., p.04, 2018), PLE (84 mg Eq AG/g) (VIGANO et al., p. 07, 2022) e UAE (64,58 mg Eq AG/g) (MELO et al., p. 06, 2021), utilizando a mesma solução hidroetanólica. Alguns fatores, como a natureza do solvente extrator, temperatura e tempo de extração, aumentam a difusividade e a solubilidade no processo de extração. Estudos tem demostrado melhora na recuperação dos compostos fenólicos por misturas binárias água-etanol, uma vez que elas atuam de diferentes maneiras. Uma alta concentração de água melhora a extração dos solutos da matriz vegetal devido à polaridade do solvente, no entanto, isso implica na maior viscosidade do solvente, o que dificulta sua penetração na matriz. Por outro lado, a alta concentração de etanol proporciona a desnaturação das proteínas, o que interfere na solubilidade dos compostos fenólicos no solvente (D’ALESSANDRO et al, p.42, 2012). Em suma, diferentes técnicas de extração, além das características edafoclimáticas, influenciam a quantidade de compostos fenólicos nas sementes de açaí. No entanto, apesar das diferenças quantitativas, os resultados mostraram que os polifenóis podem ser facilmente recuperados da matriz. Curiosamente, Silva et al., p. 03, 2014 encontraram maior concentração de polifenóis em sementes (28,3%) do que frutos (25,5%) e cascas (15,7%) de açaí, o que destaca o potencial desse resíduo como fonte de compostos de alto valor agregado. A técnica de HPLC-DAD foi utilizada para a identificação e quantificação dos compostos no extrato hidroetanólico obtido por EDGE. Para tanto, foi utilizado o método da padronização externa. A Tabela II apresenta os resultados obtidos e a Figura 2 mostra os perfis cromatográficos da amostra processada em 280, 220, 320 e 360 nm. Ao todo, 13 compostos foram identificados e quantificados no extrato de semente de açaí. Os flavanóis foram a classe de compostos com maior concentração (19837 mg/L), destacando-se as procianidinas A2 e B1, a catequina e a epicatequina. Quatro ácidos fenólicos foram identificados, destacando-se, quanto a concentração o ácido cafetárico e, quanto a importância biológica, o ácido clorogênico. A quercetina 3-glucosíedeo e o kaempferol 3-glucosídeo, importantes flavonoides, também foram identificados em quantidades significativas no extrato. Estudos acerca da composição química dos extratos da semente de açaí (RODRIGUES et al., p; 4166, 2006; BARROS et al., p. 321, 2015; MARTINS et al., p. 109830, 2020) identificaram positivamente catequina e epicatequina, e tentativamente oligômeros de procianidina como constituintes. Soares et al., (p. 110, 2017) quantificaram sete compostos no extrato de semente de açaí: catequina (419,30 mg /100 g), epicatequina (473,96 mg/100 g), ácido gálico (2,39 mg/100 g), ácido siríngico (76.18 ± 1.66 mg 100 g), ácido protocatecuico (3,41 ± 0,23 mg/100 g), epigalocatequina galato (58.07 mg 100 g), quercetina 3-glucosíedeo (10,83 mg/100 g). Já os oligômeros procianidinas B1 (16,08 mg/g) e B2 (1,49 mg/g), assim como, catequina (15,66 mg/g), epicatequina (5,32 mg/g) foram quantificados (MELO et al., p. 07, 2021) recentemente. Desta forma, o presente estudo representa uma contribuição para o conhecimento detalhado dos metabólitos secundários presentes na semente do açaí.

Figuras 1 e 2

Figuras 1 e 2: estão as figura 1 (introdução) e Figura 2 (resultados e discussão)

Tabelas

Nas Tabelas estão a Tabela I (resultados da ANOVA) e Tabela II (compostos identificados e quantificados pelo HPLC-DAD).

Conclusões

A partir da análise dos resultados do planejamento de experimentos, foi possível avaliar a correlação entre as variáveis do processo de extração por EDGE e verificar como as mudanças nos níveis destas variáveis afetavam a extração dos polifenóis da semente do açaí. Em um primeiro momento, foi possível concluir que a variável de primeira ordem temperatura de extração e a interação de segunda ordem temperatura de extração versus % de etanol no solvente extrator foram significativas. A partir da análise dos resultados do planejamento, foi possível gerar extratos ricos em polifenóis. A análise do extrato por HPLC-DAD apresentou 13 compostos identificados e quantificados, com destaque para os flavanóis (procianidinas A2 e B1, (+) catequina e (-) epicatequina), o que representa um avanço na compreensão da composição química desta importante matriz vegetal.

Agradecimentos

FAPITEC, UNIVERSIDADE TIRADENTES (UNIT), INSTITUTO TECNOLOGIA DE PESQUISA (ITP), LABORATÓRIDO DE CROMATOGRAGIA (LABCROM)

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