Autores
Nunes, R.C. (IFFLUMINENSE - CABO FRIO) ; Araujo Junior, C.R. (IFFLUMINENSE - CABO FRIO) ; Carvalho, J.L. (IFFLUMINENSE - CABO FRIO) ; Oliveira, J.S.H. (IFFLUMINENSE CABO FRIO) ; Barreto, B.M. (IFFLUMINENSE - CABO FRIO)
Resumo
O objetivo deste trabalho foi analisar como a química do 9º ano tem contribuído
para a inclusão de temas relacionados à Química Verde e aos 17 Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável. Foram analisados os capítulos de química em três
livros de Ciências do 9º ano. A Agenda 2030 tem como objetivos erradicar a pobreza
e promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental. A Química Verde propõe
que os processos químicos devam ser menos poluentes, mais eficientes e mais
seguros. Essa pesquisa classifica-se como qualitativa e exploratória que utilizou
a análise de conteúdo para buscar respostas às questões de pesquisa. Observamos
que apesar dos livros trazerem a temática analisada, ainda há muitos tópicos que
fornecem oportunidades para essas discussões que poderiam ser explorados.
Palavras chaves
Química Verde; Sustentabilidade; PNLD
Introdução
Em 2015, chefes de Estado e de Governo tomaram uma decisão histórica na sede da
Organização das Nações Unidas (ONU) em prol de uma Agenda Mundial de
Desenvolvimento Sustentável que deve ser cumprida até o ano de 2030, conhecida
como Agenda 2030. Essa agenda apresenta 17 Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS), a saber: 1. Erradicação da pobreza; 2. Fome zero e
agricultura sustentável; 3. Saúde e bem estar; 4. Educação de Qualidade; 5.
Igualdade de gênero; 6. Água Potável e Saneamento; 7. Energia acessível e limpa;
8. Trabalho decente e crescimento econômico; 9. Indústria, inovação e
infraestrutura; 10. Redução das desigualdades; 11. Cidades e comunidades
sustentáveis; 12. Consumo e produção responsáveis; 13. Ação contra a mudança
global do clima; 14. Vida na água; 15. Vida Terrestre; 16. Paz, justiça e
instituições eficazes e 17. Parcerias e meios de implementação. (PLATAFORMA
AGENDA 2030, [s.d.])
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
escolheu 2022-23 como o Ano Internacional das Ciências Básicas para o
Desenvolvimento Sustentável (IYBSSD, sigla em inglês).
Em nenhum outro momento da história a humanidade esteve em uma situação em que o
avanço dos debates e, principalmente ações, relacionados à sustentabilidade vão
contribuir para que as próximas gerações tenham recursos naturais e qualidade de
vida. Para ir ainda mais além, para garantir a própria sobrevivência no planeta.
A revista Nature lançou um editorial em abril desse ano (2022) destacando a
importância que a educação desempenha nesse processo, os avanços que já
ocorreram e os desafios que estão por vir.
No Brasil, documentos como a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) e os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) são categóricos na necessidade
de incluir as questões envolvendo sustentabilidade no ensino fundamental e
médio. Essas diretrizes devem nortear a elaboração dos livros didáticos que são
submetidos para apreciação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Esse
programa garante que todas as escolas públicas brasileiras recebam livros
auxiliar o processo de ensino e aprendizagem. Apesar dos enormes avanços
tecnológicos e da presença cada vez mais massiva desses recursos em sala de
aula, a desigualdade socioeconômica no Brasil também traz consequência para a
escola. Nesse cenário, muitas vezes o livro didático é o único recurso que o
professor dispõe e a única fonte de consulta para os alunos.
Freitag, Motta e Costa realizaram uma revisão da literatura e concluíram que “o
livro não é visto como um instrumento de trabalho auxiliar na sala de aula, mas
sim como a autoridade, a última instância, o critério absoluto de verdade, o
padrão de excelência a ser adotado na aula” (FREITAG; MOTTA; COSTA, 1987 apud
ZAMBON, TERRAZZAN, 2017). Apesar de já terem se passado mais de duas décadas
dessa forte constatação, trabalhos mais recentes permitem inferir que tal
situação permanece nas escolas de todo o país (OLIVEIRA, 2014, MAURICIO;
MARTINS, 2020), incluindo o ensino de ciências (ABILIO et al, 2004).
Tendo em vista esse cenário, pode-se inferir que a maior parte dos conteúdos
trabalhados em sala de aula são definidos pelo que está presente no livro
didático utilizado pelo docente. Sousa, Silva e Costa (2020) defendem que o
livro “deve estabelecer processos de mudanças para um futuro sustentável”
(ibidem, p. 594).
A química há 30 anos atrás impulsionou uma área conhecida como Química Verde
(QV) que objetiva, de maneira sucinta, tornar os processos químicos menos
poluentes e mais seguros, utilizar a energia e as matérias-primas de forma mais
eficiente e preferencialmente de fontes renováveis (LENARDÃO et al., 2003).
Como a química, no Ensino Fundamental, é tratada principalmente no 9º ano a
pergunta norteadora dessa pesquisa foi de que forma os livros didáticos de
ciências dessa série tem aproveitado o ensino de química para trabalhar
conceitos relacionados à QV, Agenda 2030 e ODS.
Para tentar responder a essa pergunta foram analisados os capítulos que tratavam
de química de três livros de Ciências do 9º ano do Ensino Fundamental aprovados
pelo PNLD 2020 utilizando a pesquisa documental e a análise de conteúdo.
Material e métodos
O caminho metodológico pode ser classificado como uma pesquisa qualitativa.
Utilizando as diretrizes de Gil (2002), esta proposta de pesquisa com relação
aos seus objetivos pode ser classificada como exploratória. No que tange aos
instrumentos utilizados, pode-se classificá-la como pesquisa documental que,
segundo Lüdke e André (1986) busca identificar informações a partir de questões
ou hipóteses de interesse.
Após a análise documental, a análise de conteúdo será baseada em Bardin (2006) e
ocorreu em três fases fundamentais: 1) pré-análise, 2) exploração do material e
3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A análise de conteúdo
consiste em uma série de técnicas para ler e interpretar o conteúdo de mensagens
que podem estar em materiais diversos, como entrevistas, filmes, fotografias,
revistas e livros, entre outros.
Os livros analisados encontram-se listados abaixo:
- Araribá Mais-Ciências – Editora Moderna LTDA – 2018 – 1ª edição (MODERNA,
2018)
- Ciências: Vida e Universo – Editora FTD S. A. – 2018 – 1ª edição (GODOY, 2018)
- Inspire Ciências – Editora FTD S. A. – 2018 – 1ª edição (HIRANAKA; HORTENCIO,
2018)
Resultado e discussão
Como dito anteriormente, foram analisados aqueles capítulos que se dedicavam à
química. Sendo assim, foram analisados os capítulos 1 ao 4 do livro Araribá
Mais, a unidade 1 do livro Ciências: Vida e Universo e as unidades 3 e 5 do
livro Inspire Ciências.
Na Tabela 1, estão resumidas algumas temáticas que as unidades analisadas
possuíam tem relação com os ODS, bem como com os princípios da Química Verde.
Na sequência, aprofundamos de que forma esses conteúdos foram apresentados e, em
alguns casos, apresentamos propostas de intervenções que os professores podem
fazer para que a inserção seja mais significativa em sala
Análise livro didático Projeto Araribá 9º Ano
Unidade 1: Propriedades da Matéria
No final da unidade, a obra traz dois textos e uma imagem que podem ser
relacionados com alguns ODS. O primeiro texto pode ser relacionado ao ODS 5,
tratando de uma descoberta de uma mulher para a ciência. Diante desse quadro, o
docente pode gerar debates sobre o tema e apresentar o mesmo objetivo citado
acima. Na seção atividades para a vida, podemos perceber os objetivos 14 e 15
quando vemos o ciclo não ecológico de um medicamento que é descartado de forma
errônea.
No texto posterior que encerra a unidade, vemos uma abordagem ambiental,
sobretudo, tratando-se das mudanças climáticas e o Acordo de Paris. Nesse trecho
podemos relacionar com o ODS 13.
Unidade 2: A Matéria
Assim como a primeira unidade, aqui, valoriza-se uma abordagem de conteúdos
conceituais. No entanto, ao final deste capítulo, a abordagem conceitual não é
mais predominante e, sim, uma abordagem histórica, podendo trabalhar o ODS 5 e
debater sobre a igualdade de gênero, visto que a Marie Curie é citada neste
contexto. Essa unidade poderia abordar a metalurgia e propor uma forma de
promover o consumo consciente, bem como os problemas para a saúde humana e para
o meio ambiente que os metais pesados representam.
Aqui, a química verde poderia ser trabalhada de forma simples abordando a
questão do princípio da eficiência atômica.
Unidade 3: Transformações Químicas
O quadro Coletivo Ciências da unidade pode ser relacionado com o objetivo 16
quando se trata do uso de substâncias químicas para guerra. No quadro Pensar
Ciências, o texto pode ser relacionado com o objetivo 7.
Já na parte temática Atividades para a Vida, podemos ver a presença de um
princípio da química verde quando se trata dos novos produtos dentro dos ensaios
clínicos. Além de poder falar sobre uma síntese segura, pode-se falar sobre o
desenvolvimento de produtos seguros para o consumo humano.
Tratando-se de um dos ODS, esse trecho pode ser relacionado com o objetivo 12.
O quadro que encerra a unidade pode ser relacionado com o objetivo 13, falando
em mais um capítulo sobre as mudanças climáticas e o excesso de CO2 na atmosfera
e a acidificação dos oceanos. Seguido por um texto que pode ser relacionado com
o objetivo 14, quando fala sobre a alteração na capacidade de calcificação de
alguns corais e moluscos.
Unidade 4: Grupo de Substâncias
No que tange a química verde, essa unidade é importante, pois se trata de como
os cientistas organizam as substâncias. Poderia ser falado sobre o cuidado ao se
manusear um ácido, como também além da importância econômica que alguns ácidos,
bases sais e óxidos além de alguns deles poderem ser nocivos à saúde humana. Até
essa parte, a unidade pode ser relacionada com o objetivo 12. Pode ser
relacionado também com o objetivo 3 ao tratar de uma base como um remédio para
azia.
O quadro “Atividades Para a Vida” pode ser relacionado o objetivo 5, pois
novamente vemos quadros que trazem a presença da mulher nas ciências, tornando
uma forma muito oportuna para se tratar do tema e do ODS em questão. A unidade
se finda falando sobre a produção de vidro que pode ser relacionado com o ODS 12
pois pode ser discutido sobre a produção sustentável.
Análise livro didático: Ciências - Vida e Universo
Unidade 1: Matéria e Energia.
Essa unidade apresenta a questão dos lixos nas praias como problema ambiental e
apontam soluções. Cita indiretamente o princípio 10 da QV, quanto a criação de
produtos degradáveis.
A atividade 1 aborda indiretamente o princípio 1 da QV, a prevenção, quando
menciona a troca do uso de fertilizantes químicos pelo uso de bactérias para
fixação de nitrogênio pelas plantas. Uma vez que é mais barato e evita a
poluição do solo e da água.
Aborda a destruição da camada de ozônio por produtos químicos como o CFC, mostra
de maneira simplificada a reação química envolvida nessa destruição. Poderia
mencionar indiretamente o princípio 4 da QV, produtos seguros.
Livro Inspire Ciências
Unidade 3: De que são feitas todas as coisas?
A unidade 3 pode ser relacionada ao objetivo 4 da Agenda 2030 “Educação de
qualidade”. O conteúdo é abordado de maneira didática apresentando imagens e
figuras que ajudam na compreensão do educando. Além disso, o objetivo 5
“Igualdade de gênero” também pode ser abordado, visto que, nas páginas 89, 90 e
91 faz menção a Marie Curie, que no contexto histórico a qual esta se insere,
não havia valorização feminina, sobretudo, destaca-se sua importância em várias
áreas da ciência.
Na página 122, enfatiza-se o desastre radioativo ocorrido no Brasil na cidade de
Goiânia. O texto faz menção à importância do descarte correto dos objetos que
contenham elementos radioativos. Esse conteúdo pode ser relacionado ao objetivo
12 do desenvolvimento sustentável “Consumo e produção responsáveis”.
Unidade 5: Como Podemos Cuidar Melhor do Planeta?
A unidade 5 é de suma relevância, visto que, a unidade completa pode ser
relacionada aos objetivos do desenvolvimento sustentável.
A unidade tem por título: “Como podemos cuidar melhor do planeta”. Partindo
desta abordagem, pode-se relacionar aos seguintes ODS 6, 11, 12, 14 e 15.
A unidade trata da poluição da água, do ar, do solo e sonora e também faz
referência a expansão humana nas áreas agropecuárias e urbanizadas, e como essa
expansão submete inúmeras espécies à extinção e a fragmentação do habitat
natural destas.
A unidade vai além, propondo possíveis soluções para os problemas apresentados
anteriormente enfatizando o desenvolvimento sustentável, a conservação da
biodiversidade brasileira apresentando para os alunos a rede social “Sistema
Urubu” e também a conscientização a respeito dos problemas ambientais causados
pelo uso dos canudos. Esse último é realizado através de uma matéria de jornal
que aborda a lei contra o uso de canudos de plástico no Rio de Janeiro
São apresentadas atividades interessantes que podem promover o pensamento
crítico dos estudantes. Tais atividades estão relacionadas ao consumo consciente
e revitalização de um espaço público.
Conclusões
Em nenhum outro momento da história as próximas gerações dependeram tanto das
ações da geração atual no tocante à sustentabilidade como ocorre agora. notícias
alarmantes de fenômenos climáticos atípicos surgem rotineiramente nos noticiários.
É necessário que a educação se torne ainda mais um agente promotor dessas
transformações. Um dos caminhos é através da inclusão de temas relacionados à
sustentabilidade e química verde nos livros didáticos.
Neste trabalho, observamos que os capítulos de química do 9º ano trazem algumas
propostas interessantes para essa formação crítica através de textos, imagens e
atividades investigativas. Temas como o papel da mulher na ciência que reforça a
igualdade de gênero (ODS 5), descarte correto de resíduos e sínteses e processos
químicos mais seguros (relacionados com a QV) mostraram-se presentes.
No entanto, foram notados diversos tópicos que poderiam ter explorado e incluído
de forma mais aprofundada questões sustentáveis, ODS e QV.
É necessário reforçar que nos livros do ensino fundamental também há capítulos
dedicados à química e física que serão analisados em breve para fornecer um
panorama mais completo, visto que muitos dos tópicos de interesse podem estar
propostos neles.
Agradecimentos
CNPq, FAPERJ, IFFluminense
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