• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

O ENSINO DE QUÍMICA ORGÂNICA ATRAVÉS DA TEMÁTICA DE MEDICAMENTOS PARA INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS.

Autores

Oliveira de Alcantara, J.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ- UFC) ; Bonfim Vidal, R.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ- UFC)

Resumo

O presente trabalho objetiva dialogar sobre o Ensino de Química Orgânica na perspectiva de estratégias de promoção da saúde, desenvolvida em uma turma de ensino médio na cidade de Fortaleza, tendo como eixo problematizador as doenças sexualmente transmissíveis. Assim, propõe-se uma sequência didática por meio de um ensino contextualizado e interdisciplinar permitindo, respectivamente, a investigação das dúvidas dos estudantes sobre o tema e a integração de conceitos relacionados à Química Orgânica. Os alunos expressaram engajamento e autonomia durante as atividades propostas, nos levando a crer que as metodologias se mostraram eficazes para aprendizagem de Química contextualizada com a Educação Sexual a partir das respostas e contribuições obtidas durante as atividades.

Palavras chaves

Química Orgânica; Educação Sexual; Contextualização

Introdução

O ensino de Química é alvo de preocupação permanente nos últimos anos, pois essa prática enfrenta problemas educativos específicos para superação dos modelos tradicionais, tais como transmissão do conteúdo de maneira acrítica e a desvalorização dos conhecimentos prévios dos alunos. Além disso é preciso também desenvolver um ambiente propício de aprendizagem, no qual o aluno possa vislumbrar a aplicabilidade dos conceitos aprendidos. Levando em consideração o alto grau de dificuldades dos estudantes em assimilar os fenômenos químicos (ROQUE, SILVA, 2008, p 923), faz-se necessário que o conhecimento escolar passe a ter um novo sentido, promovendo a interação entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem na inserção de questões socioculturais, a fim de evidenciar a importância das aplicações da Química como Ciência. Os medicamentos são, efetivamente, substâncias químicas predestinadas a corrigir anomalias em focos moleculares específicos desencadeando o efeito terapêutico desejado. Nessa perspectiva, trabalhar a química por meio dessa contextualização proporciona mais sentido para os alunos que identifica a ciência em seu cotidiano e dessa forma passa de sujeito ouvinte para sujeito protagonista do próprio conhecimento científico (PEREIRA, 2010, p.2). Neste trabalho o objetivo foi trabalhar por meio das estruturas químicas dos medicamentos, conteúdos como: características do átomo de carbono; classificação do átomo de carbono em uma cadeia; fórmula molecular; grupos funcionais etc. A abordagem sobre as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s) foi empregada objetivando o desenvolvimento do conhecimento e favorecendo a participação ativa dos estudantes, já que estes deixam de estar no papel de espectadores em aula e tratam de um assunto inerente a sua realidade, já que o exercício da sexualidade acarreta implicações no processo reprodutivo e na própria saúde do adolescente. Além disso, a contextualização possibilita a interação de professores e alunos no estudo dos conhecimentos escolares associados aos problemas da vida cotidiana (BRASIL,1999). Para (SAVIANI,2007), a educação tem um papel fundamental de instrumentalizar os sujeitos para o enfrentamento sobre a realidade. Os Parâmetros Curriculares (PCN), demandam, através de sua proposta de orientação sexual a viabilidade por parte do professor para que este abranja o tema em sua complexidade, contribuindo com o processo de aprendizagem (BRASIL, 1998, p. 307). Dessa maneira, é imprescindível que as instituições escolares despertem em seu corpo discente um senso crítico de mundo, tendo por objetivo estimular a aprendizagem do saber metódico e sistematizado, ou seja, as primeiras noções científicas. As metodologias ativas de ensino são caracterizadas como rota para o processo de ensino e aprendizagem e têm como base a atividade enquanto agente de experiência, resultando, então, na aprendizagem. As práticas educativas são mais protagonizadas, dinâmicas, atraentes, facilitando a aprendizagem significativa (MELLO; ALVES; LEMOS, 2014; PEREIRA et al., 2018; ROMAN et al., 2017). Assim, no âmbito da aprendizagem significativa, o assunto abordado em sala de aula deve fazer sentido na estrutura cognitiva do estudante, levando em conta suas ideias, experiências prévias e maturidade intelectual, a partir de onde ele constrói e produz seu conhecimento (SOUSA et al., 2015). É inegável a percepção de que os tempos mudaram e, com isso, os requisitos educacionais também. Porém, as escolas de hoje ainda estão ancoradas em um ensino enciclopédico, com ideias científicas baseadas no senso comum, trabalhos experimentais e investigativos quase inexistentes e avaliação pautada na aprendizagem memorística. Essas práticas ultrapassadas com metodologias retrógradas já não são suficientes para suprir as necessidades do cenário educacional brasileiro. É necessário levar em consideração que as informações estão mais interativas ao mesmo tempo em que se tornaram mais rápidas e acessíveis e que os estudantes estão cada vez mais autônomos e conectados com a internet. Isso requer uma escola com um perfil contemporâneo de aprendizado, que ajude o aluno a vencer todos os desafios que a sociedade impõe.

Material e métodos

A sequência didática ocorreu em duas turmas do 3º ano do EM e foram dividida em três momentos, nos quais foram desenvolvidas atividades distintas, onde em cada momento foi estabelecido o trabalho grupal, característica importante na construção das metodologias ativas e nas teorias construtivistas da aprendizagem (CARVALHO et al, 2013; MOTA; ROSA, 2018; MOTOKANE, 2015). O primeiro e o segundo momento teveram a intenção de conhecer melhor o público alvo e suas dúvidas em relação ao tema proposto. Portanto, decidiu-se estabelecer oficinas, por caracterizar-se como uma metodologia ativa com ambiente fértil para reflexões e debates no que diz respeito as praticas cotidianas dos sujeitos (CAMARGO, FERRRARI, 2009). Neste momento, os alunos receberam um material de divulgação científica onde estabelece a relação entre a Química como Ciência e as IST’s, já que os organismos vivos são um agrupamento de proteínas que atuam em conjunto numa cadeia extremamente complexa de vias e tarefas que nada mais são do que atividades puramemte químicas. O terceiro momento realizou-se a dinâmica chamada de “Fato ou Fake”. articulada estrategicamente na seguinte configuração: os alunos tinham que analisar as afirmações acerca das estruturas químicas de alguns medicamentos (QUADRO 2). As afirmações seguem a ordem abaixo: 1. A respeito do SAQUINAVIR podemos afirmar que sua estrutura química contém a função orgânica de uma amina terciária e um álcool secundário. 2. Em relação ao DOLUTEGRAVIR podemos afirmar que sua fórmula molecular é C20H19F2N3O5, e sua estrutura química não apresenta centros estereogênicos. 3. O AZT possui 4 carbonos SP2 e 7 Hidrogênios. 4. A TETRACICLINA possui 4 carbonos assimétricos (Centros Quirais). 5. Na fórmula estrutural do ACICLOVIR encontramos a função orgânica cetona e éter e sua fórmula estrutural é C9H11N5O3. 6. Sobre a fórmula estrutural do AZT ele apresenta dois núcleos heterogêneos e um radical metil e outro etóxi. 7. A ERITROMICINA em sua estrutura química não possui função orgânica de ácido carboxílico, porém é possível encontrar: éter, éster, cetona, nitrila, amina e álcool. 8. Na fórmula estrutural da TETRACICLINA é possível encontrar as seguintes funções orgânicas: enol, cetona, amida, amina terciária e ácool terciário. 9. O DOLUTEGRAVIR pode realizar ligações de hidrogênio em soluções aquosas. 10. As funções orgânicas presentes no ACICLOVIR são apenas: cetona, éter e ácool. Esses conteúdos surgem nessa abordagem na perspectiva de revisá-los, pois segundo levantamento estes conteúdos já foram estudados no primeiro semestre. Cada afirmação foi colocada dentro de um envelope. Mediante sorteio era dado 10 minutos para o grupo discutir e ao final do tempo, o líder deveria responder escolhendo a placa que o grupo tinha como resposta consensual.

Resultado e discussão

O primeiro e o segundo momentos ocorreram com o intuito de integrar e aproximar os estudantes dos facilitadores. De acordo com grande volume de contribuições e dúvidas produzidos durante a sequência, percebe-se que a maioria dos alunos considerou os assuntos conversados durante a oficina como bastante relevantes, o que caracteriza que, apesar de os alunos possuírem fácil acesso às informações, ainda consideram indispensáveis espaços em que a sexualidade possa ser explorada e debatida abertamente. Relataram também, segundo levantamento, que essas questões ainda não haviam sido faladas dentro do contexto escolar, em disciplinas regulares. A construção coletiva das oficinas a partir das perguntas e contribuições desenvolvidas pelos próprios estudantes possibilitou a construção conjunta e proporcionou um alinhamento entre as convicções dos adolescentes e as novas informações acessadas, dando especificidade à sua compreensão da sexualidade e das futuras tomadas de decisão (PAIVA, 2000). Dessa forma, introduzir a temática da sexualidade em uma roda de conversa entre jovens faz aflorar conceitos e percepções transgeracionais, que colocados em pauta se transformam em questionamentos e reflexões que podem ressignificar não só a compreensão de sua própria sexualidade, como produzir maior empatia para trajetórias diferentes da sua. Nota-se que foram produzidas perguntas e contribuições quase o triplo de alunos participantes, o que lava a crê o alto índice de participação. A abordagem de conceitos químicos relacionada à vivência dos discentes por meio de um estudo interdisciplinar é causador de uma aprendizagem ativa e significativa, pois na atividade pedagógica a contextualização e a interdisciplinaridade “nutre-se” mutuamente. A realização das oficinas educativas na prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis foi uma oportunidade de relacionamento mais próximo entre os adolescentes e os facilitadores com boa receptividade dos alunos. Isso constata-se na discussão ao desenvolver o raciocínio crítico, assim como compreender a aplicabilidade da Química como Ciência no cotidiano, neste caso a serviço da saúde. Ao serem questionados sobre suas dúvidas sobre IST’s e contribuições da química com o tema abordado selecionamos algumas respostas pertinentes conforme o quadro 1 abaixo: É oportuno destacar a transdisciplinaridade desta SD neste momento. Pelo quadro apresentado é possível notar como o conhecimento não segue um modelo disciplinar e fragmentado, e sim um conhecimento pautado de forma contínua e infinita. A contextualização e a transdisciplinaridade nesta sequência didática aproximaram o conhecimento científico das realidades sociais desses indivíduos, proporcionando reflexões sobre os objetivos do ensino de química e a sua importância. O terceiro momento, trouxe uma atividade pedagógica com uma abordagem investigativa acerca das estruturas químicas dos compostos (QUADRO 2). Houve uma mobilização dos estudantes em participar da investigação. Eles discutiam em grupo, pesquisavam nos materiais de apoio distribuídos ao longo da sequência didática, pesquisavam no celular, fomentando a busca de informações, a produção de modelos explicativos sobre fenômeno em questão, contrastando modelos, e discutindo resultados para elaboração de conclusões acerca das interrogações. Nesta fase, foi de suma importância a mobilização dos conhecimentos prévios e a consolidação de novos modelos explicativos de maneira a solucionarem as questões. Embora haja erros conceituais em algumas das respostas das discussões apresentadas pelos alunos, é importante demonstrar ao docente e ao discente o desempenho na aprendizagem por meio das atividades em sala de aula, proporcionando a observação dos pontos frágeis, ou seja, das dificuldades encontradas para assimilação do conhecimento. Nesse caso, quando necessário, foi realizada a intervenção durante o processo da dinâmica para uma melhor explicação do assunto em questão.

QUADRO 1

Contribuições dos alunos durante a sequência didática.

QUADRO 2

Estruturas químicas de medicamentos para tratamento de IST. (Dinâmica de perguntas)

Conclusões

O processo investigativo dessa sequência didática auxiliou os alunos na busca pelo conhecimento, no aperfeiçoamento de informações e no desenvolvimento de respostas. Um aspecto que merece ser destacado é que o presente trabalho colaborou para o ensino de química por investigação ao trazer uma temática bastante atual para este trabalho. Além disso, a realização da atividade investigativa demonstrou grande potencial sob o ponto de vista das metodologias ativas, atingindo com mais eficiência os objetivos pedagógicos. A contextualização do ensino de Química através da temática envolvendo os medicamentos de tratamento das infecções sexualmente transmissíveis favoreceu para a melhoria do entendimento dos alunos a respeito dos temas abordados, como por exemplo: um pouco sobre a química na medicina,as principais classes funcionais de compostos orgânicos, as características do átomo de carbono, a importância de aderir à hábitos e atitudes conscientes de prevenção, a contribuição da química como ciência no desenvolvimento de medicamentos e esclarecê-los a buscar ajuda profissional em saúde no caso de aparecimento dos primeiros sinais sugestivos de IST. Portanto, os medicamentos são moléculas orgânicas conhecidas de princípios ativos, que possuem em sua estrutura química uma vasta possibilidade de abordagem de conceitos químicos trazendo também uma formação cidadã. A estratégia de aprendizagem contendo um aspecto contextualizado e interdisciplinar, é importante, sobretudo no sentido de fugir de uma justaposição de conhecimento simplista, e sim um diálogo bem estabelecido entre as áreas de conhecimento a fim que os conteúdos e fatos se relacionem e haja o fortalecimento dos objetivos de aprendizagem propostos estabelecendo orientações para esses estudantes sobre a importância de manipular ideias.

Agradecimentos



Referências

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