• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

A DISCUSSÃO DA BNCC EM UM CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA: PARA ALÉM DOS SLOGANS OFICIAIS

Autores

Adams Welter, F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA) ; Moradillo Fortuna, E. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA)

Resumo

A Base Nacional Comum Curricular, é um documento orientador da Educação Básica. No seu processo de implementação, se observa a necessidade de já conhecer a concepção dos futuros professores sobre o documento. Sendo, o objetivo do trabalho refletir sobre a concepção de licenciandos do curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal da Bahia (Ufba) possuem sobre a BNCC. Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa baseada nos pressupostos da Pedagogia Histórico- Crítica, com licenciandos, que responderam a um questionário. Os dados demostraram que as discussões sobre a BNCC começam a ser inseridas no curso, mas, que estes possuem uma visão ingênua sobre tais mudanças. Destacamos a importância de que estas discussões ocorram para além dos slogans oficiais da educação.

Palavras chaves

BNCC; FORMAÇÃO INICIAL; ENSINO DE QUÍMICA

Introdução

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento que vem sendo gestado desde 1988, com a Constituição Federal (BRASIL, 1998) que cita a necessidade de um currículo que seja comum a todos. A formulação desta base ganha força em 2014 com o Plano Nacional de Educação (PNE), que apresenta como meta a melhoria da qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a elevar as médias nacionais para o Ided (BRASIL, 2014). Assim, temos em 2015 sendo apresentada a 1º versão da BNCC, que foi desenvolvida em 3 meses a partir da Portaria nº 592, da qual fizeram parte vários setores educacionais, desde pesquisadores da temática de universidades, professores dos vários níveis e das variadas redes (estaduais e municipais) até outros especialistas vinculados às redes de ensino. Esta versão do documento passa por consulta pública, com que recebe mais de 12 milhões de contribuições, e a partir destas em 2016 temos a 2º versão do documento sendo apresentada a população. Mas, o documento definitivo, que vem sendo implementado nas escolas foi homologado em 2018. Macedo (2016) considera que apesar de BNCC ter como proposta a organização curricular em nível nacional, sob o discurso de promover a equidade e igualdade de oportunidades, não há garantia alguma que ela alcance os objetivos delineados, sobretudo porque dificilmente haverá uma real equidade somente pela reorganização curricular das escolas. Nesse tocante, D’Avila (2018) afirma que a BNCC se constitui como uma política curricular destinada à orientação da Educação Básica. Segundo a autora, a formulação dessa política tem a participação e protagonismo de instituições vinculadas à educação e ao mercado, de forma que observamos que o documento se organiza a partir da ideia de competências, apresentando que vai garantir aos estudantes uma educação que seja integral, uma formação para a cidadania, a partir de projetos de vida, e demais slogans , que parecem encher os olhos, mas que buscam iludir o leitor desatento. Entretanto, o que encontramos nas entrelinhas deste documento, e indo além dos slogans oficiais, é: 1- Uma concepção (neo)liberal de “emancipação”, na perspectiva da emancipação política. Defendemos a emancipação humana em contra posição a uma emancipação política, que é limitada e representa a máxima possibilidade possível de liberdade na concepção liberal (TONET, 2013; 2016); 2- Uma concepção de “integral” muito mais relacionada ao tempo de permanência do estudante na escola: o estudante estudar em dois turnos, e não integral no sentido de uma formação omnilateral; 3- Um “projeto de vida” de adaptação a lógica da sociedade reprodutora do capital, com as suas demandas de mão de obra adequadas para as novas formas de reorganização produtiva, com base na eletroeletrônica; 4- Demandando assim “competências” operacionais via o aprender a aprender (aprender a conhecer e a fazer na nova era do capital e sua restruturação produtiva), que se expressa no chão do empreendimento empresarial, resultando trabalhadores adestrados ao saber se virar “nos 30” – saber ser - (ser flexível e polivalente/multifuncional/multipropósito) e saber conviver com os outros (se adaptando aos constantes conflitos do desemprego e do aumento das diversas formas de violência social). Nesse contexto, observamos autores como Moradillo, Messeder, Lima (2017), e Santos, Moradillo (2017), afirmarem que tais slogans que se relacionam a BNCC, se articulam em uma proposta educacional com o objetivo de tornar os filhos dos trabalhadores(as), o maior público da Educação Básica, flexíveis para conviverem pacificamente, em uma sociedade instável, com diminuição dos postos de trabalho (empregos) e aumento da pobreza e fome, em crise econômica e social permanente (crise estrutural do capital). Assim, a BNCC se apresenta como um documento que na contramão da promoção da qualidade da educação, apresenta um esvaziamento dos conteúdos, o que podemos observar com a diminuição que os conteúdos de Química sofreram ao longo das 3 versões da base, que na primeira apresentava 54 objetivos de aprendizagem, na segunda passaram para 40 objetivos e na 3 versão são indicados apenas três competências e pouco mais de 20 habilidades obrigatórias a serem desenvolvidas pelos estudantes durante a etapa do Ensino Médio para a área de ciências da natureza, sem qualquer detalhamento dos conhecimentos a serem transmitidos em cada disciplina para sua conclusão, podendo, portanto, ser interpretada por professores ou por gestores educacionais de formas bastante distintas. Mas, além do esvaziamento do conteúdo cientifico a ser transmitido aos alunos, observamos que, por consequência, a atuação docente em sala de aula também será influenciada pela incorporação da BNCC. Dentre esses impactos, podemos citar a criação da Base Nacional Comum da Formação de Professores (BNCFP), que tem como objetivo orientar o currículo das instituições formadoras, redefinindo a formação inicial e continuada de professores da Educação Básica (SIQUEIRA, 2019; FARIAS, 2019; GONÇALVES; MOTA; ANADON, 2020). Nesse processo de implementação da BNCC e pela urgência de elevar o nível das discussões acadêmicas para além dos slogans oficiais, se observa a necessidade de já conhecer a concepção que os futuros professores, têm frente ao documento, sendo então o objetivo do presente trabalho, refletir sobre a concepção de licenciandos do curso de licenciatura em Química da Universidade Federal da Bahia (Ufba) possuem sobre a BNCC e seus slogans.

Material e métodos

O presente trabalho se orienta com base nos pressupostos da Pedagogia Histórico- Crítica (SAVIANI, 2009; 2013), que toma como fundamento teórico a materialidade objetiva da realidade social e a noção da cognoscibilidade do real por meio de sucessivas aproximações, obtidas por meio de seu estudo sistematizado (TONET, 2013; DELLA FONTE, 2017). Assim, assumimos a objetividade da realidade e do conhecimento, porém sem a confusão de que tal objetividade se assume na forma de neutralidade Portanto, procuramos trazer para a pesquisa a metodologia dialética, em distinção às metodologias analíticas clássicas nos estudos qualitativos em educação, geralmente mais definidas e prescritivas (tais quais as análises de conteúdo, de discurso, textual-discursiva, entre outras) (TOZONI-REIS, 2009), nos colocamos no movimento de descrição dos dados, no escopo do objeto de nosso estudo e, conforme estes vão sendo desvelados, sua historicidade e as relações e nexos com os quais tais dados realizam com a sociedade, com a educação, com a política e outros complexos, vão sendo trazidos à análise e sendo elucidados, para além da aparência, na dinâmica da dialética singular-particular-universal (GALVÃO; LAVOURA; MARTINS, 2019). Destacamos que os dados aqui apresentados, são dados iniciais de uma pesquisa de doutorado, com o objetivo de compreender como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) pode impactar as discussões da dimensão prática, componentes curriculares pedagógicas e estágio supervisionado na formação inicial do curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Dessa forma, a pesquisa se fez por meio do contato direto com a situação estudada, através da aplicação de questionários, no formato online, a licenciandos do curso diurno de Licenciatura em Química da Ufba. Destaca-se que esta pesquisa se insere no paradigma da teoria crítica e é de natureza descritiva/compreensiva envolvendo as respostas dos licenciandos. O questionário foi aplicado durante o componente curricular denominado “O Professor e o Ensino da Química” (QUIA43), durante o primeiro semestre do ano de 2022, semestre em que o oferecimento da disciplina ocorreu remotamente; destaca- se que em momento de aula a pesquisa foi apresentada aos licenciandos e estes foram convidados a participar. Ocorreu o acompanhamento de todas as atividades da disciplina, sendo duas aulas voltadas de forma especifica para a discussão dos aspectos gerais da BNCC e da forma como a mesma vem sendo implementada no Estado da Bahia. Desta forma, questionário foi elaborado a partir da ferramenta Google Forms e encaminhado aos licenciandos. Aqueles concordaram em participar da pesquisa de maneira gratuita e com a preservação de suas identidades, tendo recebido junto aos questionários o respectivo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com todos as informações da pesquisa, que foram devidamente assinados com a anuência para o uso de suas respostas. Assim, o questionário era composto por 30 questões objetivas e discursivas que foram respondidas por 10 licenciandos do curso de Química diurno. Destacamos que será mantido o anonimato dos sujeitos, fazendo uso de códigos para identificá- los. Para tanto, se fará uso da letra L seguida dos números de 1 a 10.

Resultado e discussão

A BNCC como documento articulador da Educação Básica, vem sendo implementado nas escolas brasileiras nos últimos anos, também se mostra em processo inicial de incorporação nos cursos de formação inicial de professores, uma vez que estes sujeitos ao estarem em contato com a escola, por meio do estágio curricular obrigatório, estão também vivenciando a sua implementação. Observamos que as competências são um dos pontos principais de alinhamento entre a BNC-Formação e a BNCC, uma vez que estes documentos “insistem na lógica de produção de saberes pelo caminho objetivista em que, alunos e professores são pensados como receptores de modelos educacionais pensados por ‘especialistas’” (ALBINO, SILVA, 2019, p. 150). Modelos educacionais estes que buscam reforçar as ideias do modelo de produção vigente, na busca de esvaziar tanto o currículo da Educação Básica quanto e de formação de professores. Nesse sentido, buscamos neste trabalho refletir sobre a concepção de licenciandos do curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal da Bahia (Ufba) possuem sobre a BNCC, por meio da aplicação de um questionário a licenciandos do início da graduação. Com relação ao perfil dos 10 licenciandos que responderam ao questionário, 40% são do sexo feminino e 60% do sexo masculino, 50% cursou o Ensino Médio em Escola Pública e 50% em Escolas Particulares, o que consideramos um dado interesse, uma vez que está vivência pode promover uma visão diferente destes sujeitos frente à Educação, a BNCC e os slogans que a orientam, tais como a formação por competências. Com relação ao conhecimento sobre a BNCC, 80% dos alunos afirmaram que já ouviram falar do mesmo em componentes curriculares cursados durante a graduação em Licenciatura em Química, a exemplo do componente Organização da Educação Brasileira, onde eles discutiram artigos científicos que abordava aspectos gerais sobre o documento, o que demostra que esse documento já vem sendo discutido em componentes curriculares do curso de Licenciatura em Química, portanto se faz necessário refletir sobre como estão ocorrendo estas discussões e sobre qual a concepção sobre o documento, que estes alunos estão tendo contato. Ainda, questionamos os licenciandos sobre as possíveis vantagens ou desvantagens da BNCC e das reformas do Ensino Médio. Nos excertos a seguir são apresentados algumas das respostas dos licenciandos: Excerto 1 - Os alunos vão poder montar sua grade de estudos. L1 Excerto 2 - Acredito que vai ser focado mais pra a área de atuação que o estudante do ensino médio escolher, para que ele dedique mais tempo da sua grade curricular em matérias voltadas para sua formação e futura profissão. L2 Excerto 3 - Acredito que irá guiar os estudantes para uma zona mais decisiva, o que os ajudará na escolha do seu futuro. L3 Excerto 4 - O aluno vai poder escolher uma disciplina, dessa forma terá uma carga horário maior de estudo nela e assim já escolher sua área em que pretende atuar. L7 Excerto 5- Acho que vai direcionar mais os estudantes a suas áreas de atuações futuras e chegarem a uma graduação com uma melhor base, fora diminuir a carga horária de matérias que ele não precisará na sua vida acadêmica futura. L9 Podemos observar nas falas dos licenciandos que é consenso de que a nova proposta para o Ensino Médio, apresenta como vantagem o fato dos alunos poderem escolher as disciplinas que estejam voltadas para a sua vida futura, seja na vida acadêmica ou profissional. Os licenciandos apresentam uma concepção de que essas mudanças são positivas pois, vão auxiliar os alunos no seu futuro, o que demostra a relação com os slogans da educação que são determinantes ao longo da história da mesma. Sendo estes termos difundidos de forma a levar os sujeitos a acreditarem que a adoção de práticas relacionadas a tais formas seriam formas de solucionar os problemas da educação (EVANGELISTA, 2014; FREITAS, 2016). Mas, nos pautamos em Siqueira e Moradilo (2022) para apresentar a nossa crítica dessa afirmação, uma vez que os autores discutem que esse ideário, de uma formação baseada em competências, é incompatível com uma educação que se proponha integral e libertária. Pelo contrário, vai favorecer as injustiças promovidas pelo sistema capitalista, no qual a educação para a classe trabalhadora ocorrerá baseada em conteúdos rasos e mínimos de forma a levar estes sujeitos apenas a aceitarem o seu status quo na sociedade, sem uma formação baseada na promoção da consciência crítica e transformadora, assim como educando-os como força de trabalho demandadas pelo capital e não para uma formação geral, integral, omnilateral. Enquanto que, para a classe dominante, haverá o aprofundamento nos conteúdos de todas as áreas necessárias, buscando a formação de líderes que vão manter o sistema vigente, através de sua formação no ensino superior (SIQUEIRA; MORADILLO; CUNHA, 2020). E, Santos (2017, p. 46), que apresenta que esses documentos se mostram como a essência da flexibilização dos saberes, voltando-se para o ideário neoliberal pós-moderno imposto pelo capital, centrado no estabelecimento para os alunos de “saberes e competências adaptáveis ao mundo do trabalho flexível e da sociedade do conhecimento”. Mas, apresentando uma visão diferente dos demais licenciandos L5, afirma que: Sei um pouco sobre as questões do novo ensino médio, que são terríveis e vão aumentar a segregação social no Brasil, a especificação das disciplinas farão os alunos de mais baixa renda estarem mais despreparados para vestibulares/ENEM, enquanto que estudantes de famílias com melhores condições poderão estudar por fora e fazer cursinhos para conseguir adentrar em faculdades e até tem acesso a faculdade particulares sem necessidade de bolsa, cujo ensino também parece não se preocupar muito com questões sociais e focar em mercado [...] vai dificultar a propagação de um conhecimento científico básico pela população. L5 Este licenciando apresenta uma visão crítica frente ao documento, destacando o esvaziamento do conteúdo para a classe trabalhadora. Nesse sentido, Branco e Zanatta (2021) afirmam que a organização da BNCC não está centrada na aprendizagem dos conteúdos historicamente sistematizados, mas em competências e habilidades, que acabam por promover o esvaziamento do currículo. E Siqueira (2019), complementa afirmando que as políticas de currículo propostas através da BNCC e do Novo Ensino Médio, demostra o completo esvaziamento dos currículos dos conteúdos científicos, promovido por diversas frentes que são postas por estes documentos: a flexibilidade dos currículos, a diminuição da carga horária da Educação Básica comum, a ascensão das ideias da aprendizagem flexível, a pedagogia das competências e do aprender a aprender, o culto ao multiculturalismo e à pluralidade de ideias, em detrimento dos saberes científicos, etc. De forma geral, podemos observar que os licenciandos demostram que as discussões sobre a BNCC começam a ser inseridas no curso de Licenciatura em Química, mas, observamos que ainda predomina entre eles uma concepção ingênua, pouco fundamentada e, geralmente, apontam que tais mudanças na Educação Básica são positivas para os alunos. Apesar das discussões sobre a BNCC já fazerem parte de componentes curriculares iniciais da Faculdade de Educação, assim como os estudantes terem acesso à informação sobre tal documento, principalmente pele imprensa e propaganda governamental, que procuram ressaltar aspectos positivos via slogans antigos e novos, destacamos a importância de que estas discussões ocorram de forma sistemática por dentro do currículo e por eventos/debates na comunidade acadêmica, com base na análise crítico-dialética da realidade, da educação e dos processos e políticas públicas de educação, levando estes a reconhecerem que a BNCC se trata de um documento que representa um retrocesso para a educação, permeado de slogans que tendem a iludir os “desavisados”.

Conclusões

A BNCC é um documento orientador que vem sendo aplicado nos últimos anos de forma a mudar tanto o currículo da Educação Básica quanto o currículo de formação de professores, uma vez que estes terão que se adaptar e promover discussões sobre tais mudanças. Os resultados da pesquisa demostram que estas discussões começam a ser inseridas no curso de Licenciatura em Química da Ufba, através da inserção da discussão deste documento em componentes curriculares como Organização da Educação Brasileira e até mesmo na própria disciplina em que a pesquisa ocorreu, uma vez que faz parte do plano de curso apresentado pelo professor discutir sobre temáticas atuais do ensino de Química, tal como a BNCC. Mas, podemos observar que predomina nos licenciandos uma concepção de que as mudanças promovidas pela implementação da BNCC e do Novo Ensino Médio, serão positivas para o processo de ensino e aprendizagem dos alunos. De forma, observamos que as falas dos licenciandos estão em consonância com o que é divulgado sobre essas propostas pelo governo, que transmite um ideário de liberdade diante da possibilidade de o aluno optar por um caminho a seguir em sua formação, e ainda pelos slogans educacionais que são amplamente divulgados. Os posicionamentos dos licenciandos frente a BNCC e o Novo Ensino Médio encontradas neste trabalho, nos leva a destacar a importância de que essas discussões sejam realizadas na formação inicial dos professores a partir de uma concepção crítica-dialética destes documentos, de forma a promover a superação das concepções ingênuas apresentadas pelos mesmos.

Agradecimentos

A CAPES pela bolsa concedida

Referências

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