• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

VALORIZAÇÃO DA LIGNINA KRAFT: PREPARAÇÃO DE FILMES COMPÓSITOS

Autores

Ferreira, C.B. (UFLA) ; Bianchi, M.L. (UFLA) ; Matos, T. (UFLA) ; Barros, P.H.F.C. (UFLA)

Resumo

Visando o uso e aproveitamento de resíduos agroindustriais, esse estudo utiliza o coproduto da indústria do papel e celulose, a lignina kraft, na preparação de filmes compósitos. Utilizando a quitosana (Q) e micropartículas de lignina kraft (MLK), foram produzidos filmes com potencial para serem aplicados como bloqueadores de luz UV e revestimentos de alimentos, para evitar a degradação promovida pela luz. Os filmes foram caracterizados por diferentes técnicas: MEV, termogravimetria, FTIR, testes mecânicos, umidade, espessura, permeabilidade ao vapor de água e propriedades ópticas. O uso de MLK em filmes de Q elevou o valor da resistência à tração e do módulo de elasticidade dos filmes. Além disso, as MLK formaram uma barreira que restringe a passagem de luz na região do UV.

Palavras chaves

Resíduos agroindustriais; bloqueadores UV; Nanopartículas

Introdução

As embalagens são itens cruciais para a indústria, pois garantem a qualidade de produtos e alimentos. A maioria tem como matéria-prima alguns polímeros derivados do petróleo que não são biodegradáveis e, depois de descartados se tornam uma ameaça ao meio ambiente (CHAUDHARY et al, 2022). O aumento dos problemas ambientais, o excessivo consumo dos combustíveis fosseis, e a busca crescente da sociedade pelo uso consciente dos recursos naturais, resultaram em um maior desenvolvimento das pesquisas relacionadas à obtenção de novos materiais poliméricos através da conversão da biomassa (DAI et al, 2020; WANG et al, 2020; ACQUAVIA et al, 2021). A quitosana e a lignina são biomassas que vem se destacando na elaboração de biopolímeros (VEVERE et al, 2020; ZHANG; TIAN, 2020; DOMINGUEZ-ROBLEZ et al, 2020). A lignina, principalmente a obtida pelo processo kraft, é gerada em grande quantidade no Brasil pela indústria de papel e celulose. É um dos constituintes da parede celular dos vegetais, juntamente com a celulose e as hemiceluloses (NEGM et al, 2020; THAKUR et al, 2017). Materiais poliméricos a base de lignina vem sendo desenvolvidos e são altamente viáveis (JĘDRZEJCZAK et al, 2021), apresentam baixo custo de produção, alto rendimento e não agridem o meio ambiente (SCHOELER et al, 2020; LIU et al, 2020; BASS; EPPS, 2021). A quitosana é um polissacarídeo produzido a partir da quitina, que é encontrada no exoesqueleto de crustáceos, ou seja, é obtida a partir dos resíduos da indústria da pesca. É um material de baixo custo, possui alta biocompatibilidade, é biodegradável e não tóxico (MORENO et al, 2020; MUJTABA et al, 2019; WANG et al, 2020). Porém, os filmes produzidos com quitosana são frágeis e bastante higroscópicos. Assim, a quitosana vem sendo utilizada na preparação de compósitos, ou seja, misturada a outros polímeros e compostos, a fim de melhorar suas propriedades (LI et al, 2020; CROUVISIER-URION et al, 2017; PRIYADARSHI; RHIM, 2020). A adição de lignina kraft em filmes poliméricos a base de quitosana é um campo praticamente inexplorado, na maioria das vezes o uso da lignina consiste na queima para geração de energia, como matéria prima no preparo de adesivos e aditivos para cimento. Alguns estudos mostram melhora das propriedades mecânicas de alguns polímeros a partir da adição de lignina (KUMAR et al, 2020; YAMAMOTO et al, 2020; ROSOVA et al, 2021). Porém, a lignina não tem a propriedade de formar filmes por si só, logo, adicioná-la a filmes que tem como base outros biopolímeros é uma alternativa (WANG et al, 2020; CASSALES et al, 2020). A quitosana e a lignina não são polímeros termodinamicamente compatíveis. A quitosana é hidrofílica, enquanto a lignina é hidrofóbica, ou seja, para que uma seja incorporada à outra, métodos de homogeneização tais como processamento de alta pressão, cisalhamento e ultrasonicação precisam ser utilizados (SOLIHAT et al, 2021; GOMIDE et al, 2020; CHAUHAN et al, 2020). Uma das formas de facilitar o uso da lignina em filmes poliméricos é sua utilização na forma de nano e micropartículas. (CAMARGOS; REZENDE, 2021; WIDSTEN et al, 2020; LEE et al, 2021). As nano e micropartículas de lignina possuem excelentes propriedades físico-químicas e um alto valor agregado, pois podem ser aplicadas nas mais diversas áreas (SIDDIQUI, et al, 2020; SCHNEIDER et al, 2021). As nano e micropartículas de lignina possibilitam o aprimoramento das propriedades dos polímeros, possuem atividade antioxidante, maior proporção de área de superfície por volume e possuem também grupos funcionais que podem ser modificados quimicamente, aumentando ainda mais o espectro de aplicações (PANG et al, 2020; Monteiro et al, 2021; IRAVANI; VARMA, 2020; CAILOTTO et al, 2020). Assim, visando o aproveitamento de resíduos, esse estudo utilizou o coproduto da indústria do papel e celulose, a lignina kraft, na preparação de micropartículas que foram, por sua vez, utilizadas na elaboração de filmes compósitos com quitosana. O objetivo do uso das micropartículas foi melhorar as propriedades mecânicas dos filmes de quitosana e promover uma barreira contra a luz UV.

Material e métodos

Obtenção das micropartículas de lignina kraft Foram utilizados 0,5 g de lignina kraft, 60 mL de etanol e 40 mL de água destilada na preparação da suspensão (5 g L-1), que foi posteriormente filtrada em papel de filtro e levada ao Sonicador de Ponteira Ultrassônico Eco- Sonics / Utronique (550 W) por três séries de 10 minutos. Preparação dos filmes Um delineamento experimental foi utilizado para preparação dos filmes (Tabela 1). A quitosana foi dissolvida em 40 mL de uma solução aquosa de ácido acético 0,2 mol L-1. Posteriormente adicionou-se MLK, juntamente com 1,5 mL de glicerol. A mistura foi sonicada por 10 min e agitada por 2 h em agitador magnético. A lignina kraft em pó (como recebida) foi peneirada em peneiras de 40, 60, 100 e 200 mesh para classificação granulométrica. Já o tamanho médio das MLK foi medido por meio do espalhamento dinâmico de luz (DLS Zetasizer Nano Zs Malvern). Espessura do filme A espessura foi determinada utilizando um micrômetro digital Quantumike – MITUTOYO. Ensaio mecânico Os ensaios foram realizados em analisador de textura Stable Microsystems modelo TATX-plus, seguindo a norma ASTN D-882-00 (AMERICAM FOR TESTING AND MATERIALS, 2000). Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) As amostras foram posicionadas sobre fita de carbono dupla face aderida ao porta-amostras de alumínio (stubs) e posteriormente metalizadas com ouro em aparelho sputtering (Balzers SCD 050). As microcrafias foram obtidas utilizando- se microscópio eletrônico de varredura FEG de ultra alta resolução (UHR, Tescan- Clara, Czech Republic), nas condições de 10 KeV, 90 pA e distância de trabalho de 10 mm. Permeabilidade ao vapor de água Essa análise foi realizada com base na norma ASTM E 96-00 (AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS). Transmitância dos filmes a 280 nn A propriedade de barreira à luz UV foi medida através da porcentagem de transmitância (%T) a 280 nm e foi determinada pela Equação: T280= log%T / e Em que T280 é a barreira à luz UV, e a espessura do filme e T a transmitância. As análises foram feitas em aparelho UV-Vis AJX – 3000 PC. Espectroscopia de absorção na região do infravermelho (FTIR) Os espectros foram obtidos em equipamento ATR VARIAN 660 Pike Technologies, na faixa de 4400 a 400 cm-1, com resolução de 4 cm-1. Análise Termogravimétrica (TGA e DTA) As análises foram realizadas em analisador termomecânico Shimadzu DTG-60AH Simultâneos DTA-TG Apparatus a uma taxa de aquecimento de 10°C min-1, com uma variação de temperatura de 25 a 600°C e fluxo de N2 de 50 mL min-1 Estatística A análise estatística foi realizada por meio da análise de variância com Delineamento Inteiramente Casualisado (DIC). Foi utilizado o teste de médias Scott-Knott, ao nível de 5% de probabilidade para análise estatística pelo programa Speed (Carvalho et al, 2020).

Resultado e discussão

Diâmetro médio das partículas de lignina As partículas de lignina kraft apresentaram espessura média de 250 µm, enquanto as MLK possuem cerca de 400-530 nm, portanto tiveram seu tamanho reduzido em cerca de 500X. Gonzalez et al. (2017) discutiram sobre a redução considerável do tamanho de partículas de lignina kraft após o processo de sonicação, e que a redução do tamanho dessas partículas está relacionada com o tempo de sonicação. De acordo com Tang et al. (2020) o método de sonicação é eficiente e simples para obtenção de nanopartículas de lignina. Partículas de lignina com tamanhos nanométricos possuem uma interação mais eficiente com a matriz polimérica, melhorando, assim, as propriedades dos filmes compósitos. Espessura Os valores médios para espessura dos filmes poliméricos foram de 20 mm. Observou-se que o aumento da espessura dos filmes está associado à concentração de micropartículas de lignina. Jagnathan et al (2018) obtiveram resultados semelhantes em compósitos a base de quitosana/lignina. No trabalho, os autores concluíram que nano e micropartículas de lignina agem como reforço quando adicionadas a compósitos poliméricos. Ensaio Mecânico Na Figura 1 são apresentados os resultados dos testes mecânicos realizados em amostras dos filmes poliméricos. Para os filmes contendo 1 g de quitosana, existe uma tendência ao aumento da resistência à tração dos filmes com a adição de micropartículas de lignina. Porém observa-se que um aumento de 0,3 para 1,2 g de lignina provoca a diminuição da resistência. Rai; Dutta; Mehrotra, (2017) e Romhányi; Kun; Pukánszky. (2018) observaram resultados semelhantes. O aumento da resistência à tração e do módulo de elasticidade em filmes de quitosana e lignina ocorre devido à presença de ligações de hidrogênio entre os grupos hidroxilas da lignina e a matriz de quitosana. Já a redução da resistência mecânica dos filmes é provocada pela presença de aglomerados de micropartículas de lignina, que agem como concentradores de tensão. A Esses aglomerados podem ser observados com clareza nas imagens de microscopia eletrônica de varredura (Figura 2) e ocorrem em maior quantidade nos filmes com maiores quantidades de lignina. O módulo de elasticidade (MOE) é uma relação entre tensão aplicada ao material e a deformação resultante, e está relacionado à rigidez do material. Quanto maior o MOE, mais rígido é o material. Os resultados mostram que quanto maior a quantidade de quitosana no filme, mais rígido ele é. Aparentemente, a adição de lignina, nas quantidades estudadas, não altera essa propriedade. Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) O aumento da concentração de micropartículas de lignina foi seguido de um aumento na quantidade de aglomerados na superfície dos filmes. A presença desses aglomerados interfere nas propriedades mecânicas dos filmes. Nota-se que os filmes possuem uma superfície sem rachaduras ou defeitos aparentes (Figura 2). Permeabilidade ao vapor de água (PVA) A PVA é um parâmetro importante para avaliar a vida útil de embalagens. Nesse trabalho observa-se que os valores de permeabilidade ao vapor de água dos filmes diminuíram com o aumento da concentração de micropartículas de lignina (Tabela 2). Esse fato ocorre devido à presença de uma rede contínua de ligações de hidrogênio entre a lignina e a quitosana, o que acaba deixando a difusão da água pelos filmes mais difícil (KAUSHIK; SINGH; VERMA, 2010). Filmes elaborados por Rai; Dutta; Mehrotra, (2017) com quitosana e lignina também apresentaram redução da permeabilidade ao vapor de água com a adição de lignina. A redução da PVA em filmes compósitos é importante para garantir a conservação do produto revestido. Propriedade óptica Observa-se, na Tabela 3, que a transmitância em 280 nm diminuiu significativamente após a incorporação das micropartículas de lignina ao filme quando comparamos os filmes Q03L03 e Q1L12. A excelente barreira à luz UV pode ser entendida após caracterização dos grupos funcionais pelo FTIR. Os grupos aromáticos e os grupos carbonila conjugados presentes nas moléculas de lignina absorvem luz na região do UV. Izaguirre et al. (2020) observaram que filmes de quitosana com lignina possuem boa absorção da luz UV e mesmo assim ainda possuem transparência. Cavallo et al. (2020) encontraram que as nanopartículas de lignina conseguiram conferir propriedades bloqueadoras da luz UV em filmes de ácido polilático (PLA) contendo 1% em massa e 3% em massa de nanopartículas de lignina. Essa propriedade é muito requisitada em filmes cuja aplicação envolve revestimento ou embalagem, uma vez que essa barreira irá evitar a degradação do produto pela luz UV e a transparência permitirá a visualização do produto. Espectroscopia de absorção na região do infravermelho (FTIR) A Figura 3 apresenta os espectros FTIR dos filmes poliméricos. Uma banda larga em 3270 cm-1, referente à vibração do grupo OH, é encontrada em todos os filmes. Os grupos OH estão presentes na estrutura da lignina e da quitosana, além da água presente no filme e do glicerol utilizado como plastificante. Também nessa região ocorre a vibração da ligação NH da quitosana. A banda que aparece em 2927 cm-1 está relacionada à vibração do estiramento C–H pertencentes na lignina e na quitosana. A banda na região de 1030 cm-1 é referente à vibração da deformação axial da ligação C-O. As bandas observadas em 1648, 1560 e 1411 cm-1, são atribuídas as fortes vibrações da amida-I, amida-II e amida-III, respectivamente, e a banda em torno de 919 cm-1 é referente ao anel de piranose, ambos grupos pertencentes a quitosana. Análise Termogravimétrica (TGA e DTA) A Figura 4 apresenta a curva termogravimétrica obtida para os filmes Q1L03, Q1L12 e Q1L0. Os filmes apresentam perfis de degradação muito parecidos. A perda de massa inicial dos filmes começa em aproximadamente 50°C, estágio relacionado à perda de água. Observamos uma grande perda de massa nos filmes em aproximadamente 75°C, que se deve à presença do resíduo do ácido acético, que diminui a estabilidade térmica e acelera a degradação do filme. Há uma perda de massa entre 200ºC e 300°C, que está relacionada à degradação e desacetilação da quitosana. A TGA e a DTA permitiram obter informações sobre a estabilidade térmica, que foi de aproximadamente 250°C para todos os filmes. Os filmes com as maiores concentrações de micropartículas de lignina apresentam massa residual maior. A adição de lignina segue a tendência de aumentar ligeiramente a estabilidade térmica dos filmes. Quanto maior for a estabilidade térmica do filme maior sua gama de aplicações. Aradmehr et al. (2020) elaboraram filmes de lignina e quitosana e observaram que a lignina tem um efeito estabilizador na degradação da quitosana. Gao et al. (2020) observaram aumento da estabilidade térmica dos materiais desenvolvidos após a incorporação da lignina kraft

tabelas e gráficos

Tabela 1- Tabela 2 - Tabela 3- Gráfico ensaios mecânicos

tabelas e gráficos

Tabela 1- tabela 2- tabela 3- gráfico ensaio mecânico

Conclusões

Os resultados mostraram que é possível diminuir em até 500X o tamanho das partículas de lignina kraft por meio do método mecânico da sonicação. A adição de 0,3 g de micropatículas de lignina nos filmes promoveram o aumento da resistência mecânica, porém, o aumento da quantidade de lignina adicionada não foi favorável devida à desestabilização da solução coloidal e aglomeração das partículas. Para a estabilidade térmica observou-se uma tendência de melhora com o aumento da quantidade de lignina adicionada. Além disso, a adição das micropartículas de lignina kraft promoveram a diminuição da permeabilidade ao vapor d’água e da transmitância a 280 nm. Dessa forma conclui-se que a adição de micropartículas de lignina kraft à quitosana resultou em filmes mais resistentes mecanicamente, menos permeáveis ao vapor d’água e à luz UV, tendo potencial para ser aplicado na área de embalagens e revestimentos para conservação do produto. Assim, a aplicação da lignina kraft na preparação dos filmes compósitos se mostrou uma alternativa interessante para aproveitamento desse coproduto da indústria de papel e celulose.

Agradecimentos

Os autores agradecem à CAPES, ao CNPq e à FAPEMIG pelo suporte financeiro ao projeto, UFSCAR, CAPQ-UFLA, UEPAM-UFLA e LME-UFLA pelo suporte na realização das análises.

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