• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

Biocarvões de bagaço de cana-de-açúcar modificado com Mn em diferentes estados de oxidação para potencial remoção de herbicida 2,4-D em soluções aquosa

Autores

Souza, T.F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS) ; Ferreira, G.M.D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS)

Resumo

O potencial de biocarvões (BC) obtidos de bagaço de cana-de-açúcar modificado com MnCl2 ou KMnO4 para remoção do herbicida 2,4-D em soluções aquosas foi avaliado. Os BC foram preparados pela pirólise da biomassa sem tratamento ou modificada com os sais de Mn em diferentes razões de impregnação (RI). Os materiais produzidos foram caracterizados por FTIR e testes de adsorção de 2,4-D foram conduzidos. Os resultados de FTIR indicaram que a impregnação de Mn na superfície dos BC foi realizada com sucesso. O material modificado com MnCl2 na maior RI, em pH 3,5 e usando dosagem de 4 g/L-1 do adsorvente (60 mesh) apresentou porcentagem de remoção de 92,9%. Concluiu-se que BC de bagaço modificado com sais de Mn(II) possuem elevado potencial de remoção de 2,4-D em águas contaminadas.

Palavras chaves

Sais metálicos; Resíduos agroindustriais; Adsorção

Introdução

Grandes volumes de resíduos agrícolas dispostos de forma incorreta no ambiente podem ocasionar diversos problemas ambientais. No entanto, a biomassa residual do setor agrícola pode ser utilizada para diferentes aplicações, como descontaminação de águas, devido a seu custo-benefício, a sua disponibilidade e composição química (BAGOTIA; SHARMA; KUMAR, 2021). O bagaço de cana-de-açúcar é um dos resíduos agrícolas mais produzidos no Brasil. Embora possam existir alternativas sustentáveis para a reutilização dessa biomassa residual, a prática mais comum é incinerá-las para obterem o valor de combustível das caldeiras internas das usinas (JACOB et al., 2020). Entretanto, o valor agregado ao bagaço ainda não foi totalmente explorado, visto que a taxa de utilização global dessa biomassa é relativamente baixa diante do grande volume produzido (BAI et al. 2021). Além da disponibilidade abundante desse resíduo, o bagaço apresenta em sua composição lignina, celulose e hemicelulose, tornando-o um precursor viável para a síntese de BC adsorventes. A síntese de biocarvões (BC) adsorventes, que podem ser obtidos facilmente através do tratamento térmico (pirólise) da biomassa na ausência total ou parcial de oxigênio, vêm se destacando como alternativa para a gestão sustentável desses resíduos. Os BC são materiais não tóxicos que podem ser utilizados para remoção de contaminantes orgânicos e inorgânicos de meios aquosos (PATEL et al., 2022). Todavia, a aplicabilidade desse tipo de material é limitada pela baixa eficiência de remoção e desempenho de separação. Além disso, BC à base de bagaço de cana-de-açúcar demandam maior tempo de reação e maior dose de adsorvente para alcançar boas capacidades de remoção de contaminantes (MA et al., 2021). Entretanto, essas desvantagens podem ser compensadas com a utilização de agentes modificantes, que podem aumentar a capacidade adsortiva dos materiais quando comparados a BC provenientes da biomassa sem tratamento, propiciando melhoria nas propriedades físico-químicas do material (MA et al., 2021). Para a síntese de BC modificados por sais metálicos, duas abordagens podem ser utilizadas. A primeira é a imersão da biomassa em solução contendo o agente modificante, durante a etapa de pré-pirólise; a segunda, trata-se da imersão do BC já pirolisado naquela solução (HAMID et al., 2022). Ambos os tratamentos resultam na impregnação de óxidos na superfície do material pirolisado, alterando assim a capacidade de adsorção do material. Estudos apontam o potencial da modificação de diversos tipos de biomassa com sais metálicos para a síntese de BC adsorventes de metais traços, como o chumbo (WANG et al., 2015), cádmio (LI et al., 2017), cromo (VI) (WANG, Y et al., 2020) e arsênio (III/V) (FENG et al., 2021), e antibióticos como a tetraciclina (SHI et al., 2022) e clortetraciclina (WANG et al., 2022). Adsorventes dopados com metais apresentam algumas vantagens, dentre elas está a reutilização desses materiais. Por esse motivo representam uma alternativa sustentável para purificação de água (ROCHA et al., 2020). Metais como ferro, magnésio, alumínio e manganês podem ser utilizados para esse tratamento (WANG; WANG, 2019). Pertencente ao grupo 7 da tabela periódica, o manganês (Mn) é um metal de transição abundante na crosta terrestre e trata-se de um micronutriente indispensável para o crescimento das plantas (CHANG et al., 2021). Sendo assim, modificações de BC com Mn oferecem menor custo e toxicidade do que outros metais (ZHANG et al., 2021). Além disso, o Mn é conhecido por assumir dez estados de oxidação distintos e em alguns estudos confirmou-se a atividade catalítica do Mn em reações de desidrogenação, hidrogenação e desoxigenação (CHANG et al., 2021; ILTON et al., 2016). A despeito do exposto, quando se fala a respeito da remoção de herbicidas em soluções aquosas utilizando BC modificados por sais metálicos de Mn, nota-se que ainda é uma área pouco explorada. O 2,4-D é um dos herbicidas mais utilizados no mundo. Trata-se de um efetivo controlador de plantas invasoras, mas possui baixa biodegradabilidade em ambientes aquáticos (AKSU; KABASAKAL, 2004), o que ocasiona a contaminação de corpos hídricos, trazendo uma série de impactos ao meio ambiente. O BC adsorvente é uma alternativa para reduzir os impactos gerados pela contaminação desse herbicida, pois o mesmo pode ser utilizado em remediação de águas subterrâneas, remediação de águas residuais e melhoria do solo (PATEL et al., 2022). Em vista do exposto, o objetivo desse estudo foi avaliar o potencial de BC de bagaço de cana-de-açúcar modificados com MnCl2 e KMnO4 para remoção do herbicida 2,4-D em soluções aquosas. Os materiais produzidos a partir da pré-modificação da biomassa foram caracterizados pela técnica de espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier e testes de adsorção foram conduzidos em diferentes valores de pH, e diferentes granulometria e dosagem de material adsorvente.

Material e métodos

SÍNTESE DOS BIOCARVÕES Os BC adsorventes foram preparados a partir da pirólise da biomassa de bagaço seca e triturada, sem tratamento (BC-ST) ou modificada por imersão por 24 horas em soluções de MnCl2 ou KMnO4, em razões de impregnação (RI) de 0,00025 (1) e 0,0025 (2) mol do agente modificante por grama de bagaço. As misturas de impregnação foram então secas a 60°C em estufa por 48 h para posterior pirólise. A pirólise foi realizada em cadinhos de porcelana em forno do tipo mufla em temperatura final de 400°C com tempo de residência de duas horas e taxa de aquecimento de 10°C/min. Após o resfriamento, em sistema de filtração a vácuo, os BC foram lavados com água destilada até atingirem um pH próximo a neutralidade e então, foram secos em estufa por 24 h, triturados e peneirados, gerando os materiais BC1-Mn(II), BC1-Mn(VII), BC2-Mn(II) e BC2-Mn(VII), em que 1 e 2 correspondem às RI. ANÁLISE DE ESPECTROSCOPIA NO INFRAVERMELHO COM TRANSFORMADA DE FOURIER (FTIR) O espectrofotômetro Varian 600-IR Series foi utilizado para analisar os grupos funcionais presentes na superfície dos BC. A análise FTIR foi realizada no modo ATR na faixa espectral de 4000-400 cm−1 com resolução de 4 cm−1 e 32 varreduras. TESTE DE ADSORÇÃO DO HERBICIDA 2,4-D A capacidade de adsorção dos BC foi avaliada em testes de adsorção, que foram realizados em frascos de vidro misturando-se 0,0200 g de BC com 10,0 mL de uma solução do contaminante na concentração de 20 ppm, a 25°C sob agitação mecânica (120 rpm) durante 24 h. A porcentagem de remoção de 2,4-D foi determinada pela equação 1: %R = ((C_i-C_e ))/C_i (1) em que Ce e Ci são as concentrações de equilíbrio e inicial do herbicida 2,4-D na solução, respectivamente. Para determinação de Ce, uma amostra de cada solução foi coletada e adequadamente diluída para análise por espectrofotometria de absorção molecular UV-Vis em espectrofotômetro AJ micronal modelo AJX-3000PC na faixa de 200 a 500 nm. Os valores de qe para todos os materiais foram obtidos em água pura, sem ajuste de pH. Então, para o material de melhor desempenho, a capacidade de adsorção foi analisada alterando-se o pH para 3,5, avaliando-se o efeito da dosagem de adsorvente (2 ou 4 g/L-1) e da granulometria (60 ou 100 mesh). Todos os testes foram realizados em duplicata.

Resultado e discussão

CARACTERIZAÇÃO DE GRUPOS FUNCIONAIS DE SUPERFÍCIE POR FTIR A espectroscopia FTIR foi utilizada para obter informações sobre os grupos funcionais presentes nas superfícies dos materiais sintetizados, bem como confirmar a ocorrência ou não da impregnação dos óxidos metálicos. Os espectros de FTIR dos BC são mostrados na Figura 1. Os espectros de FTIR para os materiais obtidos apresentaram bandas distintas na presença e na ausência dos agentes modificantes, sugerindo que os processos de modificação alteraram as propriedades superficiais dos materiais. Os resultados mostraram que os BC modificados por sais de Mn apresentaram tendência a manutenção de cadeias alifáticas quando comparados ao BC-ST, como confirmado pela presença de bandas de baixa intensidade na região entre 2998-2893 cm-1, característica de vibração de estiramento simétrico e assimétrico de grupos CH2 (LIANG et al., 2017). Em 1695 cm-1, a banda atribuída ao estiramento da ligação C=O reduziu sua intensidade relativa para os BC modificados em maiores RI. Em contrapartida, a banda em 1587 cm-1 aumentou sua intensidade com o aumento da RI, o que pode ser atribuído ao acoplamento entre o esqueleto do anel benzênico (C=C) e as vibrações assimétricas da ligação C=O (ZHANG et al., 2021). O estiramento da ligação C-O, em 1208 cm-1 no BC-ST, sofreu deslocamento e redução da intensidade. O aparecimento de uma banda em torno de 1040 cm-1, referente à banda característica do estiramento do grupo éter (C-O-C), foi evidenciado nos BC modificados e apresentaram-se com forte intensidade para o BC1-Mn(VII) (LI et al., 2017). Em 813 cm-1, bandas de absorção características de ligações C-H em anéis aromáticos também foram observadas. Por fim, bandas em 608 e 492 cm-1, atribuídas à ligação Mn-O, confirmaram a impregnação de óxidos metálicos na superfície dos BC, evidenciando-se o aumento da intensidade dessas bandas nas maiores concentrações de agente modificante (YANG et al., 2022). Em suma, as modificações com sais metálicos de Mn em diferentes estados de oxidação aumentaram a presença de grupos funcionais contendo oxigênio nas superfícies dos BC, sugerindo aumento do potencial de adsorção desses materiais para diferentes contaminantes. AVALIAÇÃO DO POTENCIAL REMOÇÃO DO HERBICIDA 2,4-D EM ÁGUA A Figura 2 apresenta os valores de porcentagem de remoção de 2,4-D em soluções aquosas utilizando os diferentes adsorventes produzidos. Em solução aquosa sem ajuste de pH, o BC1-Mn(II) apresentou desempenho para remoção do 2,4D de 10,1 %, resultado superior ao BC-ST(6,1%). Entretanto, BC1-Mn(VII) apresentou baixo desempenho de remoção e seu resultado foi aproximadamente 5 vezes menor que o BC-ST. Em maiores razões de impregnação, a capacidade de remoção de 2,4- D do BC2-Mn(VII) atingiu um valor cerca de 2 vezes maior em relação ao material sem tratamento. Em contrapartida, a modificação com MnCl2 foi mais eficiente para melhorar o desempenho de adsorção do biocarvão, sendo que o BC2-Mn(II) apresentou capacidade de remoção 10 vezes superior ao BC-ST. Esse resultado mostra um efeito importante do estado de oxidação do Mn(II) na modificação da superfície do material para adsorção do material. Alguns aspectos que podem melhorar a eficiência de adsorção do 2,4-D no material modificado incluem preenchimento de poros, interações hidrofóbicas e ligação de hidrogênio (WANG et al., 2019). Entretanto, considerando que o 2,4-D é um ácido orgânico de pKa igual a 2,6, em faixa de pH próximo a neutralidade o herbicida existe como uma molécula negativamente carregada, e interações eletrostáticas em valores mais baixos de pH, mas ainda acima do pKa do 2,4-D (que favoreçam a protonação da superfície do material adsorvente, mas mantém o herbicida negativamente carregado) podem favorecer a adsorção. Nesse sentido, a adsorção do herbicida foi avaliada em pH 3,5 para o BC2-Mn(II), Mantendo a granulometria de 60mesh, em pH 3,5 houve um incremento de aproximadamente 4% na porcentagem de remoção do 2,4-D (Figura 2b). Esse aumento, mesmo que pequeno, indica que as condições ácidas são mais favoráveis ao processo de adsorção do herbicida. Nesta faixa pH mais de 90% das moléculas do ácido estarão desprotonadas, favorecendo as interações eletrostáticas com a superfície do BC positivamente carregada. Essandoh et al. (2017) apontaram que a adsorção de 2,4-D utilizando BC proveniente de gramínea sem tratamento foi maior em solução de pH igual a 2 com aproximadamente 90% de remoção. Entretanto, à medida que o pH da solução foi ajustado para 4, houve uma redução de 10% na porcentagem de remoção. Com o intuito de explorar ainda mais o potencial de remoção de BC2-Mn(II) em meio ácido, foi avaliada a influência da granulometria do material adsorvente, utilizando menor diâmetro de partícula (100mesh). Este efeito constatou que a diminuição da granulometria aumentou a capacidade de remoção de 64,9% para 73,3%. Han et al. (2016) apontaram em seu estudo de adsorção de Cr (VI) com BC impregnado com óxido metálico, que o tamanho das partículas do material adsorvente e o baixo pH aquoso foram importantes para a adsorção, resultando em maior capacidade de remoção. Quanto ao efeito da dosagem do adsorvente avaliado para BC2-Mn(II) (Figura 2b), constatou-se que dobrando a dosagem do BC modificado associado a granulometria de 60mesh (DD-60) alcançou-se 92,9% de remoção, considerado o melhor resultado dentre as condições avaliadas. Todavia, o efeito do dobro da dosagem de adsorvente utilizando a granulometria de 100 mesh (DD-100) apresentou uma redução de aproximadamente 10% quando comparado ao DD-60. O aumento da dosagem de BC pode disponibilizar maior número de sítios ativos disponíveis para adsorção. Consequentemente, obtém-se um aumento na área de superfície e no volume total dos poros do BC (SINGH; BHUNIA; BASU, 2019). Entretanto, a utilização de granulometria de menor diâmetro associada ao aumento da dosagem do adsorvente não apresentou efeito de melhoria na capacidade adsortiva do material, em relação ao mesmo teste com maior diâmetro de partícula. Infere-se que isso aconteceu devido à interação adsorvato-adsorvato propiciar aglutinação das partículas de BC, bloqueando sítios ativos e os tornando indisponíveis para interação com o herbicida (LIN; JENG; LIN, 2015). Os resultados sugerem que parâmetros como a granulometria e dosagem do material adsorvente devem ser otimizados a fim de propiciar aumento no potencial de remoção do herbicida 2,4-D.

Figura 1

Espectros de FTIR de BC-ST e de BC obtidos de bagaço impregnado com Mn(II) e Mn(VII) em diferentes razões de impregnação.

Figura 2

Porcentagem de remoção de 2,4-D

Conclusões

O reaproveitamento de resíduos para a síntese de biocarvões adsorventes é um assunto que tem se mostrado relevante nos dias atuais, principalmente por ser uma alternativa sustentável e de baixo custo. As características do bagaço de cana-de-açúcar e os estudos desse resíduo reafirmam seu potencial atrelado com metodologias de modificação. Os resultados do presente trabalho orientam o desenvolvimento de novos estudos que busquem aplicações práticas do BC no tratamento de água contaminada. Evidenciou-se que a utilização do MnCl2 como agente modificante para o bagaço apresentou melhores resultados quando comparados ao KMnO4 na remoção de 2,4-D. Além disso, maiores RI neste trabalhou melhoraram a remoção do contaminante. Efeitos como do pH, dosagem e granulometria do adsorvente influenciaram diretamente a capacidade de adsorção dos materiais. Outros estudos devem ser propostos a fim de otimizar o processo de síntese e aplicação desses materiais adsorvente.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro das agências CAPES (código de financiamento 001), CNPq (406474/2021-4) e FAPEMIG (APQ-00775-21). TFS agradece à FAPEMIG pela concessão da bolsa de estudos.

Referências

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