• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

Fermentação de glicerol no ânodo de sistemas bioeletroquímicos com cepas de Pseudomonas aeruginosa como biocatalisadores.

Autores

Narcizo, J.P. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Zani, A. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Castro, A.S. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Andrade, A.R. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Reginatto, V. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO)

Resumo

O glicerol, um subproduto da geração de biodiesel, pode ser utilizado por alguns microrganismos como fonte de carbono com a formação de produtos de valor agregado, tais como ácidos orgânicos 1,3-PDO. Neste trabalho o glicerol foi empregado como substrato em BESs do tipo CCM para a geração de energia e a produção de bioprodutos. Cepas de Pseudomonas aeruginosa produtoras de pigmento verde, EL6 e EL14, foram empregadas como biocatalisadores em ânodos constituídos por tecido de carbono. Ambas as cepas foram cultivadas em meio de cultura contendo 1 g L-1 de glicerol e nutrientes. O compartimento do ânodo da CCM foi separado do cátodo por uma membrana de troca de prótons.

Palavras chaves

pioverdina; 1,3-propanodiol; célula a combustível micr

Introdução

Nas últimas décadas tem se buscado alternativas à matriz energética baseada em matérias-primas não renováveis, para geração de energia, combustíveis e produtos a partir de recursos renováveis (CALEGARE et al, p. 40, 2011). A indústria do biodiesel surgiu neste sentido, pois o produto é gerado pela transesterificação de ácidos graxos e álcoois, ambos obtidos de recursos renováveis. Entretanto, o crescimento da indústria do biodiesel tem gerado grande oferta de seu subproduto, o glicerol (10% m/m). A utilização desse subproduto como fonte de carbono por microorganismos capazes de metabolizá-lo, pode ser explorada em processos biotecnológicos como por exemplo, na obtenção do 1,3-propanodiol (1,3- PDO). Reagindo com ácido tereftálico, o 1,3-PDO fornece a valiosa fibra de poliéster politrimetileno tereftalato (PTT). Descrita como o “novo nylon” esta fibra oferece inúmeras vantagens adicionais sobre as fibras de nylon e poliéster convencional, pois possui resistência química, estabilidade à luz, resistência UV, recuperação elástica, toque mais macio e tingibilidade (PAGLIARO, p. 39, 2017) O produto 1,3-PDO é altamente específico para fermentação do glicerol por alguns microrganismos e não pode ser obtido a partir de qualquer outra conversão anaeróbia (HOMANN et al, p. 121, 1990). Recentemente, espécies do gênero Pseudomonas também foram relatadas por apresentarem metabolismo micro e anaeróbio para bioprodução de 1,3-PDO a partir de glicerol (POBLETE-CASTRO et al, p. 42, 2019). Visando a produção sustentável de produtos químicos e combustíveis, sistemas bioeletroquímicos que empregam a técnica conhecida como eletrossíntese microbiana ou eletrofermentação tem sido alvo de pesquisas nas últimas décadas (KRACKE e KROMER, p. 1, 2014). Um sistema bioeletroquímico (bioelectrochemical system, BES), é um tipo de biorreator no qual processos biológicos e eletroquímicos podem ocorrer para gerar eletricidade, hidrogênio e/ou outros produtos de interesse. Inicialmente, a pesquisa com BES se concentrou na produção de eletricidade em Células a Combustível Microbianas (CCMs) (MOSCOVIZ et al, p. 856, 2016), mas recentemente tais sistemas têm sido vistos como uma oportunidade de recuperar não somente energia, mas também produtos de valor agregado (HALFELD et al, p.21251, 2022). Em uma CCM os microorganismos presentes no compartimento anódico oxidam o substrato e produzem elétrons, prótons e dióxido de carbono. Os elétrons são recebidos pelo ânodo e transportados até o cátodo através de uma resistência externa. Os prótons são transferidos para a câmara catódica através de uma membrana trocadora de prótons, onde se combinam com oxigênio para formar água (LOGAN et al, p. 5181, 2006). A proposta deste projeto é empregar duas cepas de Pseudomonas aeruginosa isoladas de biofilmes eletrogênicos para metabolizar o glicerol a 1,3-PDO em BES. Dessa forma, esta investigação visa contribuir como uma estratégia para conversão de um subproduto da indústria do biodiesel em um produto químico emergente, através dos princípios de eletrofermentação.

Material e métodos

Como biocatalizadores foram empregadas duas cepas de P. aeruginosa: EL6 e EL14 isoladas em nosso laboratório a partir de biofilmes em ânodos eletrogênicos de CCM alimentada com glicerol (HALFELD et al, 2021). Os sistemas bioeletroquímicos foram construídos em configuração do tipo L. Tais sistemas são compostos por duas câmaras, onde uma possui capacidade para 40 mL e a outra é aberta para o meio ambiente para a realização das trocas gasosas. O eletrodo de trabalho onde foi crescido o biofilme eletroativo, consiste de um tecido de carbono (3 x 3 cm) suspenso por um fio de platina. O contra-eletrodo é um tecido de carbono de 16 cm2, do tipo camada difusora (Cloth GDE – 0,3mg/cm2 PtC 40%) presado junto a membrana trocadora de prótons (MTP) Náfion® 117 (Dupont). Um eletrodo de referência (Ag/AgCl, Cl- (sat)) foi colocado no sistema bioeletroquímico para realização das análises eletroquímicas. Durante a operação do sistema bioeletroquímico a diferença de potencial foi registrada a cada 15 minutos por uma placa micro controladora Arduino® Mega 2560, acoplada a um computador e os dados são coletados em uma planilha de Excel. Após a montagem do BES foi adicionado o meio de cultura descrito por Lovley e Philips (1988) com 1 g L-1 de glicerol, seguido da adição do inóculo correspondente a 10% (v/v) do volume do meio com a cultura de P. aeruginosa. No decorrer do ensaio foram coletadas amostras do meio no compartimento anódico. A concentração celular foi determinada pela leitura da densidade ótica das amostras, em um espectrofotômetro a 600 nm e pela contagem de células viáveis como Unidades Formadoras de Colônias (UFC). O glicerol, 1,3-PDO, ácido butírico e ácido acético foram quantificados por cromatografia gasosa (CG) com detector de ionização de chama (FID) e utilizando N2 como gás de arraste. Análises de voltametria cíclica e curvas de polarização, com potenciostato/galvanostato AUTOLAB PGSTAT 30.

Resultado e discussão

Ambas as cepas de P. aeruginosa geraram corrente elétrica quando empregadas como biocatalisadores em CCMs (figura 1). Os ciclos de aumento e diminuição das correntes são decorrentes de alimentação e consumo do glicerol. As correntes máximas obtidas para as cepas EL6 e EL14 são 33 e 31 µA, respectivamente. Estes resultados concordam com o relatado por Arkatkar et al, (p. 215, 2021) que obtiveram corrente máxima de 36 µA com P. aeruginosa BR e glicose como principal fonte de carbono. As análises eletroquímicas de voltametria cíclica validaram a atividade eletroquímica das cepas (figura 2). A presença das bactérias eletrogênicas alterou o padrão dos voltamogramas abióticos, e foram obtidos picos de oxidação e redução em aproximadamente 2,9 e – 3,0 V (EL6) e 3,1 e 0,0 V (EL14) nos voltamogramas bióticos. Atribuir assinatura molecular para estes picos estava fora do escopo desta investigação, mas podemos inferir que os sinais obtidos nos voltamogramas indicam a transferência de elétrons mediada por moléculas redox- ativas, provavelmente fenazinas, produzidas naturalmente por P. aeruginosa. A faixa de oxi-redução destas moléculas encontra-se aproximadamente entre 0 e - 3,0 V (KRACKE et al, p. 11, 2015). No caso das cepas empregadas neste estudo acredita-se que o mediador produzido seja da pioverdina, os espectros de varredura apresentaram absorbância máxima na região de 400 nm (BARBHAIYA et al, p. 234, 1985). A outra possível forma de transferência de elétrons refere-se à transferência direta de curto alcance através dos citocromos A, que apresentam o potencial de oxidação e redução em aproxidamente 3,0V (KRACKE et al, p. 11, 2015). Depois que as CCMs com a cepa EL6 e com a EL14 apresentaram corrente elétrica constante, a eficiência Coulômbica (EC) foi de 0,33% e 0,37%, respectivamente. A oxidação do glicerol nas CCMs foi incompleta provavelmente devido à alta resistência externa aplicada. Isto fez com que produtos de fermentação, ou seja, o ácido acético e o 1,3-PDO fossem formados nas concentrações de 0,43 g L-1 e 1,1 g L-1 com EL6, e 0,27 g L-1 e 0,69 g L-1 com a EL14, respectivamente. Os valores de EC são inferiores aos dados da literatura que relatam que a eficiência média para CCMs varia entre 30 e 35% (HALFELD et al., 2022). Entretanto, no citado trabalho foi empregado um consórcio microbiano, ao contrário das culturas puras empregadas neste estudo. A Eficiência Coulômbica é diminuída pela utilização de aceptores alternativos de elétrons pelas bactérias, como alguns íons presentes no meio e o oxigênio. Outros fatores que reduzem a EC são processos competitivos, crescimento bacteriano e o uso do substrato para a fermentação (LOGAN et al, p. 5189, 2006).

Figura 1 - Corrente durante a operação das CCMs com P. aeruginosa EL6



Figura 2 - Voltamogramas cíclicos dos ânodos abiótico (linha preta) e



Conclusões

As cepas EL6 e EL14 apresentam potencial como biocatalisadores em CCMs para geração de corrente elétrica, e para metabolizar o glicerol a 1,3-PDO e ácido acético no compartimento anódico de sistemas bioeletroquímicos, atribuindo um perfil fermentativo não usual para P. aeruginosa. Trabalhos futuros contribuirão para indagação dos BESs como eletrobiorreatores.

Agradecimentos

Agradecemos à FAPESP (Processos: 2014/50945-4, 2019/24916-0, 2021/010134-7, 2022/04024-0), à CAPES (88887136426/2017/00 ) e ao CNPq (INCT 465571/2014-0)

Referências

ARKATKAR, A.; MUNGRAY, A. K.; SHARMA, P. Study of electrochemical activity zone of Pseudomonas aeruginosa in microbial fuel cell. Process Biochemistry, v. 101, p. 213-217, 2021.
BARBHAIYA, H. B.; RAO, K. K. Production of pyoverdine, the fluorescent pigment of Pseudomonas aeruginosa PAO1. FEMS microbiology letters, v. 27, n. 2, p. 233-235, 1985.
CALEGARE, M. G. A., SILVA J., N. (2011). Progresso, Desenvolvimento Sustentável e abordagens diversas de desenvolvimento: uma sucinta revisão de literatura. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 24. https://doi.org/10.5380/dma.v24i0.21528
HALFELD, G.G.; ALMEIDA, E. J. R.; REGINATTO, V.; ANDRADE A.R. Acclimatization of a microbial consortium into a stable biofilm to produce energy and 1,3-propanediol. International Journal of Hydrogen Energy, v. 47, n. 49, p. 21241-21252, 8 jun. 2022.
HOMANN T, TAG C, BIEBL H, DECKWER WD, SCHINK B. Fermentation of glycerol to 1,3- propanediol by Klebsiella and Citrobacter strains. Appl Microbiol Biotech 1990; 33:121–6.
KRACKE, F., KROMER, J. O. Identifying target processes for microbial electrosynthesis by elementary mode analysis. BMC Bioinformatics 15, 410 (2014).
KRACKE F., VASSILEV I., KROMER J. O. Microbial electron transport and energy conservation – the foundation for optimizing bioelectrochemical systems. Frontiers in Microbiology, v. 6, p. 1 – 18, 2015.
LOGAN B; HAMELERS, B. ROZENDAL, R.; SCHRODER, U; KELLER, J. FERGUIA, S.; AELTERMAN, P.; VERSTRAETE, W.; RABAEY, K. Microbial Fuel Cells: Methodology and Technology. ENVIRONMENTAL SCIENCE & TECHNOLOGY, v. 40, n. 17, p. 5181-5192, 2006.
PAGLIARO, M. Properties, Applications, History, and Market. In: GLYCEROL: The Renewable Platform Chemical. Palermo: Elsevier, 2017. cap. 1, p. 1-21. ISBN 9780128122051
POBLETE-CASTRO, IGNACIO, WITTMANN, CHRISTOPH, NIKEL, PABLO I. Biochemistry, genetics and biotechnology of glycerol utilization in Pseudomonas species. Microbial Biotechnology 2020; 1751-1915.

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