• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

Impressão 3D como alternativa para fabricação de sensores eletroquímicos: reutilização das hastes de grafite de pilhas

Autores

Silva Junior, J.H. (UFRN) ; Medeiros, L.G. (UFRN) ; Silava, K.A. (UFRN) ; Castro, P.S. (UFRN)

Resumo

Este trabalho descreve uma metodologia alternativa para fabricação de eletrodos utilizando hastes de grafite retiradas de pilhas comuns (tipo AAA) e sua sistematização através da impressão 3D. Essa nova tecnologia apresenta-se como uma alternativa bastante atrativa devido à sua simplicidade, robustez, versatilidade, baixo custo e diversidade de materiais para impressão. Os espelhos foram projetados e impressos para formação de um molde de silicone. As hastes foram conectadas a um fio de cobre e encapsuladas utilizando resina epóxi. Os eletrodos foram caracterizados utilizando voltametria cíclica com resposta equiparável aos eletrodos comerciais. Além disso, o fator reprodutibilidade também foi avaliado evidenciando possibilidade de utilização em aulas didáticas e em pesquisas científicas.

Palavras chaves

impressão 3D; eletrodo de grafite; fabricação de eletrodos

Introdução

A busca por novos materiais e inovação nas metodologias de fabricação são atualmente um dos principais desafios encontrados no desenvolvimento de sensores eletroquímicos. A impressão 3D é uma tecnologia de manufatura aditiva baseada no princípio da construção por deposição em camadas, que se destaca dos demais processos de construção pela maior economia de matéria-prima, maior velocidade de produção, grande capacidade de personalização e de confecção de estruturas complexas e bem definidas - especialmente, internas (SILVA JUNIOR, 2021). Desta forma, nos últimos anos, essa nova tecnologia vem se destacando como ferramenta essencial para diversas aplicações interessantes na área de eletroanalítica. Assim, diferentes configurações de eletrodos vêm sendo introduzidos com aplicações em análises clínicas, ambientais, farmacêuticas e forenses (OLIVEIRA et. al., 2020; CAMPOS JANEGITZ et al., 2022; MUNIZ et al. 2022). Os dispositivos eletroquímicos, tais como pilhas e baterias estão amplamente presentes no cotidiano da vida moderna. Ainda que úteis, estes aparelhos apresentam grande risco ambiental devido sua composição composta de elementos potencialmente poluentes, tais como zinco, manganês, níquel, cádmio, chumbo e mercúrio. Apesar de diversos incentivos e campanhas de descarte de forma segura, uma grande quantidade de pilhas ainda são descartadas diariamente em aterros sanitários e terrenos baldios (AFONSO et al., 2003). Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE) são produzidos anualmente, apenas no Brasil, cerca de 800 milhões de pilhas, sendo 80% destas pilhas secas do tipo zinco e carbono e 20% de pilhas alcalinas. Embora haja conhecimento da quantidade produzida de pilhas e baterias no país, não há estimativas da porção destes dispositivos que são recolhidos e reciclados, ou descartados de forma correta (CONTE, 2016). Atualmente existem alguns processos químicos nos quais os metais de pilhas e baterias conseguem ser reciclados, como por exemplo na recuperação de zinco e manganês de pilhas através de eletrólise (FERELLA; DE MICHELIS; VEGLIÒ, 2008). No entanto, a reutilização do cátodo de grafite presente nestes dispositivos também apresenta relevância, uma vez que este material de carbono tem potencial para ser empregado como sensor eletroquímico (SIQUEIRA SANTOS et al., 2018). O carbono pode apresentar-se de diferentes formas, tais como: fibras, pó, folhas, espumas e compósitos. Estas formas possuem propriedades atrativas em diferentes aplicações eletroquímicas, uma vez que o material citado apresenta boa condutividade elétrica. Umas das formas elementares mais comuns do carbono é o grafite. O grafite possui estrutura de carbono em planos de camadas, e pode ser encontrado de forma natural ou ser sintetizado a partir de precursores industriais como coque de petróleo, pixe e negro de fumo. (BAIO; RAMOS; CAVALHEIRO, 2014). Assim, os cátodos das pilhas comuns possuem como fonte de carbono o grafite natural de alta pureza que podem ser empregados como material condutor para fabricação de sensores eletroquímicos utilizando a impressão 3D como alternativa para confecção de moldes de silicone para encapsulamento em resina epóxi.

Material e métodos

Reagentes Os reagentes utilizados na caracterização e análise dos eletrodos foram reagentes do tipo PA (para análise) da marca Sigma-Aldrich. As soluções foram preparadas com água destilada purificada através de sistema de osmose reversa (Permution–E. J. Krieger & Cia LTDA, 18 MΩ cm-1). Os reagentes utilizados foram: hidróxido de potássio, hexacianoferrato (III) de potássio, cloreto de potássio, ácido fosfórico, dihidrogenofosfato de sódio e padrão de cafeína (C8H10N4O2- Dinâmica). A solução estoque de cafeína foi preparada no dia de sua utilização, a fim de se evitar possíveis oxidações químicas. Equipamentos e medidas eletroquímicas Para limpeza dos eletrodos de grafite foi utilizado o ultrassom Unique UltraCleaner 1450. As medidas eletroquímicas foram realizadas em um potenciostato Metrohm Autolab PGSTAT302N utilizando uma célula eletroquímica de três eletrodos: eletrodo de trabalho – eletrodo de grafite confeccionado, eletrodo de referência – Ag/AgCl/KCl(3M) de fabricação própria e eletrodo auxiliar – fio de platina. Fabricação do eletrodo de carbono grafite utilizando impressão 3D Os eletrodos foram confeccionados utilizando hastes de grafite retiradas de pilhas comuns exauridas (zinco-carbono, tipo AAA). Em seguida, as hastes foram lixadas (lixa d’água #600) e lavadas com água destilada. O método de fabricação utilizado foi o de encapsulamento em resina epóxi (Redelease 2004) a partir de moldes de silicone que foram confeccionados via impressão 3D seguindo os parâmetros para impressão da peça espelho para confecção dos moldes em silicone: Material = PLA (⌀ 1,75 mm); Temperatura do extrusor = 245 °C; Altura de camada = 0,2 mm; Densidade de preenchimento = 60 %; Padrão de preenchimento = Cúbico; Velocidade de impressão = 40 mm/s. Verificação do funcionamento dos eletrodos de carbono grafite Os testes para verificação do funcionamento dos dispositivos fabricados foram realizados utilizando uma solução contendo uma espécie mediadora conhecida, ferricianeto de potássio (K3[Fe(CN)6]), de concentração 10 mmol/L em KCl 100 mmol/L como eletrólito suporte. Logo, foram executadas análises voltamétricas utilizando voltametria cíclica para verificação dos resultados e sua comparação com os dados descritos na literatura.

Resultado e discussão

Fabricação de eletrodos de grafite utilização impressão 3D A Figura 1 descreve as etapas para construção do eletrodo. Para a construção dos moldes, uma peça espelho com a forma dos eletrodos (Etapa 1) foi desenhada digitalmente utilizando a plataforma Tinkercad, e impressa em PLA (Ácido polilático, 3DFila) utilizando uma impressora 3D modelo Ender 3, fabricada pela Creality. O molde de silicone foi preparado vertendo na peça impressa uma mistura homogênea de borracha e catalisador (Redelease) na proporção mássica de 100:3, respeitando o tempo de cura de 24 horas até o desmolde (Etapa 2 e 3). Para compor o condutor dos eletrodos, a haste de grafite foi cortada em fragmentos de 5 mm, e com o auxílio de uma mini retifica, um pequeno orifício foi feito em uma das faces de cada fragmento, onde foi conectado (por pressão) um pedaço de fio rígido de cobre (⌀ 1mm) (Etapa 4). Os conjuntos haste-fio foram inseridos no molde de silicone, onde foi vertido uma mistura homogênea de resina epóxi e catalisador (2:1) (Etapa 5). O tempo de cura respeitado foi de 24 horas, quando então os eletrodos foram retirados e lixados (lixa d’água #600) até a obtenção de uma superfície plana e rente ao corpo de epóxi, com o condutor de disco de grafite exposto (Etapa 6). Caracterização dos eletrodos de grafite A resposta voltamétrica do eletrodo de carbono grafite fabricado foi comparada à de um eletrodo de carbono vítreo comercial como mostra a Fig. 2A. Para isso, a técnica de voltametria cíclica foi utilizada empregado uma solução de K3[Fe(CN)6] 10 mmol/L em KCl 100 mmol/L com velocidade de varredura de 30 mV/s. Pode-se observar que há diferenças nos valores de corrente e potencial de picos anódico e catódico. Desta forma, a maior corrente observada para o eletrodo de carbono grafite evidencia uma maior área eletroativa de sua superfície. A aproximação entre os picos no voltamograma associado ao eletrodo de carbono grafite reflete uma maior transferência de elétrons nas reações de oxidação e redução que ocorrem na interface entre a superfície do eletrodo de trabalho e a solução eletrolítica. A diferença entre os picos no eletrodo de carbono vítreo foi de aproximadamente 0,137 V, enquanto que no eletrodo de carbono grafite foi de 0,098 V. Cálculo da área eletroativa do eletrodo de grafite A técnica de voltametria cíclica foi utilizada para determinar a área eletroativa do eletrodo de grafite fabricado neste trabalho. Para tal, uma série de medidas foram realizadas modificando as velocidades de varredura a fim de correlacionar os picos anódicos e catódicos e determinar através da Equação de Randles-Sevick (Equação 1) a área efetiva do eletrodo de carbono grafite. ip = 2,69×105n(3/2)AD(1/2)Cv (1/2) Equação 1 onde, ip é a corrente de pico anódico (μA), n é o número de elétrons transferidos (n = 1 for K3[Fe(CN)6], A é a área do eletrodo (cm2), C é a concentração das espécies oxidadas (mol/cm3), D é o coeficiente de difusão das espécies oxidadas (D = 7,6 × 10-6 cm2/s para K3[Fe(CN)6] e v é a velocidade de varredura (V/s). As Fig. 2B e 2C mostram respectivamente as respostas eletroquímicas obtidas através das medidas voltamétricas em diferentes velocidades de varredura (5 - 60 mV/s) e as equações da reta obtidas para o processo anódico e catódico. Utilizando a equação 1 foi possível determinar que a área eletroativa do eletrodo de grafite fabricado corresponde à 0,796 cm2. Observando as equações das retas obtidas podemos afirmar que o transporte de massa foi controlado por difusão. Além disso, podemos observar que à medida em que a velocidade de varredura foi aumentando, houve um pequeno deslocamento nos potenciais de pico anódico e catódico das correntes. Essa mudança na região dos picos pode ser explicada pela adsorção ou formação da dupla camada na superfície do eletrodo de grafite, uma vez que devido sua porosidade, a superfície do eletrodo revela uma reação redox quase reversível. Reprodutibilidade de fabricação dos eletrodos No tocante à reprodutibilidade, foram analisados 5 eletrodos de grafite confeccionados de forma similar. Utilizando voltametria cíclica e uma solução de K3[Fe(CN)6] 10 mmol/L em KCl 100 mmol/L a uma velocidade de varredura de 30 mV/s obtivemos os dados: Corrente de Pico Anódico(μA) = 94,55; 99,24; 110,57; 99,89; 103,94 com Valor Médio = 101,64 e Desvio Padrão(σ) = 6,00 e Corrente de Pico Catódico(μA) = -113,54; -115,68; -131,87; -116,33; -123,13 com Valor Médio = -120,11 e Desvio Padrão(σ) = 7,49. Levando em consideração a metodologia proposta de fabricação utilizando a impressão 3D, a reutilização das hastes de pilhas, o contato elétrico entre a haste e o fio de cobre, e o encapsulamento utilizando resina podemos considerar podemos considerar que a metodologia artesanal proposta neste trabalho é bastante reprodutível e pode ser considerada uma alternativa bastante favorável para laboratórios didáticos e grupos de pesquisa em eletroanalítica. Desta forma, existe ainda um grande potencial de produção destes eletrodos em larga escala. Aplicação do eletrodo de grafite na identificação de cafeína Dentre as técnicas eletroquímicas disponíveis, a técnica da voltametria de pulso diferencial - DPV (Differential Pulse Voltammetry) foi a selecionada para determinar cafeína em amostras produzidas em laboratório. Dessa forma, foram analisadas soluções contendo concentrações distintas de cafeína em tampão PBS pH 2,5 numa faixa de concentração entre 0,1 e 5,99 mmol/L. Para medição do analito proposto foram feitas adições consecutivas de volumes pré-fixados da solução padrão de cafeína 500 ppm. Após a adição da alíquota no sistema e sua respectiva homogeneização a leitura de sinal em triplicata foi feita utilizando DPV. A partir dos picos apresentados pela técnica de DPV, Figura 2D, foi possível construir uma curva de calibração. Os sinais obtidos na voltametria de pulso diferencial apresentaram-se na faixa esperada da cafeína, entre 1,3 e 1,4 V (MARTÍNEZ - HUITLE et al., 2010). A correlação entre as concentrações de cafeína (mmol/L) e o sinal associado de corrente (mA) produziu um coeficiente de determinação ótimo (R2=0,994), ou seja, foi possível observar um comportamento linear do pico de oxidação da cafeína com o aumento da sua concentração.

Figura 1



Figura 2



Conclusões

O desenvolvimento de novas tecnologias para fabricação de sensores eletroquímicos busca fomentar a inovação na criação de novos materiais e métodos alternativos às técnicas tradicionais. Neste cenário, o trabalho desenvolvido buscou através da utilização do grafite oriundo da reciclagem de pilhas comuns e por meio da impressão 3D confeccionar eletrodos de carbono grafite apresentando qualidade analítica e potencial de produção em larga escala. A impressão 3D para confecção de sensores eletroquímicos dispõe de diversas vantagens, como por exemplo, sua simplicidade, robustez, versatilidade, além de apresentar baixo custo e facilidade na aplicação da técnica. Apesar da matéria prima utilizada ser fruto de reciclagem, quando comparado com eletrodo de carbono vítreo comercial, o eletrodo de grafite possui correntes de pico anódica e catódica maiores, além de aproximação dos picos. Fato este associado à maior área eletroativa do eletrodo, a qual foi calculada e corresponde à 0,796 cm2. Através das medidas de reprodutibilidade, o eletrodo de carbono grafite apresentou uma resposta estável para os diferentes dispositivos testados, com desvios padrões de 6,0 e 7,49 para os picos anódico e catódico, respectivamente. Finalmente, o eletrodo de carbono grafite foi aplicado na determinação de cafeína em diferentes concentrações. Através da técnica de voltametria de pulso diferencial (DPV) foi possível observar um comportamento linear da oxidação da cafeína, com o sinal de corrente associado aos picos. A correlação entre os parâmetros apresentou valor ótimo, R2=0,994.

Agradecimentos

Os autores agradecem à UFRN, ao Laboratório de Eletroquímica Ambiental e Aplicada (LEAA), a Central Analítica do Instituto de Química-UFRN e ao PIBIC pelo apoio financeiro.

Referências

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