Autores
Caroso Rocha, P. (UESB) ; Miranda Amazonas, V. (UESB) ; Galvão Novaes, C. (UESB) ; Bastos Santos, L. (UESB) ; de Jesus Coutinho, J. (UESB) ; Azevedo Lemos, V. (UESB) ; Mota de Jesus, R. (UESC) ; Gonçalves Silva, A. (IFBA - PS)
Resumo
A cultura do café é de grande importância em nosso cenário, tendo em vista que o
Brasil se destaca por um dos maiores produtores e exportadores de café do mundo.
Dentre as diversas espécies e sabores, cada vez mais os consumidores têm buscado
por cafés de melhores qualidades. Por isso, torna-se evidente a importância de
estudar a composição química do mesmo. Para a digestão foi adotado um planejamento
de mistura com três restrições sendo elas, água deionizada, peroxido de hidrogênio
e ácido nítrico diluído buscando otimizar a digestão das amostras. As amostras
foram em frascos de PTFE e colocados em um cilindro de aço (bombas de digestão) e
levadas à estufa, onde foi mantida por 4 horas a uma temperatura de 120 ± 10 °C.
Palavras chaves
Otimização multivarida; Metais ; Café
Introdução
O Brasil atualmente destaca-se como sendo o maior produtor e exportador de café
do mundo, ocupando cerca de 35% do mercado internacional, seguido por Vietnã,
com 16%, e Colômbia, com 9%, sendo os estados de Minas Gerais, Espírito Santo,
São Paulo e Paraná os responsáveis pela maior parte dessa produção e em menor
parte os estados da Bahia e Rondônia. Em relação ao consumo global desta bebida,
o Brasil ocupa o terceiro lugar, atrás da União européia e Estados Unidos [1].
O café é obtido de um arbusto da família Rubiaceae e do gênero Coffea, das quais
mais de cem espécies são conhecidas. No entanto, somente duas dessas espécies
tem importância econômica, a Coffea arábica (café arábica) e Coffea canephora
(café robusta, também conhecida como conilon), sendo o café arábica mais aceito
pelos consumidores por considerarem uma melhor qualidade, embora apresentem
preços mais altos que o café robusta [2].
O café é uma uma das bebidas mais aprecidas no mundo, por apresentar sabor e
aroma atrativos. Porém, os consumidores desta bebida estão cada vez mais
exigentes quanto à sua qualidade, que está intimamente relacionada aos atributos
sensoriais, que depende de fatores tais como o cultivo, manejo na lavoura, tipos
de colheita, secagem e armazenamento. Esta qualidade está associada à composição
química, que varia também de acordo com a espécie e tratamento térmico [3].
Os pricipais constituintes do café são os lipídeos, açúcares, proteínas,
cafeína, celulose, água e micronutrientes (zinco, ferro, cobalto, manganês,
cobre, selênio, flúor, etc), e, por conta disso, apresenta atividade
antibacteriana e antioxidante, além de substâncias benéficas para o cérebro
humano [4]. No entanto, espécies potencialmente tóxicas, tais como chumbo,
cádmio, mercúrio e arsênio, podem estar presentes nesta matriz provenientes de
solos contaminados, etapas no processamento industrial e aplicação inadequada de
defensivos agrícolas [5]. Por isso, ao longo dos anos pesquisadores têm
despertado interesse em estudar a composição química dessas espécies.
Além de determinar a concentração total de espécies em uma matriz, é de extrema
importância determinar a distribuição das diferentes espécies considerando a
forma complexada e não complexada e a distinção entre os diferentes estados de
oxidação [6]. Outra forma de caracterizar uma determinada matriz, principalmente
em alimentos, é avaliar a fração disponível de determinado nutriente e também a
proporção do nutriente que é realmente utilizada pelo organismo. Dessa forma,
define-se como biodisponibilidade a fração de qualquer nutriente ingerido que
tem o potencial para suprir demandas fisiológicas em tecidos alvos [7]. A
avaliação da biodisponibilidade de nutrientes e elementos potencialmente tóxicos
em café é de grande interesse particularmente devido ao grande consumo deste
produto para milhões de pessoas no mundo.
Para a identificação das espécies químicas, bem como para avaliação da
distribuição das mesmas e da biodisponibilidade é necessário grande esforço por
parte dos químicos analíticos que recorrem às técnicas analíticas e ferramentas
quimiométricas para atender de forma satisfatória tal demanda. Essas análises
podem ser realizadas através de técnicas espectrométricas tais como a
espectrofotometria UV-Vis, absorção atômica (AAS), absorção atômica com geração
de hidretos (HG AAS), espectrometria de emissão óptica com plasma induzido por
micro-ondas (MIP OES) e com plasma acoplado indutivamente (ICP OES), além da
espectrometria de massas com plasma acoplado indutivamente (ICP-MS) [8]. Com o
auxílio de técnicas quimiométricas como planejamento de experimentos e análise
multivariada é altamente possível a otimização de variáveis químicas, físicas e
instrumentais, bem como o tratamento dos dados analíticos [9].
Geralmente, antes da determinação de espécies químicas por técnicas
espectrométricas se faz necessário que a amostra esteja em solução. Para isso, a
amostra precisa ser submetida a um processo de extração, digestão ou dissolução
adequado. Quando realizada a extração, fatores tais como composição,
concentração e tipo do solvente, tempo de extração, temperatura, pH, tamanho da
partícula, umidade, razão líquido-sólido e agitação podem interferir na
eficiência do processo. No entanto, para avaliar o teor total do elemento na
amostra, aplica-se o processo de digestão da matriz orgânica, sendo utilizado,
normalmente, a mistura de ácido nítrico diluído e peróxido de hidrogênio [10].
Diante disso, este estudo teve como objetivo a otimização de um procedimento
envolvendo um planejamento de mistura para digestão de amostras de cafés
torrados usando ácido diluído para posterior determinação de cobre e zinco
usando a técnica de espectrometria de absorção atômica com chama (FAAS).
Material e métodos
Para as análises das amostras foi utilizado um espectrômetro de absorção atômica
utilizando ar/acetileno como composição da chama para determinar os metais Cu e
Zn. A fonte de radiação utilizada foi uma lâmpada de cátodo oco nos comprimentos
de onda de 324,8 e 248,3 nm, respectivamente.
Para o estudo foi aplicado um planejamento de mistura com restrições para
otimizar os volumes dos três componentes que estão presentes no meio reacional
(água ultrapura, ácido nítrico 7,0 mol L-1 e peróxido de hidrogênio 30%)
aplicados na digestão das amostras. Neste caso, a restrição é necessária porque
o procedimento requer obrigatoriamente uma mínima quantidade de ácido para
ocorrer o processo de digestão. A Tabela 1 apresenta o domínio experimental
estabelecido e a Figura 1 mostra a região experimental do delineamento do
planejamento de mistura adotado, realizado de forma aleatória. Para aplicação do
planejamento foi utilizada uma amostra real de café da cidade de Jequié-BA. Para
estabelecer uma condição ideal para a extração dos dois analitos
simultaneamente, a resposta múltipla (RM) foi utilizada como uma função multi-
resposta.
Na etapa de digestão, aproximadamente 0,2000 g de amostra de café torrado foram
pesados em copos de PTFE (23 mL). Os volumes de água, solução de ácido nítrico e
peróxido de hidrogênio foram então adicionados em sequência a cada vaso de
digestão, respeitando a matriz experimental do planjamento de mistura. A mistura
foi selada na bomba de digestão de aço inoxidável (Parr Instrument) e aquecida
em estufa a 160 ± 10 ºC por 4 h. Após o resfriamento, as soluções digeridas
foram transferidas para um balão volumétrico (10 mL) e o volume foi preenchido
com água ultrapura. A solução final foi submetida para análise por FAAS.
Soluções em branco foram preparadas de forma semelhante. O teor de acidez
residual do digerido também foi utilizado como resposta para avaliar a
eficiência do procedimento de digestão. Os resultados experimentais foram
processados utilizando os softwares Microsoft ExcelTM 2003 e Statistica 12.0.
Resultado e discussão
Após aplicação do planejamento de mistura, foram obtidas a superfície de
resposta para cada elemento, conforme mostrado na Figura 2. O modelo quadrático
obtido para ambas as respostas (Cu e Zn) apresentou superfícies muito
semelhantes em relação ao aspecto visual e às condições ideais. Isso demonstra
que a digestão acontece numa mesma tendência para ambos os elementos estudados.
A Figura 2 apresenta uma superfície que possui um ponto crítico representado
pelo ponto máximo e, portanto, as coordenadas desse ponto são as proporções
adequadas para obter uma resposta maior. O ponto máximo é identificado na cor
vermelha na figura. Os pontos críticos são obtidos pela aplicação do critério de
Lagrange, que é baseado no determinante Hessiano. Os valores críticos
encontrados para as variáveis estudadas também foram próximos e apresentaram
valores dentro do domínio experimental estudado. Portanto, a seguinte condição
foi considerada ótima e será usada nas análises das amostras reais: Volume de
água: 2,50 mL, volume de ácido nítrico HNO3 7,0 mol L-1: 1,50 mL e volume de
peróxido 30 %: 0,50 mL.
Outro parâmetro amplamente utilizado para avaliar a eficiência nos procedimentos
de digestão é a acidez residual. Em técnicas espectrométricas é aconselhável
introduzir soluções com acidez inferior a 10% v v-1 para evitar alterações no
transporte de aerossóis durante a introdução da amostra
Os resultados obtidos utilizando condições intermediárias, dentro do domínio
experimental delimitado, permitiram boas condições de acidez residual.
Adicionalmente, a eficiência obtida usando ácido diluído pode ser explicada pela
possibilidade de regeneração ácida na presença de oxigênio do peróxido. Para o
teste de acidez residual, é de se esperar que, aumentando a proporção de HNO3, a
acidez da digestão final seja aumentada.
Os pontos críticos das superfícies geradas na Figura 2, considerando as duas
respostas, foram obtidos resolvendo-se um sistema de equações utilizando a
primeira derivada. O modelo matemático foi avaliado através da análise de
variância (ANOVA) e os resultados mostraram falta de ajuste não significativa. O
modelo matemático utilizado foi bem adequado aos valores obtidos.
Após otimização das variáveis envolvidas na digestão e validação do método, o
procedimento será aplicado para a quantificação de Cu e Zn em diferentes
amostras de café produzidas na região Sudoeste da Bahia. As amostras reais já
começaram a ser digeridas e os resultados de concentração serão expressos como
média e desvio padrão para três repetições.
A figura trás a região e o domínio experimental aplicados a digestão da amostra.
Resultado da superfície de resposta obtidas após a análise dos dados no Statistica 12.0.
Conclusões
Este estudo apresentará resultados que agregam informações para a Tabela
Brasileira de Composição de Alimentos, visto que o conhecimento da composição dos
alimentos consumidos no Brasil é essencial para o alcance da segurança alimentar
no país, bem como para avaliação e adequação da ingestão de nutrientes de
indivíduos ou populações.
A digestão utilizando ácido nítrico diluído com a presença de peróxido de
hidrogênio mostrou ser uma alternativa eficaz para a preparação de uma amostra
complexa como o café. Adicionalmente, o uso de ácido diluído é uma alternativa que
contribui para a Química Verde, com o uso de substâncias menos agressivas ao meio
ambiente. Em todos os experimentos, foram obtidos teores de acidez residual
inferiores a 5%, evidenciando a eficiência do método proposto utilizando ácido
diluído.
O planejamento de mistura aplicado apresentou características
interessantes como rapidez e eficiência na otimização do método de digestão. Após
a análise das amostras, um tratamento usando uma ferramenta estatística denominada
Análise de Componentes Principais (PCA) será realizado para identificar as
similaridades e diferenças entre as amostras.
Agradecimentos
Ao programa de Pós-Graduação em Química da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (PGQUI) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
Brasil (CAPES).
Referências
1 – Debastiani, R. et al. Elemental analysis of Brazilian coffee with ion beam techniques: From ground coffee to the final beverage. Food Research International, 119, 297–304, 2019.
2 – Trindade, A.C. et al. Development of a Method Based on Slurry Sampling for Determining Ca, Fe, and Zn in Coffee Samples by Flame Atomic Absorption Spectrometry. Food Analytical Methods 13, 203–211, 2020.
3 – Arruda, A.C. et al. Coffee consumption and non-consumption justifications and motivations. Ciência e Tecnologia de Alimentos, 29(4), 754–763, 2009.
4 – Silva, C.J.R.S. et al. Determining caffeine content in different coffee types. Demetra, 13(2), 477–484, 2018.
5 – Santos, E.J.; Oliveira, E. Determination of Mineral Nutrients and Toxic Elements in Brazilian Soluble Coffee by ICP-AES. Journal of Food Composition and Analysis, 14(5), 523–531, 2001.
6 – Ferreira, S.L.C. et al. Strategies for inorganic speciation analysis employing spectrometric techniques – Review. Microchemical Journal, 153, 104402, 2020.
7 – Gharibzahedi, S.M.T.; Jafari, S.M. The importance of minerals in human nutrition: Bioavailability, food fortification, processing effects and nanoencapsulation. Trends in Food Science & Technology, 62, 119–132, 2017.
8 – Skoog, D.A.; West, D.M. Holler, F.J.; Crouch, S.L. Fundamentos de Química Analítica. 9ª ed. São Paulo: Cengage Learning, 2015.
9 – Otto, M. Chemometrics: Statistics and computer application in analytical chemistry. 2nd edition: Wiley, 2007.
10 – Krug, F.J.; Rocha, F.R.P. Métodos de Preparo de Amostras Para Análise Elementar. São Paulo: EditSBQ – Sociedade Brasileira de Química, 2016.