Autores
Theodoro Toci, A. (UNILA) ; Augusto de Freitas, F. (POLÍCIA FEDERAL)
Resumo
O Brasil, devido a sua localização geográfica, possui papel de destaque no cenário
internacional de tráfico de drogas. Como consequência, as apreensões de cocaína
realizadas em território nacional têm apresentado uma tendência de crescimento nos
últimos 25 anos. A técnica de Ressonância Magnética Nuclear de 1H tem se mostrado
promissora para aplicações de rastreabilidade em diversos alimentos. Sendo assim,
o presente realizou um estudo exploratório por 1H RMN de amostras de cocaína das
apreensões realizadas pela PF na região da Tríplice Fronteira no período de 2019 a
2022. Os resultados de 1H RMN associados a PCA mostrou-se adequada para distinção
e identificação de semelhanças nas amostras apreendidas. Foram observados dois
agrupamentos distintos, revelando possivelmente duas origens.
Palavras chaves
Cocaína; rmn; rastreabilidade
Introdução
Apesar da produção de cocaína ser restrita aos países andinos compostos por
Equador, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia, o atual estágio da globalização
favorece o comércio ilícito de mercadorias e/ou tráfico de drogas, tendo em
vista o incremento de acordos de livre comércio entre países, levando ao aumento
dos fluxos comerciais e o estabelecimento de zonas de livre comércio, zonas de
processamento de exportação, uniões aduaneiras, bem como o aumento do fluxo de
pessoas e capitais (UNODOC, 2016).
Nesse sentido, o papel relevante desempenhado pelo Brasil nas rotas comerciais
globais e suas características geográficas, com uma extensão de 16.886 km
limítrofes com 10 países diferentes, contribuem significativamente para que o
país tenha uma posição de destaque no cenário internacional de tráfico de
drogas. Como consequência desse cenário, as apreensões de cocaína realizadas em
território nacional têm apresentado uma tendência de crescimento nos últimos 25
anos, com um recorde histórico de 104.581,88 kg da droga em 2019 (POLÍCIA
FEDERAL, 2022).
Diversas abordagens analíticas têm sido usadas visando a rastreabilidade da
droga apreendida, sendo que alguns estudos visam a detecção de solventes
residuais aliada à quantificação de truxilinas (um alcaloide tropânico) por
cromatografia líquida de alta eficiência acoplada à espectrometria de massas
(BOTELHO, 2012; ZACCA et al., 2014), enquanto outros utilizam a razão isotópica
entre carbono (δ13C) e nitrogênio (δ15N) em associação com as concentrações dos
alcaloides truxilinas e trimetoxicocaína na droga (EHLERINGER et al., 2000).
Como uma alternativa analítica, a utilização da técnica de Ressonância Magnética
Nuclear de 1H (1H RMN) pode permitir a obtenção do perfil químico de diferentes
amostras. Sendo assim, o presente consistiu no estudo exploratório de amostras
de cocaína das apreensões realizadas pela Polícia Federal na região da Tríplice
Fronteira por 1H RMN no período de 2019 a 2022, com o intuito de contribuir com
o trabalho investigativo realizado pela PF e outros órgãos de repressão ao
tráfico.
Material e métodos
Amostras
Quinze amostras na forma de cloridrato de cocaína foram utilizadas. As amostras
foram apreendidas pela Polícia Federal em Foz do Iguaçu/PR no período de 2019 a
2022.
Preparo de amostra
60 mg de amostra foram pesadas em tubo eppendorf fazendo-se uso de balança
analítica. Foram adicionados 600 µL de água deuterada (com 0,75% de TMS - Sigma
Aldrich) ao tubo de microcentrífuga, seguido de agitação em vortex por 2
minutos. A solução foi transferida para tubos de RMN de alto campo e levadas
imediatamente para análise.
Experimentos de RMN
Os espectros de 1H RMN foram obtidos em RMN Heteronuclear Multidimensional da
Bruker, operando em um campo magnético de 9,4 T, o que corresponde a uma
frequência de 399,7 MHz para 1H, e equipado com uma sonda (probe) direta com
gradiente z. Todos os espectros foram realizados a temperatura de 25°C em modo
automático, com 20,0276 de largura espectral e mais de 64 K de pontos. Uma
função exponencial com LB = 0.3 foi aplicada antes da Transformada de Fourier. A
fase e a linha de base foram ajustadas com o software 3.2 (Bruker Biospin).
Processamento dos dados e análise estatística
Uma matriz de dados foi construída pela integração dos deslocamentos químicos
(região de 0,96 a 7,86 ppm) dos espectros de RMN de 1H. A Análise dos
componentes principais foi realizada para a discriminação das amostras.
Resultado e discussão
O espectro de RMN de 1H da cocaína pura é mostrado na Figura 1. O perfil
espectral mostrou-se de acordo com outros estudos, onde pôde-se observar os
principais deslocamentos químicos de hidrogênio (BENEDITO, 2018; PAGANO et al.,
2013). As amostras 3, 4, 5, 6, 13, 20 e 21 apresentaram espectros muito
semelhantes ao padrão de cocaína, o que indica a alta pureza dessas amostras. No
entanto, todas as demais amostras apresentaram outros deslocamentos. Benedito
(2018), analisando amostras de cocaína oriundas de outras apreensões pela
Polícia Federal no Brasil, identificou alguns desses sinais como sendo cis e
trans-cinamoilcocaína e bezoilecgonina (produtos de degradação da cocaína) e
acetato de etila (processamento do produto).
A análise de componentes principais reduziu as 34 variáveis do sistema
(integrais dos deslocamentos químicos) para 17 fatores, sendo que 5 representam
98,1% da variabilidade total. O cruzamento dos fatores 1 x 4, que representam
juntos 69,6% da variabilidade total do sistema é apresentado na Figura 2. Nele
foi possível distinguir o agrupamento das amostras de alta pureza (vermelho),
todas situadas no quadrante superior esquerdo. Os deslocamentos químicos
responsáveis por essa distinção são típicos da molécula de cocaína, variando
somente a intensidade nas amostras.
Na Figura 2, nota-se um segundo agrupamento (verde) situado no quadrante
inferior esquerdo, contendo as amostras 12, 14, 15, 18 e 23. Essas amostras
apresentam muita similaridade nos deslocamentos químicos, provavelmente
indicando a mesma procedência. Já as amostras 1, 7 e 17 se distinguiram muito
das demais e apresentaram muitos outros deslocamentos químicos ainda não
identificados.
Figura 1 - Espectro de RMN 1H do padrão de cocaína em água deuterada com 0,75% de TMS.
Figura 2 - Componentes principais, representando os fatores 1 x 4 das integrais referentes aos deslocamentos químicos dos espectros de RMN 1H.
Conclusões
Foram observados dois agrupamentos de amostras decorrentes de suas similaridades
químicas. A técnica de RMN 1H associada a análise discriminante mostrou-se
adequada para distinção e identificação de semelhanças nas amostras apreendidas.
Deste modo, a técnica possui potencial para futuramente ser utilizada como técnica
de rastreabilidade de amostras apreendidas.
Para efetivação da técnica necessita-se a ampliação da amostragem, testar outras
análises discriminantes e também identificar as impurezas contidas nas amostras
através de técnicas cromatográficas.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Programa de Auxílio à Integração ao Pesquisador da UNILA
(Edital n° 80/2019/PRPPG), bem como à Delegacia Regional de Polícia Federal de Foz
do Iguaçu/PR pela celebração do Acordo de Cooperação Técnica.
Referências
BENEDITO, L. E. C. Caracterização de amostras de cocaína por Ressonância Magnética Nuclear de 1H. Tese (Doutorado em Química) - Instituto de Química, Universidade de Brasília, Brasília, 2018.
BOTELHO, E. D. Desenvolvimento de uma nova medotologia analítica para identificação e quantificação de truxilinas em amostras de cocaína baseada em cromatografia líquida de alta eficiência acoplada à espectrometria de massas (CLAE-EM). Tese (Mestrado em Química) - Instituto de Química, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.
EHLERINGER, J. R. et al. Tracing the geographical origin of cocaine: Cocaine carries a chemical fingerprint from the region where the coca was grown. Nature, v. 408, n. 6810, p. 311–312, 2000.
PAGANO, B. et al. Use of NMR in profiling of cocaine seizures. Forensic Science International, v. 231, n. 1–3, p. 120–124, 2013.
POLÍCIA FEDERAL. Drogas apreendidas por UF - Série histórica de 1995 a 2022 (até junho). Disponível em: <https://www.gov.br/pf/pt-br/acesso-a-informacao/estatisticas/diretoria-de-investigacao-e-combate-ao-crime-organizado-dicor/drogas_apreendidas_por_uf.pdf/view>. Acesso em: 2 set. 2022.
UNODOC. World Drug Report 2016. Disponível em: <https://www.unodc.org/doc/wdr2016/WORLD_DRUG_REPORT_2016_web.pdf>. Acesso em: 5 set. 2022.
ZACCA, J. J. et al. Brazilian Federal Police drug chemical profiling - The PeQui Project. Science and Justice, v. 54, n. 4, p. 300–306, 2014.