Autores
Medeiros, L.G. (UFRN) ; Melo, J.F. (UFRN) ; Martinez-huitle, C.A. (UFRN) ; Castro, P.S. (UFRN)
Resumo
Este trabalho consistiu na descrição de formas alternativas de confecção de
microeletrodos utilizando matérias-primas de baixo custo a fim de monitorar
espécies químicas em amostras ambientais. Encapsulamento de uma microfibra de
carbono em resina epóxi e polimento mecânico de microchip de computadores
obsoletos foram as estratégias de fabricação utilizadas empregadas. A
caracterização dos sensores foi feita utilizando voltametria cíclica obtendo um
perfil sigmoidal característico. Para melhorar a resposta analítica dos
sensores, a modificação da superfície foi feita utilizando óxido de grafeno
eletroquimicamente reduzido (ERGO). Os sensores construídos possuem vantagens
como baixo custo, portabilidade, sensibilidade e possibilidade de análises
utilizando pequenos volumes de amostras.
Palavras chaves
Fabricação microeletrodos; eletrodo modificado; monitoramento ambiental
Introdução
A busca atual pela potencialização da atividade industrial, bem como a
crescente demanda da atividade agrícola, aliado à sistemas falhos de
gerenciamento de resíduos, consequência do crescimento populacional nas últimas
décadas, têm gerado aumento acelerado nas emissões de poluentes e a contaminação
significativa dos recursos hídricos em diversas partes do mundo. Logo, o
entendimento dessas ações e inferências dos efeitos causados por estas devem ser
analisadas de modo a contribuir para sua adequação. Nesta esfera, os
microeletrodos têm se mostrado uma importante ferramenta utilizada pelos
cientistas, uma vez que estes são atrativos para monitorar espécies químicas
contaminantes no meio ambiente de forma mais sustentável se comparada à outras
metodologias analíticas (GUTIERREZ; PEDROTTI; MASSI, 2021).
Uma das definições para microeletrodo (ME) é que estes dispositivos possuam,
dentro de uma dada condição experimental, dimensão comparável ou menor que a da
camada de difusão, δ. Tais dispositivos podem ser fabricados isoladamente ou em
arranjos, possuindo as mais variadas geometrias e configurações (FABER et al.,
2000). Além disso, microeletrodos podem ser fabricados com materiais condutores
como Pt, Au, Cu, fibra de carbono entre outros alótropos. Microeletrodos na
geometria de disco podem ser adquiridos comercialmente, contudo, a um custo que
torna restritiva sua aquisição para uso em atividades de rotina e recursos
financeiros limitados (FERTONANI; BENEDETTI, 1997). Dessa maneira, a compreensão
das técnicas de construção e caracterização populariza seu emprego em química
analítica e têm grande relevância em diversas áreas especialmente no
monitoramento ambiental.
Uma alternativa para a amplificação do sinal analítico produzido pelos
microeletrodos é a utilização de arranjos de microeletrodos, que consistem em um
conjunto de microeletrodos conectados em paralelo em um único dispositivo.
Assim, é possível combinar as características vantajosas dos microeletrodos com
um sinal de magnitude comparável à dos macroeletrodos (FABER et al., 2000). A
fim de se obter uma nova geração de microeletrodos cada vez mais eficientes e
atraentes para uso em eletroanálises e áreas afins, novas tecnologias de
fabricação desses dispositivos vêm sendo desenvolvidas, bem como suas
respectivas modificações a fim de torná-los mais versáteis, robustos e a um
custo bastante acessível. Fato este que propiciou diversas novas pesquisas nesse
campo nas últimas décadas, e promoveu uma nova gama de aplicações destes
microssensores em diferentes áreas do conhecimento, contemplando, por exemplo,
os setores alimentícios, biotecnológicos, ambientais e farmacêuticos (LOWINSOHN;
BERTOTTI, 2006).
Dentre as aplicações associadas ao uso de microeletrodos, podemos destacar: a
utilização de microeletrodos para análise de resíduos de pesticidas em
alimentos, água e solo (CARVALHO et al., 2020); no campo da neurobiologia com
função investigativa a nível celular (KITA; WIGHTMAN, 2008); arranjo de
microeletrodos como implante prostético para estímulo neural (CUI et al., 2019);
monitoramento de fármacos em corpos hídricos (QUEIROZ, 2022); entre outros,
exemplificando a importância desta área de pesquisa no contexto ambiental,
econômico, social e da saúde.
No tocante às modificações nos microssensores eletroquímicos, muitos
estudos caminham no desenvolvimento de materiais à base de carbono,
principalmente os nanomateriais de carbono, em especial o óxido de grafeno
reduzido eletroquimicamente. A utilização deste tipo de material se dá em
virtude das suas características eletroquímicas: promoção de uma maior área
superficial, alta condutividade elétrica, alta capacidade de adsorção e efeito
eletrocatalítico. Ademais, quando combinados com outros materiais de interesse,
novas propriedades são associadas aos microssensores, de forma que as
características dos materiais atuem de forma sinérgica melhorando a análise e
desempenho analítico (GUTIERREZ; PEDROTTI; MASSI, 2021). A portabilidade,
seletividade, alta sensibilidade, ampla faixa linear, facilidade de automação,
baixo custo, viabilidade de medições em campo, obtenção de dados em tempo real e
principalmente a possibilidade de miniaturização são algumas das vantagens que
fazem estes dispositivos serem amplamente utilizados para quantificação de
analitos ambientais e na área da saúde. Além disso, os métodos eletroquímicos se
destacam favoravelmente uma vez que são gerados poucos resíduos através das
análises desenvolvidas (CARVALHO et al., 2020).
Diante o exposto, esse trabalho tem como objetivo destacar algumas
formas alternativas de fabricação de microeletrodos e arranjo de microeletrodos
utilizando a reciclagem de microchips de computadores obsoletos, assim como suas
modificações e respectivas caracterizações, relacionando sua empregabilidade no
monitoramento ambiental.
Material e métodos
Reagentes
Os reagentes utilizados na caracterização e análise dos microeletrodos foram
reagentes do tipo PA (para análise) da marca Sigma-Aldrich. As soluções foram
preparadas com água destilada purificada através de sistema de osmose reversa
(Permution–E. J. Krieger & Cia LTDA, 18 MΩ cm-1). Os reagentes utilizados foram:
ácido sulfúrico, KOH, KCl e hexacianoferrato (III) de potássio. A resina
utilizada para encapsulamento dos microeletrodos foi do tipo epóxi SQ 2119-PT
(Avipol - SP).
Equipamentos
Para limpeza dos microeletrodos e do arranjo de microeletrodos de ouro (AuMA),
foi utilizado o ultrassom Unique ltraCleaner 1450. As medidas eletroquímicas
foram realizadas em um potenciostato Metrohm Autolab PGSTAT302N. Ademais, para
poder efetuar as medidas eletroquímicas empregando os microssensores foi
necessário a utilização de uma gaiola de Faraday, a qual foi previamente
projetada e construída sob medida e aterrada juntamente ao potenciostato. Para
caracterização óptica dos microeletrodos de fibra de carbono foi utilizado o
microscópio Olympus BX51M.
Fabricação do Microeletrodo de fibra de carbono
A construção do microeletrodo de disco fibra de carbono consiste em um método
simples de encapsulamento da microfibra em resina epóxi. Para tal, uma
microfibra de carbono de aproximadamente 2 cm foi colada a um fio condutor de
cobre de 10 cm, utilizando cola condutiva de prata (Joint Metal Comércio LTDA).
Após a secagem, este conjunto foi cuidadosamente inserido em um suporte, como
uma ponteira descartável de pipeta e o seu interior preenchido com a resina
epóxi. O dispositivo foi deixado em repouso por 7 dias para completa
polimerização e secagem do material. Após este período, o eletrodo foi polido em
lixas d’água de diferentes granulometrias (de #1200 a #1500) para exposição e
polimento do microdisco. Uma investigação minuciosa em microscópio óptico foi
feita a fim de se evidenciar possíveis defeitos.
Fabricação de arranjo de microeletrodos de ouro (AuMA)
Para a montagem do dispositivo foram utilizados microchips de computadores
obsoletos. A fabricação consistiu inicialmente na criação do contato elétrico
através de um fio de cobre transpassado aos pinos laterais do microchip. Em
seguida, a superfície entre os pinos e o fio de cobre foi recoberta com a cola
condutiva de prata. Finalizada a secagem, o microchip foi revestido com resina
epóxi, isolando a parte condutora. Após a completa polimerização e secagem do
material, os microchips foram polidos mecanicamente com lixa d’água de
diferentes granulometrias (de #80 a #1500), para exposição do arranjo de ouro.
Uma vez exposta, o acabamento final foi obtido através do polimento utilizando
suspensão de alumina (AROTEC Al2O3 − 0,3 μm), diluída a 1:10 com água destilada.
Entre as etapas de polimento mecânico do microchip, o sistema era lavado com
água corrente e posto em banho de ultrassom, por 5 min, para eliminação de
possíveis resíduos
Resultado e discussão
Fabricação de microeletrodos
A Figura 1 mostra as etapas do procedimento experimental empregada na
fabricação do microeletrodos de fibra de carbono (Fig. 1A) e arranjo de
microeletrodos de ouro - AuMA (Fig. 1B).
Verificação do funcionamento dos microssensores eletroquímicos
Para a realização das medidas eletroquímicas foi empregado uma célula
estacionária contendo três eletrodos. Como eletrodo de referência foi utilizado
Ag/AgCl/KCl(3M), o contra eletrodo um fio de platina, e o eletrodo de
trabalho o microeletrodo ou arranjo de microeletrodos de ouro confeccionados. Os
testes para verificação do funcionamento dos microdispositivos fabricados foram
realizados utilizando uma solução contendo uma espécie mediadora conhecida,
(K3[Fe(CN)6]), de concentração 10 mmol/L em KCl 100 mmol/L como eletrólito
suporte. Logo, foram executadas análises voltamétricas utilizando voltametria
cíclica para verificação dos resultados e sua comparação com os dados
descritos na literatura.
Caracterização do microeletrodo de microfibra de carbono
Inicialmente, os microeletrodos foram minuciosamente examinados no microscópio
óptico para a observação de imperfeições na sua estrutura e controle de
qualidade. Este controle é um dos pontos importantes a serem observados na
construção do microeletrodo, pois a presença de qualquer imperfeição introduz
problemas associados à resistência ôhmica que resultam na distorção das curvas
voltamétricas, dificultando a interpretação correta dos resultados (FERTONANI;
BENEDETTI, 1997). Dessa forma, foi possível observar e retificar por exemplo: as
condições de selagem - a presença de bolhas na selagem da resina epóxi; bem como
as características das bordas do microdisco - se a microfibra de carbono estava
na posição correta para posterior modificação de sua superfície.
Ao analisar os voltamogramas obtidos pelo microeletrodo de fibra de carbono em
solução de ferricianeto de potássio (K3[Fe(CN)6]), de concentração 10 mmol/L em
KCl 100 mmol/L foi observado a forma de sigmóide, resposta típica deste tipo de
dispositivo em condições de estado estacionário. O perfil sigmoidal – Figura 2A
descreve as principais características do microeletrodos, as quais destacam-se:
efeito de capacitância reduzida; obtenção de estado estacionário para um
processo faradáico mais rápido; e efeitos da resistência de solução reduzidos
(SILVA et al., 2009). Fatos estes que ocorrem devido às dimensões dos
microeletrodos de fibra de carbono serem da mesma ordem que as da camada de
difusão.
Utilizando a corrente limite do estado estacionário foi possível calcular o
raio do microeletrodo utilizando a seguinte equação: i = 4nFDCr onde i é a
corrente limite do estado estacionário (A), n é o número de elétrons envolvidos
na reação, F é a constante de Faraday (96485 C/mol), D é o coeficiente de
difusão da espécie eletroativa utilizada (6,7 x10-6
cm2/s), C é a concentração da espécie eletroativa utilizada (10 x
10-6 mol/cm-3) e r é o raio do microeletrodo (cm). Desta
forma, para uma corrente de 14 pA, temos que o raio do microeletrodo foi de
5,4 μm. Este valor concorda com dados da literatura, nos quais o raio da fibra
de carbono varia entre 3 e 8 μm.
Caracterização do arranjo de microeletrodos de Au (AuMA)
A princípio foi investigado o comportamento eletroquímico característico do
arranjo de microeletrodos de ouro (AuMA) sem qualquer modificação eletroquímica
em sua superfície. Para tal, foi utilizada a técnica de voltametria cíclica com
velocidade de varredura de 30 mV/s e janela de potencial variando em -0,2 à +1,6
V em solução de ácido sulfúrico 0,05 mol/L. Ao analisar o voltamograma obtido na
Fig. 2B foi possível observar dois picos característicos, um pico anódico em
torno de 1,2 V e outro catódico ao redor de 0,9 V, atribuídos à formação e
redução de óxidos de ouro, respectivamente. Além disso, ainda na Fig. 2B
(inset) podemos observar que o perfil voltamétrico de um macroeletrodo de
ouro comercial (3 mm de diâmetro) foi bem parecido com o perfil observado no
AuMA. Além de caracterização, o tratamento do arranjo de microeletrodos de ouro
em H2SO4 também desempenha função de limpeza eletroquímica.
Uma segunda etapa da caracterização destes microssensores foi feita utilizando
mais uma vez voltametria cíclica em solução de (K3[Fe(CN)6]), 10 mmol/L em KCl
100 mmol/L. Na Fig. 2C podemos observar um perfil sigmoidal com uma corrente de
estado estacionário na ordem de 5 μA típica da junção de todos os microeletrodos
que constituem o arranjo e que forma o dispositivo.
Modificação da superfície do arranjo de microeletrodos de Au (AuMA)
O grafeno apresenta propriedades atraentes na área eletroanalítica para uso em
modificações de microssensores eletroquímicos. Dentre as propriedades únicas
descritas pelo material destacam-se: alta mobilidade eletrônica; grande área
superficial específica; e alta condutividade elétrica. Entre as diversas rotas
de síntese utilizadas para fabricação do grafeno, a mais favorável devido seu
baixo custo e alta eficiência é a que consiste no produto químico da oxidação do
grafite para formar o óxido de grafeno (GO) e sua posterior redução
eletroquímica, resultando no óxido de grafeno eletroquimicamente reduzido (ERGO)
(GOLINELLI, 2015).
A modificação empregada na superfície do arranjo de microeletrodos de Au neste
trabalho utilizou o óxido de grafeno obtido e caracterizado pelo Laboratório de
Síntese de Polímeros (LSPol-UFRN) em parceria com o Laboratório Interdisciplinar
de Processamento de Pós (LIPP-UFRN). Uma suspensão do material foi preparada na
concentração de 0,5 mg/mL utilizando água como solvente e deixada sob banho
ultrassônico por 1h para completa dispersão. Para garantir a uniformidade da
modificação da superfície do AuMA foi utilizada a técnica de dropcasting,
a qual consistiu na aplicação de 50 μL da suspensão de óxido de grafeno (GO) sob
a superfície do dispositivo. O sistema foi deixado fixo para secagem durante 24h
formando GO/AuMA. Para melhorar a performance das análises foi feita a redução
eletroquímica do óxido de grafeno (ERGO) utilizando a cronoamperometria com os
seguintes parâmetros: aplicação de -0,9 V por 250 s. Este procedimento foi
repetido por mais duas vezes formando o ERGO/AuMA. Em seguida, um voltamograma
cíclico foi obtido em solução de K3[Fe(CN)6]), 10 mmol/L em KCl 100 mmol/L para
avaliação do perfil eletroquímico como mostrado na Fig. 2D.
Conclusões
A metodologia de fabricação dos microeletrodos propostos neste trabalho pode ser
considerada simples, rápida, de alta reprodutibilidade e baixo custo. Desta
forma, o desenvolvimento de metodologias analíticas empregando sensores
eletroquímicos pode ser utilizado em diversos laboratórios de pesquisa. Para
todos os dispositivos fabricados e investigados observou-se um comportamento
característico de microeletrodos, facilidade de polimento da superfície e ótimo
desempenho após modificação. Desta forma, o emprego dos sensores no monitoramento
ambiental pode ser considerado promisso visto a possibilidade de medições em
campo e utilizando pequenos volumes de amostra.
Agradecimentos
Os autores agradecem à UFRN, ao Laboratório de Eletroquímica Ambiental e
Aplicada (LEAA), à Central Analítica do Instituto de Química-UFRN e ao PIBIC/CNPq
pelo apoio financeiro.
Referências
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