Autores
Moreira, C.M.R. (UFVJM) ; Silva, L.M. (UFVJM)
Resumo
A utilização de pseudocapacitância tem aprimorado os dispositivos
supercapcacitores, mas erros em sua aplicação podem fazer com que a
característica capacitiva dê lugar a uma natureza mais relacionada com os
dispositivos do tipo bateria. Propomos com este trabalho estudar as
características de eletrodo de um supercapacitor híbrido de carvão ativado e
cobaltita de níquel, de modo a elucidar suas características no armazenamento de
energia. Um circuito elétrico equivalente com duas constantes de tempo é
utilizado para simular os dados de cronoamperometria e espectroscopia de
impedância eletroquímica. O supercapacitor exibiu apreciável energia e potência
específicas de 7 W h kg-1 e 170 W kg-1, respectivamente,
para a corrente gravimétrica de 0,2 A g-1.
Palavras chaves
Supercapacitores híbridos; Carvão ativado; Cobaltita de níquel
Introdução
Com a necessidade de sistemas mais eficientes de armazenamento de energia para
suprir a evolução da matriz energética mundial, diversos pesquisadores têm
incidido seus esforços no estudo de dispositivos de armazenamento de energia
elétrica. Dentre estes, o estudo de supercapacitores tem despertado interesse de
grande parte das pesquisas devido sua elevada potência específica, sua
considerável energia específica e sua longevidade cíclica. Basicamente, o
supercapacitor é um dispositivo composto por dois eletrodos permeados por um
eletrólito, que ao sofrer polarização, atraem íons de carga oposta para sua
superfície. A carga superficial do eletrodo em atração eletrostática com a carga
do íon adjacente, dá origem a dupla camada elétrica na interface
eletrodo/solução. A dupla camada elétrica atua com um capacitor, que armazena
energia através da estocagem interfacial de cargas eletrônicas e iônicas. Sendo
a capacitância da dupla camada elétrica proporcional à área e inversamente
proporcional à distância entre a superfície do eletrodo e a carga do eletrólito,
temos que a capacitância deste dispositivo é muito alta, já que em geral os
materiais utilizados possuem uma elevada porosidade, consequentemente uma área
superficial muito alta, além da distância envolvida na interação eletrostática
estar em escala molecular, elevando ainda mais esta propriedade. O carvão
ativado em meio de eletrólito orgânico, como em tetrafluoroborato de
tetraetilamonio, por exemplo, é amplamente utilizado em supercapacitores
comerciais, exibindo uma alta capacitância e uma elevada voltagem. Na tentativa
de utilizar um eletrólito menos nocivo, pesquisadores tem optado por eletrólitos
aquosos em substituição ao eletrólito orgânico. Com isso, se faz necessário o
estudo de estratégias para aumentar a janela de tensão deste dispositivo, que em
meios aquosos passa a ser limitada pelas reações de desprendimento de gases
devido a decomposição eletrolítica da água. Diante desta problemática, os
supercapacitores híbridos surgem na tentativa de utilizar eletrodos de
diferentes naturezas para produzir um dispositivo com maior tensão e
consequentemente maior energia específica (KIM et al., 2015; SILVA et al.,
2020). Neste cenário, a cobaltita de níquel aparece como material de eletrodo
positivo promissor devido sua reação redox disponibilizar elevada corrente
faradáica para proporcionar um aumento de carga do dispositivo por processo de
pseudocapacitância. Infelizmente, muitos dispositivos são confeccionados dando
protagonismo ao efeito faradáico e negligenciando os aspectos eletrostáticos,
distanciando assim do perfil esperado para um supercapacitor, acabando por
relatar valores ilusórios de capacitância, energia e potência em sistemas do
tipo bateria (SILVA et al., 2020). Desta maneira o presente trabalho visa
confeccionar um dispositivo híbrido utilizando carvão ativado e cobaltita de
níquel que realmente esteja dentre as expectativas para um supercapacitor.
Material e métodos
Os estudos fundamentais foram conduzidos em células de 3 eletrodos. Para estudo
do eletrodo negativo, foi preparada uma pasta contendo 20 mg de carvão ativado
dispersos em 3 gotas de hidróxido de sódio (NaOH). Esta pasta foi depositada em
uma área de 1,5 cm2 do separador porosos constituído de papel de
celulose 10 cm x 3 cm. O eletrodo auxiliar, preparado da mesma maneira, foi
depositado no lado contrário do papel. Chapas de titânio foram utilizadas como
coletores de corrente e colocadas em contato com cada uma das pastas
depositadas, tendo o lado externo isolado com silicone. A célula foi prensada e
disposta sobre um reservatório de eletrólito, onde também estava disposto o
eletrodo de referência de calomelano saturado (SCE), de maneira que o restante
da folha de papel ficasse imersa na solução de NaOH 1,0 M.
A cobaltita de níquel (NiCo2O4) utilizada como material
para o eletrodo positivo, foi preparada pela decomposição térmica de nitratos
dos metais precursores. Desta forma, 0,1 mol de nitrato de níquel e 0,2 mol de
nitrato de cobalto, foram dissolvidos em 50 mL de água e colocados em um forno
mufla a 300°C por 2 h, dando origem a um pó preto que após resfriamento em
temperatura ambiente foi macerado. A confecção da célula para o estudo do
eletrodo positivo foi similar à célula descrita acima. No entanto, cada pasta
alcalina dos eletrodos de trabalho e auxiliar continham 20 mg de
NiCo2O4.
O estudo do dispositivo de 02 eletrodos foi conduzido utilizando o eletrodo de
pasta alcalina de carvão ativado como eletrodo negativo/referência e o eletrodo
de pasta de NiCo2O4 como eletrodo positivo, em proporção
mássica definida por balanço de carga-massa.
Os estudos com as técnicas de voltametria cíclica (VC), carga-descarga
galvanostática (GCD), espectroscopia de impedância eletroquímica (EIS) e
cronoamperometria (CA) foram conduzidos em um potenciostato AUTOLAB PGSTAT302N.
Resultado e discussão
O estudo eletroquímico fundamental do carvão ativado iniciado pela VC resultou
no
voltamograma obtido a 5 mV s-1, Figura 1-a, de perfil retangular,
característico de materiais de capacitores de dupla camada elétrica, EDLCs,
sofrendo deformação com o aumento da velocidade, Figura 1-b. Os cálculos de
capacitância específica foram relaizados com uso da Equação 1. A capacitância de
110 F g-1 foi obtida a uma velocidade de 5 mV s-1 e uma
retenção de 60% desta capacitância verificada a uma velocidade de 100 mV
s-1. Todas as capacitâncias calculadas estão dispostas na Figura 1-c.
Nos dados de GCD obtidos para o carvão ativado na corrente de 0,5 A
g-1, Figura 1-d, observou-se um comportamento triangular, com
simetria
apreciável, característica também de um material de EDLC com baixa resistência
ôhmica associada. A Figura 1-e apresenta resultados de GCD utilizando outros
valores de correntes gravimétricas. Para cada corrente específica aplicada foi
mensurada a capacitância e a resistência ôhmica utilizando-se as Equações 2 e 3.
A capacitância específica de 105 F g-1 foi obtida a uma corrente de
0,5 A g-1 e uma retenção de 86% da capacitância verificada em 3 A
g-1. A resistência ôhmica específica calculada foi de 70 mΩ g. Todas
as capacitâncias calculadas estão dispostas na Figura 1-f. O estudo de EIS para
o
dispositivo com carvão ativado foi realizado no potencial de circuito aberto de
−
0,39 V/ECS. Através do gráfico de Nyquist, Figura 1-g, verifica-se que em baixas
frequências o material apresentou impedância com tendência linear e vertical,
isto é, com impedância imaginária, -Z’’, aumentando enquanto a impedância real,
Z’, mantém-se praticamente constante, o que é característico de sistemas
capacitivos bem comportados. Em altas frequências, observa-se uma inclinação dos
dados no gráfico de Nyquist denotando a característica porosa deste material. O
diagrama de Bode, Figura 1-h, corrobora com a indicação de um sistema
verdadeiramente capacitivo com ângulo de fase próximo a −90° nas baixas
frequências. Para simular essa diferença de comportamento em baixas e altas
frequências, foi proposto o circuito elétrico equivalente da Figura 2. A
simulação do espectro de impedância para o circuito sugerido é apresentada
juntamente aos dados experimentais na Figura 1-g. Os parâmetros para cada
componente são apresentados na Tabela 1. A capacitância específica total
mensurada foi de 75 F g-1, valor também condizente com aquele obtido
com a técnica VC em velocidade de 60 mV s-1. Entendendo que as
capacitâncias internas não influenciam nos fenômenos elétricos do sistema em
análises muito rápidas, temos que neste caso o circuito apresentado na Figura 2,
se resume a um único capacitor, precedido dos resistores R1 e R2. Considerando
que toda corrente que passa pelo resistor R1 também passa pelo R2, temos que a
corrente durante a descarga no capacitor C2 é descrita pela Equação 4. O
resultado com a técnica de CA para o carvão ativado durante 1 s de análise é
mostrado na Figura 1-h. Um ajuste não linear também é exibido na Figura 1-h,
seguindo a Equação 5. O modelo utilizado descreve bem o comportamento da
corrente
durante este tempo de análise, com coeficiente de correlação apreciável, mas
sabe-se que há um erro associado ao degrau de potencial para a realização dos
cálculos. Antes de passar pelo resistor R2, a corrente passa pelo resistor R1,
resistência da solução eletrolítica, que proporciona uma primeira queda de
tensão. Logo, o degrau de potencial que chega aos poros maiores do material, é
menor do que o aplicado. Desta forma é preciso fazer um refinamento dos dados,
mensurando o degrau de potencial efetivo para a descarga do capacitor. Pela lei
de Ohm, basta multiplicar o fator pré-exponencial obtido no ajuste anterior por
R1, para se obter o potencial perdido nesse resistor. O valor de R1 obtido
através das análises do EIS, sugere uma resistência específica de solução de
0,01
Ω g. Sabendo-se que o potencial efetivo aplicado nas regiões do material de
carvão de fácil acesso, agora pode-se realizar uma nova análise, desta vez
durante 30 s, para avaliar também as contribuições das regiões de mais difícil
acesso do material. Assim outra contribuição exponencial deve ser adicionada à
Equação 4 para modelar a queda de corrente no capacitor C3, como mostra a
Equação
5. O modelo teórico aqui proposto encaixa-se perfeitamente aos dados
experimentais, como observado na Figura 1-i. Como nesta análise há tempo
suficiente para verificar a descarga do capacitor C3, apenas uma constante de
tempo não é suficiente para simular a queda de corrente, como verificado. Os
parâmetros do circuito foram calculados para o degrau corrigido, segundo o
ajuste
realizado com duas cortantes de tempo e estão apresentados na Tabela 2. O estudo
do NiCo2O4 por VC mostrou um complexo processo de
oxidação,
característica predominante de dispositivos do tipo bateria, fornecendo um
aumento elevado de corrente anódica após 0,2 V e um processo de redução em torno
de 0,15 V, como indicado na Figura 3. Este processo de oxirredução comumente é
explicado pelas Equações 5 e 6. Com um pequeno aumento da velocidade de
varredura, os picos aumentam sua magnitude, mas sofrem grande deformação (BAI et
al., 2020; HAENEN; VISSCHER; BARENDRECHT, 1986; YANG; PARK, 2020). Através da
carga específica obtida pela VC em 5 mV s-1, foi possível realizar o
balanço de massa necessário para desenvolver um dispositivo utilizando
NiCo2O4 como eletrodo positivo e o carvão ativado como
eletrodo negativo, assim como mostra a Equação 7, onde a relação mássica m-/m+
obtida foi aproximadamente unitária (NOORI et al., 2019). O resultado de VC para
o dispositivo híbrido em velocidade de 5 mV s-1, Figura 4-a, como esperado, alia
a maior janela positiva do eletrodo de NiCo2O4, com a
janela do carvão ativado para obter uma janela de trabalho extensa, com tensão
de
1,7 V. As bandas redox, que no estudo do eletrodo positivo se mostraram intensas
e concentradas, impossibilitando qualquer estudo de pseudocapacitância aplicada
a
supercapacitores, apareceram no disposto de forma distribuída e menos intensa na
janela, permitindo assim, a o estudo de capacitância e energia como sugere as
equações da eletrostática básica. A capacitância do dispositivo foi calculada
para diferentes velocidades de varredura, segundo a Equação 1, e a capacitância
de eletrodo sendo Celetrodo = 4Cdispositivo. Os resultados estão dispostos na
Figura 4-b, indicando a capacitância de eletrodo na ordem de magnitude
encontrada
para o estudo fundamental do carvão ativado. As curvas de CDG estão ilustradas
pela Figura 4-c. Além do cálculo de capacitância, pela Equação 2, calculou-se a
energia e a potência deste dispositivo pela Equação 8 e 9, e os resultados estão
expostos na Figura 4-d e 4-e. Os resultados obtidos estão condizentes com o
esperado para o dispositivo supercapacitor, que possui energia específica na
ordem entre 100 a 101 e potência na ordem entre
102 e 104. Na literatura diversos novos dispositivos são
relatados, conseguindo bons resultados de aumento de corrente, mas em geral
estudam dispositivos com bandas concentradas com altos valores de corrente,
saindo do cerne dos estudos de capacitores e caminhando em direção à
caracterização de dispositivos do tipo bateria. Chen et al. 2019, comparam seu
trabalho com diversos outros dispositivos híbridos, todos eles caracterizados
como supercapacitores, mas apresentando energia acima de 101 e
potência chegando a 103. Desta forma, a comparação de resultados
deste
trabalho com qualquer outro trabalho que fuja das premissas fundamentais da
eletrostática para caracterização de supercapacitores é indevida.
Estudo eletroquímico para o carvão ativado
Tabela de Equações, dados de simulação, voltamograma para a cobaltita de níquel e estudos eletroquímicos do dispositivo.
Conclusões
O supercapacitor híbrido desenvolvido utilizando eletrodo negativo de carvão
ativado e positivo de cobaltita de níquel tem suas características centradas em
preceitos da eletrostática. A utilização da pseudocapacitância das reações de
oxirredução do níquel e do cobalto no eletrodo positivo ajuda a aumentar a
energia, sem conceder ao dispositivo características predominantemente do tipo
bateria, como comumente é relatado na literatura. As características do
dispositivo se aproximam muito mais do caráter eletrostático do eletrodo negativo
de carvão ativado, que armazena energia através da sua dupla camada elétrica.
Nenhum elemento difusional é necessário para caracterizar o eletrodo de carvão
ativado, que armazena energia de maneira mais rápida nas regiões de fácil acesso
e de maneira um pouco mais lenta nas regiões internas, como mostra as simulações
de dupla constante de tempo proposta por este trabalho. O circuito equivalente
envolvendo as duas constantes de tempo, além de crucial para caracterizar o
armazenamento de energia neste eletrodo, possibilita a consonância entre as
técnicas eletroquímicas apresentadas, onde foi possível mensurar sua capacitância
em torno de 100 F g-1. Por fim, o eletrodo negativo tem papel fundamental no
resultado do dispositivo, culminando em supercapacitior de capacitância de 17 F
g-1, potência de 850 W kg-1 e energia de 7 Wh Kg-1.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001, a qual
externamos agradecimentos.
Referências
BAI, R. et al. Facile fabrication of comb-like porous NiCo2O4 nanoneedles on Ni foam as an advanced electrode for high-performance supercapacitor. International Journal of Hydrogen Energy, v. 45, n. 56, p. 32343–32354, 2020.
HAENEN, J.; VISSCHER, W.; BARENDRECHT, E. Characterization of NiCo2O4 electrodes for O2 evolution. Part III. Ageing phenomena of NiCo2O4 electrodes. Journal of Electroanalytical Chemistry, v. 208, n. 2, p. 323–341, 1986.
KIM, B. K. et al. Electrochemical Supercapacitors for Energy Storage and Conversion. Handbook of Clean Energy Systems, p. 1–25, 2015.
NOORI, A. et al. Towards establishing standard performance metrics for batteries, supercapacitors and beyond. Chemical Society Reviews, v. 48, n. 5, p. 1272–1341, 2019.
SILVA, L. M. DA et al. Reviewing the fundamentals of supercapacitors and the difficulties involving the analysis of the electrochemical findings obtained for porous electrode materials. Energy Storage Materials, v. 27, p. 555–590, 2020.
YANG, G.; PARK, S. J. Nanoflower-like NiCo2O4 grown on biomass carbon coated nickel foam for asymmetric supercapacitor. Journal of Alloys and Compounds, v. 835, p. 155270, 2020.