Autores
Lavandosque, L.L. (CENA/USP) ; Barboza da Silva, C. (CENA/USP) ; Hennemann, A.L. (IQ/USP) ; Camargo, A.C. (CENA/USP) ; Guimarães, R.R. (IQ/USP) ; Araki, K. (IQ/USP) ; Winck, F.V. (CENA/USP)
Resumo
O trabalho tem como objetivo avaliar a interação entre nanopartículas de dióxido
de titânio (nano-TiO2) e a microalga Chlamydomonas
reinhardtii, analisando seu impacto na resposta fotossintética, através de
imagens multiespectrais, e no crescimento celular. Foram avaliados quatro
tratamentos com nano-TiO2 e dois tratamentos com dióxido de titânio
micrométrico como controle positivo. Pode-se constatar que, quando em maior
concentração de nanopartícula, a taxa de crescimento aumenta e a eficiência
fotossintética diminui. Os tratamentos tem resposta celular estatisticamente
diferente do controle positivo. O estudo traz novas evidências sobre a interação
nanopartícula-célula, tendo as análises multiespectrais como potente ferramenta
para fenotipagem de microalgas.
Palavras chaves
Fotossíntese; Nanopartículas; Análise multiespectral
Introdução
Com o avanço da nanotecnologia, diferentes tipos de nanopartículas foram
criados, impulsionando diversos campos da física, química e ciência dos
materiais. Processos de preparação e de caracterização robustos foram
desenvolvidos e padronizados para algumas nanopartículas, que têm sido testadas
em ciências agrárias para explorar as aplicações da nanobiotecnologia, incluindo
a modulação das respostas celulares dos organismos através de mecanismos
mediados por nanopartículas. A interação entre a microalga Chlamydomonas
reinhardtii e nanopartículas de dióxido de titânio (nano-TiO2)
vem sendo estudada atualmente a fim de elucidar seus efeitos no crescimento
celular, no sentido de apontar por que e como alguns mecanismos relacionados ao
estresse acontecem, e como podemos modular tais respostas para desenvolver
produtos e processos de interesse biotecnológico. Dessa forma, a análise de
fenótipos por imagens multiespectrais se torna interessante para investigar a
interação entre microalgas e o ambiente, assim como a interação entre esses
organismos e nanopartículas de dióxido de titânio. A interação entre C.
reinhardtii e nano-TiO2 tem sido estudada para elucidar fenômenos
associados ao crescimento e metabolismo celular em relação à citotoxicidade e
internalização de partículas (GUNAWAN et al., 2013), bem como outras evidências
associadas à adsorção de agregados de nanopartículas na parede celular e
consequentes alterações na abundância de clorofila e outros pigmentos celulares.
nano-TiO2 têm sido associadas à ocorrência de peroxidação de
lipídios, diminuição do crescimento celular, indução de estresse oxidativo e
alteração na expressão de genes associados a resposta ao estresse em
Chlamydomonas reinhardtii (CHEN et al., 2012). As interações de
materiais a nível nanométrico são dependentes de diversos parâmetros
estruturais, tais como carga, tamanho e formato da partícula, que influenciam de
forma direta o seu comportamento quando em contato com o ambiente e os
organismos vivos, tornando a abordagem dos efeitos de cada tipo de síntese de
partículas algo interessante, visto que diferentes processos formam diferentes
estruturas, que podem promover efeitos biológicos únicos. O emprego de técnicas
de imagem e de análise multiespectral tem sido difundido na área agronômica
visando diversos propósitos, como para o monitoramento da qualidade de sementes
(BARBOZA DA SILVA, 2021) e respostas fisiológicas vegetais em função da
aplicação de herbicidas (TAKESHITA, 2022). Considerando que diferentes bandas de
reflectância estão associadas a fenômenos, moléculas ou estruturas específicas
do metabolismo vegetal, em sua maioria centrados nos fenômenos relacionados à
fotossíntese, é possível realizar a identificação de perfis de fenótipos
associados ao estado de saúde ou alterações funcionais vegetais. Como exemplo,
a reflectância aumentada das células ou material vegetal nas faixas do azul,
vermelho e vermelho distante está associada à concentração de clorofilas. Além
disso, a mensuração da reflectância nos espectros do infravermelho próximo e
vermelho são utilizadas para o cálculo do Índice de Vegetação por Diferença
Normalizada (NDVI). Nestas medidas, informações associadas as clorofilas
a e b e a saúde da vegetação são inferidas. No entanto, o uso de
análises multiespectrais no campo da ficologia tem abrangência restrita,
principalmente no que diz respeito a estudos do metabolismo de Chlamydomonas
reinhardtii. De forma geral, em microalgas o sinal multiespectral tem sido
empregado para mensurar a produção e saúde de cultivos em larga escala através
do imageamento da biomassa (MURPHY et al., 2013) e de cultivos líquidos (MURPHY
et al., 2014). Tais aplicações também incluem análises de sinal obtido por
imageamento por satélite para estudos ecológicos acerca do monitoramento de
populações endêmicas de microalgas de certas localidades e suas mudanças ao
longo dos anos, através do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI)
(BENYOUCEF et al., 2013). Avaliações desses parâmetros com maior resolução têm
sido utilizados em associação com técnicas de imagem da citometria de fluxo,
obtendo dados de interesse biotecnológico a partir da análise de fluxos de
células únicas. Com isso, no presente estudo foi investigado a interação entre
nanopartículas de dióxido de titânio (nano-TiO2) e Chlamydomonas
reinhardtii através da fenotipagem com base em imagens multiespectrais,
trazendo novas perspectivas com relação a determinação de alterações do fenótipo
de microalgas através de método não-destrutivo que pode ser realizado em
microescala.
Material e métodos
Caracterização das nanopartículas: Nano-TiO2 de tamanho médio de 3 nm
de diâmetro (DLS, por número e por volume), monodispersa e potencial zeta de
cerca de -40 mV, facilmente dispersável em meio aquoso e baixa citotoxicidade,
foi preparado a partir da reação de hidrólise de isopropóxido de titânio por
método patenteado. O material apresenta a banda de absorção característica de
nanopartículas de TiO2, cuja intensidade aumenta rapidamente para
comprimentos de ondas menores que 340 nm. Condições de cultivo celular: A
microalga C. reinhardtii (cepa CC503 cw92 mt) foi obtida do Chlamydomonas
Resource Center (University of Minnesota, Minneapolis, MN, EUA), e foi cultivada
sob condições de mixotrofia e temperatura controlada em 25 °C em meio de cultivo
Tris-Acetato-Fosfato (TAP). O cultivo foi feito sem agitação em placas de
cultivo com 6 poços (FALCON, EUA), com volume final de 6 mL e sob iluminação
contínua (~100 µE·m−2·s-1), e densidade celular inicial de
1⋅104 células/mL. As células foram cultivadas até fase estacionária
plena (8 dias após a inoculação (DAI)). Meio TAP foi utilizado como controle
negativo, e meio TAP suplementado com diferentes concentrações de nanopartículas
de dióxido de titânio: 0,05 g/L; 0,5 g/L; 1,0 g/L e 1,5 g/L, foram usados como
condições de tratamentos. Células cultivadas em meio TAP contendo dióxido de
titânio com partículas de tamanho micrométrico (bulk TiO2) de tamanho
menor que 22 mesh (Thermo Fisher Scientific, USA) nas concentrações de 0,05 g/L
e 1,0 g/L foram cultivadas como controle positivo. O monitoramento de
crescimento celular foi realizado a cada 24h através de contagem de células
utilizando o contador automático de células Countess II FL (Thermo Fisher
Scientific, USA). Todos os experimentos foram realizados em triplicata
biológica. Análise por imagens multiespectrais: Os parâmetros fluorescência
inicial (F0), fluorescência máxima de clorofila (Fm), eficiência quântica máxima
do fotossistema II (Fv/Fm), índice de Antocianinas (AriIdx), índice de Clorofila
a (ChlIdx), Fluorescência média de Clorofila a (Chl), NDVI, reflectância no azul
(Blue; 475 nm), verde (Green; 550 nm), vermelho (Red; 640 nm), vermelho
distante (FarRed; 710 nm) e infravermelho próximo (NIR; 770 nm) foram analisados
utilizando o equipamento SeedReporter™ (PhenoVation B.V., Wageningen, Holanda),
com um dispositivo de carga acoplada captando os sinais de autofluorescência e
reflectância com a capacidade de gerar imagens com uma dimensão espacial de
2448×2448 pixels (3,69 μm/pixel). As imagens e os valores médios dos pixels
foram extraídos através do software Phenovation Data Analysis V5.5.1
(PhenoVation B.V., Holanda). A análise de dados foi realizada pela Análise de
Variância, Análise de Componente Principal, Random Forest, Análise Discriminante
por Mínimos Quadrados Parciais e VIP Score através da plataforma MetaboAnalyst
V5.0. (Xia, McGill University, EUA).
Resultado e discussão
Acompanhando o crescimento da microalga Chlamydomonas reinhardtii CC503
cw92 mt+ em meio de cultivo com nanopartículas de dióxido de titânio, pode-se
identificar crescimento diferencial do microorganismo nessa condição quando
comparado ao crescimento controle (Figura 1A). Por outro lado, é evidente que o
aumento na taxa de divisão celular não está associado apenas ao dióxido de
titânio que compõe a partícula, mas ao seu formato nanométrico, em vista que os
resultados obtidos com o controle positivo, empregando dióxido de titânio em
partículas de tamanho micrométrico (Bulk TiO2), não mostraram
modulação de crescimento em número de células similar ao observado com o
tratamento de nanopartículas (Figura 1B), mas pelo contrário, mostram
crescimento semelhante à curva controle. A alteração na concentração de dióxido
de titânio micrométrico não provocou alteração significativa no fenótipo de
crescimento, ao contrário do nano-TiO2 que performa aumento do número
de células no cultivo em função do aumento da concentração do material no meio
de cultivo. Em concordância com Chen et al. (2012), o efeito do dióxido de
titânio sobre as microalgas é dependente do tamanho das partículas e da
concentração do material. Porém, nossos resultados demonstram que há diminuição
da concentração de células quando cultivadas em menores concentrações de
nanopartículas. No oitavo dia de cultivo, as microalgas foram analisadas através
do equipamento SeedReporter™ (Figura 1C), onde obteve-se o valor médio por pixel
para cada parâmetro de reflectância avaliado. Os parâmetros captados que
apresentaram variância significativa entre os tratamentos através da análise de
variância (ANOVA One Way) foram F0, Fm, Fv/Fm (Figura 2A), AriIdx, ChlIdx, Chl,
NDVI, reflectância no azul, vermelho, vermelho distante e infravermelho
próximo. Dentre os parâmetros captados, apenas a reflectância na faixa do verde
não teve alteração estatisticamente significativa. Através da Análise de
Componente Principal (PCA) (Figura 2B), constatamos separação entre os
tratamentos e alta similaridade entre réplicas de um mesmo tratamento. A
condição de controle positivo (1 g/L de bulk TiO2) apresenta maior
dissimilaridade ao grupo controle e demais tratamentos, o que evidencia maior
diferença de ação sobre as microalgas, apesar de não promover alteração
significativa no crescimento celular. As condições testadas de altas
concentrações de nanopartículas também se diferem mais da condição controle,
mostrando também efeito de modulação de crescimento celular. A análise Random
Forest, realizada após a análise de PCA indicou que os parâmetros Fm,
Reflectância no Infravermelho-próximo e F0 são significativamente afetados em
resposta aos tratamentos com nanopartículas. Quando se observa o resultado da
análise de PLS-DA (Análise Discriminante por Mínimos Quadrados Parciais) (Figura
2C), pode-se constatar divisões entre os grupos, visto que esse modelo de
análise multivariada não tem viés reducional e considera a participação de todos
os parâmetros associados. A partir desta análise, observamos que, concentrações
nanopartículas de dióxido de titânio superiores a 0,5 g/L promoveram diferenças
significativas no perfil dos dados multiespectrais coletados, proporcionando,
por sua vez, a formação de um intervalo de confiança diferente do abrangido
pelas amostras controle. Assim, a importância da variável na projeção (VIP
Score) para cada parâmetro foi avaliada, e as bandas que obtiveram VIP Score
maior que 1.0 são Reflectância no Infravermelho-próximo, Chl e Fm. A relação
entre a concentração maior de nanopartículas e a redução da eficiência quântica
máxima do fotossistema II foi investigada por Wei et. al (2010) para outro
modelo biológico, com um tipo diferente de nanopartícula, cujos resultados
experimentais apontaram que o acúmulo do nanomaterial na superfície externa das
células, possivelmente interagindo de forma específica com a parede celular das
microalgas, reduz a quantidade de luz viável que atinge de fato os
fotossistemas, trazendo prejuízos ao processo de fotossíntese. Esse conceito é
reforçado pela análise de Fv/Fm deste trabalho, onde o aumento da concentração
de nanopartículas de titânio indica redução da eficiência do fotossistema II
enquanto a concentração de nanopartículas de titânio micrométricas não mostram o
mesmo efeito. Este efeito pode ser devido a diferentes interações das partículas
de maior tamanho com a superfície das células. Entretanto, não observamos
efeitos de limitação de crescimento celular com altas concentrações de
nanopartículas. Outros estudos são necessários para a melhor compreensão deste
fenômeno.
Avaliação fenotípica da interação entre partículas micrométricas e nanopartículas de dióxido de titânio e a microalga Chlamydomonas reinhardtii.
Análise multiespectral e desempenho de crescimento de células de microalgas sob diferentes concentrações de dióxido de titânio.
Conclusões
Com base nos resultados expostos, pode-se concluir que as nanopartículas de
dióxido de titânio interagem com as células de microalga, modulando seu
crescimento em função da concentração em que estão disponíveis no meio de cultivo.
Assim, como reforçado na literatura, a diferença entre os resultados de
crescimento celular de microalgas em meio líquido com partículas de dióxido de
titânio em diferentes formas micro e nanométricas, pode decorrer da especificidade
do mecanismo de interação do material com a superfície da microalga Chlamydomonas
reinhardtii. Ao contrário do reportado anteriormente, o aumento da concentração de
nanopartículas promoveu aumento do número de células por mililitro de cultivo, o
que pode ser um indicativo de um tipo diferente de interação nanopartícula-célula
em função da composição das nanopartículas usadas em nossos ensaios. A análise
fenotípica das células usando-se imageamento multiespectral é um recurso poderoso
para desvendar a fisiologia das microalgas. Através deste sinal foi possível
apontar através de uma nova ferramenta que as nanopartículas de dióxido de titânio
interagem de alguma forma com a atividade fotossintética das células das
microalgas, de uma forma muito específica e dependente da concentração dos micro e
nanomateriais. Essas análises também oferecem a possibilidade de monitorar as
respostas fisiológicas associadas indiretamente com o fenótipo de crescimento
celular e acúmulo de lipídios.
Agradecimentos
À FAPESP pelo uso do equipamento multiusuário SeedReporter vinculado Projeto Jovem
Pesquisador FAPESP Proc. 2017/15220-7, e por recursos vinculados ao Proc.
16/06601-4. À USP, pela concessão da bolsa PUB, vigência 2021-2022.
Referências
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