• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

Nanopartículas de dióxido de titânio influenciam crescimento e fisiologia da microalga Chlamydomonas reinhardtii

Autores

Lavandosque, L.L. (CENA/USP) ; Barboza da Silva, C. (CENA/USP) ; Hennemann, A.L. (IQ/USP) ; Camargo, A.C. (CENA/USP) ; Guimarães, R.R. (IQ/USP) ; Araki, K. (IQ/USP) ; Winck, F.V. (CENA/USP)

Resumo

O trabalho tem como objetivo avaliar a interação entre nanopartículas de dióxido de titânio (nano-TiO2) e a microalga Chlamydomonas reinhardtii, analisando seu impacto na resposta fotossintética, através de imagens multiespectrais, e no crescimento celular. Foram avaliados quatro tratamentos com nano-TiO2 e dois tratamentos com dióxido de titânio micrométrico como controle positivo. Pode-se constatar que, quando em maior concentração de nanopartícula, a taxa de crescimento aumenta e a eficiência fotossintética diminui. Os tratamentos tem resposta celular estatisticamente diferente do controle positivo. O estudo traz novas evidências sobre a interação nanopartícula-célula, tendo as análises multiespectrais como potente ferramenta para fenotipagem de microalgas.

Palavras chaves

Fotossíntese; Nanopartículas; Análise multiespectral

Introdução

Com o avanço da nanotecnologia, diferentes tipos de nanopartículas foram criados, impulsionando diversos campos da física, química e ciência dos materiais. Processos de preparação e de caracterização robustos foram desenvolvidos e padronizados para algumas nanopartículas, que têm sido testadas em ciências agrárias para explorar as aplicações da nanobiotecnologia, incluindo a modulação das respostas celulares dos organismos através de mecanismos mediados por nanopartículas. A interação entre a microalga Chlamydomonas reinhardtii e nanopartículas de dióxido de titânio (nano-TiO2) vem sendo estudada atualmente a fim de elucidar seus efeitos no crescimento celular, no sentido de apontar por que e como alguns mecanismos relacionados ao estresse acontecem, e como podemos modular tais respostas para desenvolver produtos e processos de interesse biotecnológico. Dessa forma, a análise de fenótipos por imagens multiespectrais se torna interessante para investigar a interação entre microalgas e o ambiente, assim como a interação entre esses organismos e nanopartículas de dióxido de titânio. A interação entre C. reinhardtii e nano-TiO2 tem sido estudada para elucidar fenômenos associados ao crescimento e metabolismo celular em relação à citotoxicidade e internalização de partículas (GUNAWAN et al., 2013), bem como outras evidências associadas à adsorção de agregados de nanopartículas na parede celular e consequentes alterações na abundância de clorofila e outros pigmentos celulares. nano-TiO2 têm sido associadas à ocorrência de peroxidação de lipídios, diminuição do crescimento celular, indução de estresse oxidativo e alteração na expressão de genes associados a resposta ao estresse em Chlamydomonas reinhardtii (CHEN et al., 2012). As interações de materiais a nível nanométrico são dependentes de diversos parâmetros estruturais, tais como carga, tamanho e formato da partícula, que influenciam de forma direta o seu comportamento quando em contato com o ambiente e os organismos vivos, tornando a abordagem dos efeitos de cada tipo de síntese de partículas algo interessante, visto que diferentes processos formam diferentes estruturas, que podem promover efeitos biológicos únicos. O emprego de técnicas de imagem e de análise multiespectral tem sido difundido na área agronômica visando diversos propósitos, como para o monitoramento da qualidade de sementes (BARBOZA DA SILVA, 2021) e respostas fisiológicas vegetais em função da aplicação de herbicidas (TAKESHITA, 2022). Considerando que diferentes bandas de reflectância estão associadas a fenômenos, moléculas ou estruturas específicas do metabolismo vegetal, em sua maioria centrados nos fenômenos relacionados à fotossíntese, é possível realizar a identificação de perfis de fenótipos associados ao estado de saúde ou alterações funcionais vegetais. Como exemplo, a reflectância aumentada das células ou material vegetal nas faixas do azul, vermelho e vermelho distante está associada à concentração de clorofilas. Além disso, a mensuração da reflectância nos espectros do infravermelho próximo e vermelho são utilizadas para o cálculo do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI). Nestas medidas, informações associadas as clorofilas a e b e a saúde da vegetação são inferidas. No entanto, o uso de análises multiespectrais no campo da ficologia tem abrangência restrita, principalmente no que diz respeito a estudos do metabolismo de Chlamydomonas reinhardtii. De forma geral, em microalgas o sinal multiespectral tem sido empregado para mensurar a produção e saúde de cultivos em larga escala através do imageamento da biomassa (MURPHY et al., 2013) e de cultivos líquidos (MURPHY et al., 2014). Tais aplicações também incluem análises de sinal obtido por imageamento por satélite para estudos ecológicos acerca do monitoramento de populações endêmicas de microalgas de certas localidades e suas mudanças ao longo dos anos, através do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI) (BENYOUCEF et al., 2013). Avaliações desses parâmetros com maior resolução têm sido utilizados em associação com técnicas de imagem da citometria de fluxo, obtendo dados de interesse biotecnológico a partir da análise de fluxos de células únicas. Com isso, no presente estudo foi investigado a interação entre nanopartículas de dióxido de titânio (nano-TiO2) e Chlamydomonas reinhardtii através da fenotipagem com base em imagens multiespectrais, trazendo novas perspectivas com relação a determinação de alterações do fenótipo de microalgas através de método não-destrutivo que pode ser realizado em microescala.

Material e métodos

Caracterização das nanopartículas: Nano-TiO2 de tamanho médio de 3 nm de diâmetro (DLS, por número e por volume), monodispersa e potencial zeta de cerca de -40 mV, facilmente dispersável em meio aquoso e baixa citotoxicidade, foi preparado a partir da reação de hidrólise de isopropóxido de titânio por método patenteado. O material apresenta a banda de absorção característica de nanopartículas de TiO2, cuja intensidade aumenta rapidamente para comprimentos de ondas menores que 340 nm. Condições de cultivo celular: A microalga C. reinhardtii (cepa CC503 cw92 mt) foi obtida do Chlamydomonas Resource Center (University of Minnesota, Minneapolis, MN, EUA), e foi cultivada sob condições de mixotrofia e temperatura controlada em 25 °C em meio de cultivo Tris-Acetato-Fosfato (TAP). O cultivo foi feito sem agitação em placas de cultivo com 6 poços (FALCON, EUA), com volume final de 6 mL e sob iluminação contínua (~100 µE·m−2·s-1), e densidade celular inicial de 1⋅104 células/mL. As células foram cultivadas até fase estacionária plena (8 dias após a inoculação (DAI)). Meio TAP foi utilizado como controle negativo, e meio TAP suplementado com diferentes concentrações de nanopartículas de dióxido de titânio: 0,05 g/L; 0,5 g/L; 1,0 g/L e 1,5 g/L, foram usados como condições de tratamentos. Células cultivadas em meio TAP contendo dióxido de titânio com partículas de tamanho micrométrico (bulk TiO2) de tamanho menor que 22 mesh (Thermo Fisher Scientific, USA) nas concentrações de 0,05 g/L e 1,0 g/L foram cultivadas como controle positivo. O monitoramento de crescimento celular foi realizado a cada 24h através de contagem de células utilizando o contador automático de células Countess II FL (Thermo Fisher Scientific, USA). Todos os experimentos foram realizados em triplicata biológica. Análise por imagens multiespectrais: Os parâmetros fluorescência inicial (F0), fluorescência máxima de clorofila (Fm), eficiência quântica máxima do fotossistema II (Fv/Fm), índice de Antocianinas (AriIdx), índice de Clorofila a (ChlIdx), Fluorescência média de Clorofila a (Chl), NDVI, reflectância no azul (Blue; 475 nm), verde (Green; 550 nm), vermelho (Red; 640 nm), vermelho distante (FarRed; 710 nm) e infravermelho próximo (NIR; 770 nm) foram analisados utilizando o equipamento SeedReporter™ (PhenoVation B.V., Wageningen, Holanda), com um dispositivo de carga acoplada captando os sinais de autofluorescência e reflectância com a capacidade de gerar imagens com uma dimensão espacial de 2448×2448 pixels (3,69 μm/pixel). As imagens e os valores médios dos pixels foram extraídos através do software Phenovation Data Analysis V5.5.1 (PhenoVation B.V., Holanda). A análise de dados foi realizada pela Análise de Variância, Análise de Componente Principal, Random Forest, Análise Discriminante por Mínimos Quadrados Parciais e VIP Score através da plataforma MetaboAnalyst V5.0. (Xia, McGill University, EUA).

Resultado e discussão

Acompanhando o crescimento da microalga Chlamydomonas reinhardtii CC503 cw92 mt+ em meio de cultivo com nanopartículas de dióxido de titânio, pode-se identificar crescimento diferencial do microorganismo nessa condição quando comparado ao crescimento controle (Figura 1A). Por outro lado, é evidente que o aumento na taxa de divisão celular não está associado apenas ao dióxido de titânio que compõe a partícula, mas ao seu formato nanométrico, em vista que os resultados obtidos com o controle positivo, empregando dióxido de titânio em partículas de tamanho micrométrico (Bulk TiO2), não mostraram modulação de crescimento em número de células similar ao observado com o tratamento de nanopartículas (Figura 1B), mas pelo contrário, mostram crescimento semelhante à curva controle. A alteração na concentração de dióxido de titânio micrométrico não provocou alteração significativa no fenótipo de crescimento, ao contrário do nano-TiO2 que performa aumento do número de células no cultivo em função do aumento da concentração do material no meio de cultivo. Em concordância com Chen et al. (2012), o efeito do dióxido de titânio sobre as microalgas é dependente do tamanho das partículas e da concentração do material. Porém, nossos resultados demonstram que há diminuição da concentração de células quando cultivadas em menores concentrações de nanopartículas. No oitavo dia de cultivo, as microalgas foram analisadas através do equipamento SeedReporter™ (Figura 1C), onde obteve-se o valor médio por pixel para cada parâmetro de reflectância avaliado. Os parâmetros captados que apresentaram variância significativa entre os tratamentos através da análise de variância (ANOVA One Way) foram F0, Fm, Fv/Fm (Figura 2A), AriIdx, ChlIdx, Chl, NDVI, reflectância no azul, vermelho, vermelho distante e infravermelho próximo. Dentre os parâmetros captados, apenas a reflectância na faixa do verde não teve alteração estatisticamente significativa. Através da Análise de Componente Principal (PCA) (Figura 2B), constatamos separação entre os tratamentos e alta similaridade entre réplicas de um mesmo tratamento. A condição de controle positivo (1 g/L de bulk TiO2) apresenta maior dissimilaridade ao grupo controle e demais tratamentos, o que evidencia maior diferença de ação sobre as microalgas, apesar de não promover alteração significativa no crescimento celular. As condições testadas de altas concentrações de nanopartículas também se diferem mais da condição controle, mostrando também efeito de modulação de crescimento celular. A análise Random Forest, realizada após a análise de PCA indicou que os parâmetros Fm, Reflectância no Infravermelho-próximo e F0 são significativamente afetados em resposta aos tratamentos com nanopartículas. Quando se observa o resultado da análise de PLS-DA (Análise Discriminante por Mínimos Quadrados Parciais) (Figura 2C), pode-se constatar divisões entre os grupos, visto que esse modelo de análise multivariada não tem viés reducional e considera a participação de todos os parâmetros associados. A partir desta análise, observamos que, concentrações nanopartículas de dióxido de titânio superiores a 0,5 g/L promoveram diferenças significativas no perfil dos dados multiespectrais coletados, proporcionando, por sua vez, a formação de um intervalo de confiança diferente do abrangido pelas amostras controle. Assim, a importância da variável na projeção (VIP Score) para cada parâmetro foi avaliada, e as bandas que obtiveram VIP Score maior que 1.0 são Reflectância no Infravermelho-próximo, Chl e Fm. A relação entre a concentração maior de nanopartículas e a redução da eficiência quântica máxima do fotossistema II foi investigada por Wei et. al (2010) para outro modelo biológico, com um tipo diferente de nanopartícula, cujos resultados experimentais apontaram que o acúmulo do nanomaterial na superfície externa das células, possivelmente interagindo de forma específica com a parede celular das microalgas, reduz a quantidade de luz viável que atinge de fato os fotossistemas, trazendo prejuízos ao processo de fotossíntese. Esse conceito é reforçado pela análise de Fv/Fm deste trabalho, onde o aumento da concentração de nanopartículas de titânio indica redução da eficiência do fotossistema II enquanto a concentração de nanopartículas de titânio micrométricas não mostram o mesmo efeito. Este efeito pode ser devido a diferentes interações das partículas de maior tamanho com a superfície das células. Entretanto, não observamos efeitos de limitação de crescimento celular com altas concentrações de nanopartículas. Outros estudos são necessários para a melhor compreensão deste fenômeno.

Figura 1

Avaliação fenotípica da interação entre partículas micrométricas e nanopartículas de dióxido de titânio e a microalga Chlamydomonas reinhardtii.

Figura 2

Análise multiespectral e desempenho de crescimento de células de microalgas sob diferentes concentrações de dióxido de titânio.

Conclusões

Com base nos resultados expostos, pode-se concluir que as nanopartículas de dióxido de titânio interagem com as células de microalga, modulando seu crescimento em função da concentração em que estão disponíveis no meio de cultivo. Assim, como reforçado na literatura, a diferença entre os resultados de crescimento celular de microalgas em meio líquido com partículas de dióxido de titânio em diferentes formas micro e nanométricas, pode decorrer da especificidade do mecanismo de interação do material com a superfície da microalga Chlamydomonas reinhardtii. Ao contrário do reportado anteriormente, o aumento da concentração de nanopartículas promoveu aumento do número de células por mililitro de cultivo, o que pode ser um indicativo de um tipo diferente de interação nanopartícula-célula em função da composição das nanopartículas usadas em nossos ensaios. A análise fenotípica das células usando-se imageamento multiespectral é um recurso poderoso para desvendar a fisiologia das microalgas. Através deste sinal foi possível apontar através de uma nova ferramenta que as nanopartículas de dióxido de titânio interagem de alguma forma com a atividade fotossintética das células das microalgas, de uma forma muito específica e dependente da concentração dos micro e nanomateriais. Essas análises também oferecem a possibilidade de monitorar as respostas fisiológicas associadas indiretamente com o fenótipo de crescimento celular e acúmulo de lipídios.

Agradecimentos

À FAPESP pelo uso do equipamento multiusuário SeedReporter vinculado Projeto Jovem Pesquisador FAPESP Proc. 2017/15220-7, e por recursos vinculados ao Proc. 16/06601-4. À USP, pela concessão da bolsa PUB, vigência 2021-2022.

Referências

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