• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

Nanopartículas de óxido de ferro sintetizadas com extrato de sementes de açaí de agro-resíduos para a adsorção do corante catiônico azul de metileno: Estudo da cinética e isotermas.

Autores

Souza, A.P.N. (UERJ) ; Gonçalves, V.C. (UERJ) ; Souza, M.V. (UERJ) ; Alzamora, M. (UFF) ; Sanchez, D.R. (UFF) ; Senra, J.D. (UERJ) ; Carvalho, N.M.F. (UERJ)

Resumo

Nanopartículas de óxido de ferro (IONPs) foram preparadas por uma rota de síntese verde com extrato de sementes de açaí de resíduos agrícolas. Os nanomateriais foram formados por IONPs amorfos na ordem de 20 nm, compostos por oxohidróxidos de ferro (III) e Fe (II/III) ligados a compostos polifenólicos do extrato vegetal. Os IONPs foram efetivamente aplicados na adsorção do corante catiônico azul de metileno (AM) de soluções aquosas. Experimentos de adsorção foram realizados em pH 10, tempo de contato de 180 min, massa de 2.0 mg, na qual foi encontrada a capacidade máxima de adsorção de 192,12 mg g-1 a 25 °C. Os dados experimentais foram bem ajustados pela isoterma de Freundlich e a cinética de adsorção revelou um modelo de segunda ordem.

Palavras chaves

Ferro; ; Açaí; ; Adsorção.

Introdução

O alto consumo de água e a geração de grandes volumes de efluentes são dois grandes problemas ambientais causados pelas indústrias têxteis. A água é utilizada na maioria das etapas do processo de tingimento, gerando efluentes de composição heterogênea, contendo compostos complexos e recalcitrantes (ADANE et. al, 2021). Os corantes são muito resistentes, difíceis de degradar e a remoção desses compostos requer várias etapas de tratamento. A adsorção é uma técnica simples, eficaz, versátil e economicamente viável, amplamente aplicada para remover poluentes de locais contaminados (RASHID et. al, 2021). Nanomateriais à base de ferro têm sido amplamente aplicados na adsorção de poluentes orgânicos e íons tóxicos (CUI et. al, 2018). Rotas sustentáveis e ecologicamente corretas para a síntese de nanopartículas de óxido de ferro (IONPs) têm sido buscadas para produzir adsorventes eficientes e de baixo custo. Extratos de plantas ricas em polifenóis têm sido amplamente utilizados na síntese verde de IONPs, devido à capacidade redutora e capeadora dos polifenóis que permite a formação de pequenas nanopartículas, geralmente mais estáveis que as sintetizadas convencionalmente (PAN et. al, 2019). As características dos IONPs dependem principalmente de alguns critérios como: o tipo de extrato da planta, a relação volume do extrato para a solução salina e as condições de reação, como pH, temperatura e tempo (EBRAIHIMINEZHAD et. al, 2018). Diferentes IONPs sintetizados por síntese verde têm sido utilizados na degradação de compostos orgânicos halogenados, pesticidas, corantes e drogas. Por exemplo, óxidos magnéticos, não magnéticos e materiais de oxohidróxido de ferro (FeO, Fe2O3, Fe3O4) (KURGANSKAYA et. al, 2021); (SILVEIRA et. al, 2018), nanopartículas de óxido de ferro revestidas com sílica (Fe3O4@SiO2) (CARVALHO et. al, 2017), nanopartículas de ferro suportadas em sílica funcionalizada com grupo amino (PERROTI et. al, 2019); (SOUZA et. al, 2021), entre outros (MONDAL et. al, 2020). O amplo uso de IONPs para remediação está relacionado principalmente à suscetibilidade magnética, não toxicidade, grande área superficial e alta reatividade (BOLADE et. al, 2020). O açaí (Euterpe oleracea Mart.) é uma fruta nativa das florestas tropicais da América do Sul, colhida de palmeiras de açaí. Esta fruta é conhecida por ter potenciais benéficos para a saúde devido à sua capacidade antioxidante e propriedades inibitórias dos mastócitos, bem como um valor nutricional significativo (OLIVEIRA et. al, 2015). No Brasil, a polpa do açaí é muito consumida e grande quantidade de resíduo da semente é gerada na indústria alimentícia. O agro-resíduo de sementes de açaí é abundante em celulose, hemicelulose e lignina, e é frequentemente utilizado como bioadsorvente sustentável para remover corantes orgânicos e metais de águas contaminadas (VIDOVIX et. al, 2022). Além disso, o extrato de semente de açaí também é rico em compostos polifenólicos como catequina e proantocianidinas poliméricas (OLIVEIRA et. al, 2015), além de seu alto potencial para outras aplicações como na síntese de nanomateriais de ferro verde. Por exemplo, o óleo de açaí foi descrito para sintetizar nanopartículas magnéticas de Fe3O4 com tamanhos de cerca de 5 nm e valores relevantes de magnetização de saturação foram relatados (CORREA et. al, 2020). No entanto, nenhum estudo foi relatado sobre o uso de extrato de agro-resíduos de sementes de açaí para sintetizar IONPs. Portanto, o principal objetivo deste trabalho foi desenvolver um adsorvente verde que possa ser ambientalmente seguro e com potencial de aplicação em larga escala para remover poluentes orgânicos de solução aquosa. O azul de metileno (AM) foi selecionado como corante catiônico modelo para investigar a capacidade de adsorção do material proposto. Para atingir esse objetivo, propusemos: (1) sintetizar IONPs verdes e sustentáveis com agro-resíduos de sementes de açaí; (2) caracterizar o nanomaterial; (3) investigar a capacidade de adsorção das IONPs frente ao corante AM; (4) avaliar o efeito de parâmetros de adsorção, como dosagem do adsorvente, tempo de contato, pH da solução, concentração inicial do corante e temperatura, no desempenho de adsorção; (5) avaliar a cinética de adsorção; (6) avaliar as isotermas de adsorção. O adsorvente foi caracterizado por difração de raios X (DRX), análise termogravimétrica (TG), espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR), microscopia eletrônica de transmissão (MET) e de varredura (MEV), espectroscopia de Mössbauer, adsorção/dessorção de nitrogênio, ICP-OES e medição do potencial zeta. Os dados experimentais isotérmicos foram ajustados com os modelos de Langmuir, Freundlich, Temkin, Dubinin-Radushkevich (D-R), Redlich-Peterson (R-P), Koble- Corrigan (KC) e Fritz-Schülnder (F-S).As funções de erro foram avaliadas para encontrar os parâmetros otimizados usando o método da soma dos erros normalizados-SNE.Os dados de ajuste cinético seguiram o mesmo procedimento.

Material e métodos

Todos os reagentes químicos eram de grau reagente e foram usados como recebidos. FeCl2.4H2O (99%), FeCl3.6H2O (98-102%), HCl (36%) e o reagente fenol Folin- Ciocalteu (2,0 mol L-1) foram adquiridos da Sigma-Aldrich. O álcool etílico foi obtido da Anidrol (95%), NaOH da Labsynth (99,5%), azul de metileno e carbonato de cálcio (99%) da Merck. Preparo do extrato de agro-resíduos de sementes de açaí: Para preparar o extrato, 100,00 g de sementes de açaí e 400,0 ml de água destilada foram misturados extensivamente até formar uma suspensão homogênea. A mistura foi fervida por 5 minutos e resfriada até a temperatura ambiente. Em seguida, foram adicionados 400,0 mL de álcool etílico, a suspensão foi bem homogeneizada e colocada em geladeira em torno de 8 ºC para maturação do extrato por 14 dias. A cada 2 dias, o extrato foi homogeneizado mecanicamente. Após este período, os sólidos foram filtrados sob pressão reduzida e o extrato utilizado na síntese. Síntese das nanopartículas de óxido de ferro ABFe: As IONPs foram preparadas adicionando 100,0 mL do extrato de sementes de açaí, gota a gota, a uma solução de 50,0 mL de 20,0 mmol L-1 FeCl2. 4H2O e 50,0 mL de 40,0 mmol L-1 FeCl3.6H2O, sob agitação magnética por 60 min a 80°C. O sólido preto precipitado foi centrifugado e lavado com água destilada e etanol, e seco em evaporador rotatório a 60 °C. Massa obtida: 0,2470 g. Testes de adsorção de azul de metileno: Um experimento de adsorção em batelada foi conduzido em tubos Falcon de 20 mL com 2,00 mg de IONPs e 10,0 mL de uma solução aquosa de AM a uma determinada concentração em mg L-1. Os testes foram realizados utilizando um agitador orbital digital em temperatura controlada e rotação de 1500 rpm. Alíquotas da solução AM foram analisadas espectrofotometricamente em um determinado tempo de contato. A eficiência adsorvente da descoloração AM foi calculada usando a eq. 1: Descoloração(%)=((〖Abs〗0-〖Abs〗_t)/〖Abs〗_0)×100 (1) onde Abs0 é a absorbância de AM em t = 0, e Abst é a absorbância de AM no tempo t (min). A quantidade de corante adsorvido sobre o adsorvente (qt, mg g-1) em um determinado tempo t, foi calculada usando a seguinte eq. 2: q_e=((C_0-C_e)V)/m (2) onde C0 e Ct são as concentrações do corante (mg L-1) no início e em um determinado tempo, V é o volume da solução (L) e m é a massa adsorvente (g). Os testes de adsorção foram realizados em diferentes parâmetros experimentais: i) pH inicial: 2 - 12, o pH da solução foi ajustado pela adição de NaOH ou HCl concentrado e monitorado por um medidor de pH; ii) Tempo de contato: 5 - 480 min; iii) Concentração inicial de AM: 10,0 -120,0 mg L-1; iv) Dosagem do adsorvente: 2,00 - 20,00 mg; v) Temperatura: 298 - 343 K.

Resultado e discussão

O nanomaterial de ferro foi sintetizado a partir do extrato de sementes de açaí da indústria de agro-resíduos de alimentos, que possui diversos compostos orgânicos em sua composição, como antocianinas, proantocianidinas, catequinas e outros flavonoides (SCHAUSS et. al, 2006). As nanopartículas designadas como ABFe mostraram um perfil de DRX típico de material amorfo, com um pico largo em torno de 23° e 40° atribuído a IONPs revestidos com polifenóis. Trabalhos anteriores de IONPs sintetizados usando diferentes chás mostraram um perfil semelhante (MARKOVA et. al, 2014); (WANG et. al, 2014). Assim, imagens MEV de ABFe revelaram partículas aglomeradas indefinidas com formas incomuns e tamanhos grandes na faixa de dezenas de micrômetros (Fig. 1). Os elementos predominantes encontrados nos espectros MEV-EDS foram Fe em 3,1% em peso, O em torno de 32,8% em peso e C em 61,9% em peso. A predominância de C e O mostra que a superfície de ABFe é constituída de IONPs embebidos na rede de polifenóis e componentes poliméricos extraídos das sementes do açaí. Imagens de MET foram obtidas para determinar o tamanho, forma e uniformidade das partículas. Ambas as imagens MEV e MET na Fig. 1 mostram a presença de nanopartículas de ferro incorporadas na rede de polifenol. Estas partículas são de alguns nanômetros com tamanhos de pelo menos 20 nm. Para ambas as imagens MEV e MET, pode-se ver que as nanopartículas de ferro tendem a se agregar. A voltametria cíclica foi realizada para estudar as propriedades eletroquímicas dos compostos presentes no extrato de açaí. O voltamograma (Fig. 2A) mostra processo anódico/catódico irreversível, dois picos de oxidação e um pico de redução em Epa1 = +160 mV, Epa2 = +300 mV e Epc1 = +200 mV versus Ag|AgCl. Em trabalhos anteriores descrevendo a caracterização do extrato de sementes de açaí por HPLC-DAD (OLIVEIRA et. al, 2015), os polifenóis eram compostos predominantemente por procianidinas poliméricas, heteropolímeros com unidade galocatequina e, em menor grau, procianidinas galoiladas. Assim, o extrato é composto basicamente por proantocianidinas, mas também contém catequina e epicatequina em menor quantidade (KILMARTIN, et. al, 2003). Os padrões de catequina (Epa = 200 mV) e epicatequina (Epa = 180 mV) apresentaram perfil voltamétrico semelhante ao extrato de açaí, confirmando a presença desses polifenóis na amostra. Outra informação importante obtida da voltametria cíclica é a estimativa do poder redutor do extrato de açaí e sua capacidade de reduzir os íons de ferro. Os potenciais redox Fe3+/Fe2+ e Fe2+/Fe são +0,77 V e -0,44 V versus NHE, respectivamente. Isso indicou que Fe3+ pode ser reduzido a Fe2+ pelo extrato de açaí, no entanto, a redução de Fe2+ a ferro de valência zero não é possível (MARKOVA et. al, 2014); (WANG et. al, 2014). A curva TG de ABFe (Fig. 2B) mostra uma alta perda de massa, atribuída à decomposição dos compostos orgânicos dos polifenóis do açaí. A massa residual a 900 ºC foi de 43,3% em peso em base seca e representa o teor de IONPs. A curva mostrou quatro regiões principais de perda de peso, região I (20 – 140 ºC) é atribuída a 13,1% em peso de liberação de umidade. As regiões II (140 – 280 ºC), III (280 – 540 ºC) e IV (540 – 900 ºC) são atribuídas à decomposição de compostos orgânicos menores e poliméricos, e respondem por 56,7% em peso do total de compostos orgânicos em base seca. Os dados das IONS e do extrato estão resumidos na Tabela 1. Tabela 1. Características do material ABFe. Material Characteristicas (a,b) Fe c (wt%) Fe d (wt%) Teor Organico (wt%) e Área Superficial BET (m2 g-1) f Tipo de Fe g ABFe Amorfo ≈ 30 nm 3,10 0,74 56,7 14 Fe3+ (85%) Fe3+ (7%) Fe2+ (8%) a- DRX b- MEV c- MEV-EDS d- ICP-OES e- TG f- Área Superficial BET g- Espectroscopia Mössbauer de 57Fe Tabela 2. Características do extrato de açaí. Extrato Epa1 a (mV) Epa2 a (mV) Epc1 a (mV) Compostos detectados b Conteúdo de polifenólicos (mg EGA g1) c ABSE +160 +300 +200 Fenólicos, alcalóides e taninos. 20,40 Epa (Potencial anódico); Epc (Potencial catódico ) a- Parâmetros de voltametria cíclica b- Testes qualitativos c- Folin-Ciocalteu O extrato liofilizado de sementes de açaí mostra um pico largo em torno de 3405 cm−1 atribuído a grupos hidroxila de polifenol ou água adsorvida. As bandas localizadas em 2926 e 2856 cm−1 correspondem a vibrações de estiramento C-H de grupos metil e metileno. As vibrações de estiramento olefínicas C=C podem ser observadas em 1624 cm−1, enquanto as vibrações de esqueleto C=C em anéis aromáticos causam outras duas bandas em 1513 e 1428 cm−1. As bandas em torno de 1455 e 1376 cm−1 correspondem às vibrações de flexão no plano C-H em grupos metil e metileno. As bandas em 1248 cm−1 e 1052 cm−1 podem ser atribuídas a vibrações de estiramento C-O em grupos álcool, fenol, éter ou éster. As vibrações de flexão fora do plano C–H no derivado de benzeno são atribuídas às bandas em 897 e 831 cm−1 (OVCHINNIKOV et. al, 2016). A Fig. 2D mostra o espectro de Mössbauer 57Fe a temperatura ambiente de ABFe. O espectro foi devidamente ajustado com três dupletos paramagnéticos. Os dubletos com parâmetro hiperfino δ≈0,41 mm/s e 85% e 7% da absorção total são atribuídos ao Fe3+ na akaganeita e ferridrita com fórmula geral FeO(OH)•nH2O. É comum que essas fases apareçam neste tipo de materiais e estejam intimamente relacionadas com o método de preparação. Por outro lado, um pequeno, mas facilmente quantificável, dupleto com área de absorção de 8% e parâmetros hiperfinos δ = 1,11 mm/s e ∆EQ=2,33 mm/s é atribuído ao Fe2+ em uma estrutura molecular orgânica promovida pelas sementes do Açaí. Deve-se notar que a largura da linha de todo o subespectro é relativamente grande (Γ~ 0,5 mm/s) indicando a presença de nanopartículas de acordo com os resultados de difração de raios X e MET. O modelo de pseudo-segunda ordem forneceu o SNE mais baixo sendo o modelo mais confiável para descrever os dados, indicando que a etapa limitante da taxa é a sorção química ou quimissorção e prevê o comportamento em toda a faixa de adsorção. Nesta condição, a taxa de adsorção depende da capacidade de adsorção e não da concentração de adsorbato. Os valores calculados da capacidade de adsorção em equilíbrio para o modelo de pseudo-segunda ordem, qe,calc = 142,14 mg g-1, é próximo ao qe,exp = 130,95 mg g-1 uma diferença de cerca de 3,41%, enquanto para o de primeira-ordem qe,exp = 137,29 mg g-1 difere em 4,84%, portanto, corrobora a boa adequação do modelo de segunda ordem para descrever a adsorção de AM por ABFe. Pelo ajuste não linear, em 25 °C, foi mostrado que os dados experimentais foram bem ajustados pela equação de Freundlich.

Conclusões

Os nanomateriais obtidos foram formados por IONPs amorfos na ordem de 20 nm, compostos por oxohidróxidos de ferro (III) e Fe (II/III) ligados a compostos polifenólicos do extrato vegetal e esse material foi produzido a partir de uma rota simples e ambientalmente correta, utilizando agro-resíduos de sementes de açaí, agregando valor ao material obtido. Observou-se a partir desse trabalho a obtenção de um material adsorvente interessante, já que apresentou uma capacidade de adsorção em equilíbrio (qe) compatível e por vezes mais elevado, quando comparado com dados da literatura, que outros materiais usados para a adsorção do azul de metileno. Observa-se a qualidade do material observando-se que, ao utilizar 2 mg desse adsorvente em 10 mL de corante, já é possível chegar a um qe de 192,12 mg g-1 a 25 °C. Os dados experimentais foram bem ajustados pela isoterma de Freundlich e a cinética de adsorção revelou um modelo de segunda ordem.

Agradecimentos

CNPQ, CAPES, FAPERJ.

Referências

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