Autores
Barboza, J.A.T. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS (UFLA)) ; Ferreira, G.M.D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS (UFLA))
Resumo
Cascas de banana oxidada à sombra (B-OXI) foram submetidas à modificação com os
surfactantes dodecilsulfato de sódio (SDS), brometo de dodeciltrimetilamônio
(DTAB) e brometo de hexadeciltrimetilamônio (CTAB), produzindo os biossorvente B-
SDS, B-DTAB e B-CTAB, respectivamente, para adsorção de turquesa direto (TD).
Análises de FTIR e determinação do ponto de carga zero (pHpcz) foram realizadas. A
modificação com os surfactantes não alterou de forma importante os grupos
funcionais de superfície, mas reduziu o pHpcz. A porcentagem de remoção de TD foi
avaliada como função do pH, sendo que B-OXI e B-CTAB apresentaram melhores
porcentagens de remoção: 96,2 (pH = 2) e 91.70 (pH = 6), respectivamente. Assim, a
modificação com CTAB permitiu melhorar a performance de adsorção em meio neutro.
Palavras chaves
Resíduo agroindustrial; Biossorvente; Adsorção
Introdução
A água é um recurso de primordial importância para o desenvolvimento
socioeconômico mundial, uma vez que há uma dependência intrínseca desse recurso
nas diversas ramificações da indústria e da agropecuária. A disponibilidade de
água tratada e segura para uso é uma questão de saúde pública e a sua qualidade
deve ser assegurada independentemente da destinação final deste recurso
(TAMJIDI; AMERI, 2020; GOMES et al., 2022).
Apesar das indústrias serem uma parte vital para o desenvolvimento da economia
de um país, o fato de que muitos processos empregados utilizam substâncias
nocivas, geram subprodutos e resíduos de igual ou maior periculosidade, somado
ao lançamento de efluentes sem tratamento prévio ou adequado, têm impactos
diretos sobre o ambiente e a biota local. (BULGARIU; BULGARIU, 2018; SARAVANAN
et al., 2021).
Dentre os setores industriais, o têxtil se destaca pelo volume elevado de água
utilizado em seus processos, desde a fiação até o acabamento do tecido. Como
consequência do alto consumo desse recurso, um grande volume de efluente é
gerado contendo uma alta carga de compostos orgânicos, sais, ácidos, oxidantes,
detergentes, sólidos em suspensão, corantes, entre outros. Os corantes são uma
grade compostos, de origem natural ou sintética, cujo objetivo é conferir cor a
um substrato. Dentre os corantes disponíveis há o Turquesa Direto (TD), que é um
corante aniônico da classe das ftalocianinas, utilizado pela indústria no
tingimento de algodão, viscose, seda e papel (MELLO et al., 2013).
A remoção de compostos tóxicos de matrizes aquosas, em geral, utiliza uma
variedade de processos, como a flotação, coagulação, troca iônica, precipitação
química, osmose reversa, degradação biológica, processos oxidativos avançados e
adsorção. Entretanto, alguns dessas técnicas envolvem um alto custo energético e
grande volume de reagentes químicos, além de não apresentarem uma eficiência
satisfatória na remoção de determinados contaminantes e geração de lodo
biológico e químico, demandando tratamentos adicionais (FABRE et al., 2021;
SARAVANAN et al., 2022)
Nesse contexto, os processos adsortivos são métodos bem estabelecidos e de
grande aceitabilidade para aplicação na descontaminação de águas residuais
devido a sua facilidade operacional e alta eficiência (GULER; SOLMAZ, 2022).
Dentre os materiais adsorventes comercialmente disponíveis, o carvão ativado é o
mais conhecido devido a sua alta capacidade de remoção de contaminantes.
Entretanto, o seu alto custo de produção e valor comercial, dificultam sua
utilização em larga escala. Nesse sentido, o uso de compostos naturais, como os
resíduos agroindustriais, que normalmente não têm destinação final adequada ou
valor comercial agregado, mostraram-se promissores para o desenvolvimento de
novos adsorventes, os quais são denominados biossorventes (VENCESLAU et al.,
2021; FABRE et al., 2021).
Os biossorventes apresentam como vantagem a possibilidade de modular as
propriedades destes materiais por meio de modificações físicas e químicas, que
podem resultar em um aumento de porosidade e remoção de compostos inicialmente
adsorvidos sobre o material, resultando em uma maior área superficial. Além
disso, as modificações químicas geram mudanças nos grupos funcionais localizados
sobre a superfície do biossorvente, que são responsáveis por se ligar aos
contaminantes (RAJCZYKOWSKI; SALASINSKA; LOSKA, 2018).
A utilização de biossorventes no tratamento de água apresenta diversas vantagens
quando comparados aos adsorventes químicos convencionais, dentre as quais estão
incluídas a biodegradabilidade em condições naturais, alta disponibilidade e
abundância, além de coleta e preparo simples. São passíveis de serem utilizadas
como matéria prima para a produção de biossorventes uma alta gama de biomassas,
como bactérias, fungos, algas, resíduos industriais, naturais, agrícolas, entre
outros materiais (ANASTOPOULOS et al., 2019).
As bananas fazem parte da família Musaceae, sendo as da espécie Musa accuminata
disponíveis para consumo humano, da qual as Musa cavendishii (banana nanica),
Musa paradisiaca (banana da terra) e Musa sapientum (banana prata) são as mais
cultivadas no mundo. A banana é a segunda fruta mais consumida no Brasil,
perdendo apenas para a laranja. Em média, as cascas correspondem de 30 a 40% do
peso da fruta, sendo esta uma biomassa não aproveitada e geralmente descartada
como resíduo (ALBARELLI et al., 2011; AHMAD; DANISH, 2018).
Nesse sentido, o presente trabalho teve como objetivo principal propor uma
metodologia de modificação superficial da casca de banana, utilizando os
surfactantes dodecilsulfato de sódio (SDS), brometo de dodeciltrimetilamônio
(DTAB) e brometo de cetiltrimetilamônio (CTAB), a fim de otimizar a capacidade
sortiva do biossorvente para a remoção do corante turquesa direto de uma matriz
aquosa.
Material e métodos
Cascas de banana, obtidas em comércio local, foram separadas da polpa, cortadas
e enxaguadas com água e água deionizada. Separaram-se três frações do material,
às quais foram submetidas a diferentes pré-tratamentos: i) lavagem com solução
de hipoclorito 1% e secagem ao sol; ii) oxidação da biomassa à sombra; iii) sem
modificação. Então, os materiais foram secos em estufa a 60 ºC por 72 h,
triturados e peneirados (≤150 µm), sendo nomeados BSS, B-OXI e BMF,
respectivamente.
A capacidade sortiva desses materiais foi avaliada, misturando-se 0,0250 g dos
biossorventes com 25,00 mL de soluções de turquesa direto na concentração de
10,0 mg L-1, com pH ajustado para 3 ou sem ajuste, sob agitação por 1 h. Após
este período, o sistema foi centrifugado e o sobrenadante foi analisado em
espectrofotômetro UV-Vis nos comprimentos de onda de 628 ou 666 nm. O
biossorvente B-OXI foi utilizado para modificação com os surfactantes
dodecilsulfato de sódio (SDS), brometo de dodeciltrimetilamônio (DTAB) e brometo
de cetiltrimetilamônio (CTAB). Para isso, pesaram-se 3,3000 g do biossorvente,
aos quais se adicionaram 25,00 mL de solução de surfactante 0,300 mol L-1 sob
agitação por 24 h. Após este período, os materiais foram filtrados a vácuo e
lavados abundantemente com água para a remoção do surfactante residual. Por fim,
os materiais foram secos em estufa por 24h a 80 ºC e denominados B-SDS, B-DTAB e
B-CTAB.
Espectros de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) foram obtidos para
os biossorventes in natura e modificados, bem como dos surfactantes puros, a fim
de se analisar a incorporação dos surfactantes ao material. As análises foram
feitas em um espectrofotômetro Varian 600-IR Series no modo ATR. Cada espectro
foi obtido na faixa de 400 a 4000 cm-1, com resolução de 4 cm-1, em um total de
32 exames.
As medidas dos pHpcz foram realizadas para os biossorventes B-SDS, B-DTAB, B-
CTAB, B-OXI. Para isso, misturou-se 0,0100 g dos biossorventes com 10,00 mL de
soluções de NaCl 0,100 mol L-1, com pH inicial ajustado entre 2 e 10. Os
sistemas foram agitados por 24 h, sendo então centrifugados a 3200 rpm por 5
min. Os valores de pH dos sobrenadantes foram então medidos em um pHmetro.
O efeito do pH sobre a capacidade de adsorção dos materiais foi avaliado para os
biossorventes B-SDS, B-DTAB e B-CTAB. Para isso, 0,0250 g dos biossorventes
foram misturados com 25,00 mL de solução 10,0 mg L-1 de TD, com pH inicial
ajustado entre 2 e 10. A quantidade de corante adsorvido foi calculada pela
equação 1,
R=C_f/C_i x100 (1)
onde R é a porcentagem de remoção do corante e Cf e Ci são as concentrações
final e inicial do corante (mg L-1), respectivamente.
Resultado e discussão
A Figura 1a apresenta os espectros de FTIR obtidos para os biossorventes BSS, B-
OXI e BMF.
Os espectros apresentaram muitas similaridades, com várias bandas cujas
intensidades foram semelhantes e nos mesmos números de onda. A banda alargada em
3276 cm-1, correspondente ao estiramento vibracional de grupos hidroxila (O-H)
na superfície dos materiais, foi atribuída à presença de celulose, pectina,
hemiceluloses, água adsorvida e lignina (MONDAL; KAR, 2018). As bandas em 2916 e
2849 cm-1 foram atribuídas aos estiramentos vibracionais simétrico e assimétrico
da ligação C-H dos grupos metoxilo na celulose, hemicelulose, lignina e ácidos
alifáticos (STAVRINOU; AGGELOPOULOS; TSAKIROGLOU, 2018). A banda em 1601 cm-1
foi relacionada à presença de ligações C=C de compostos aromáticos (MONDAL; KAR,
2018). A banda em 1027 cm-1 foi relacionada ao estiramento vibracional da
ligação C-O-C de grupos álcoois, éteres alifáticos e deformação da ligação O-H
da ligação glicosídica na celulose e hemicelulose (FABRE et al., 2020).
As bandas em 1733 e 1715 cm-1 foram associadas ao estiramento da ligação C=O,
indicando a presença de ácidos carboxílicos protonados e ésteres. Os grupos
carboxilatos foram identificados pelas bandas intensas de estiramento simétrico
e assimétrico em 1590 e 1439 cm-1. Para o material BSS, a banda de estiramento
simétrico teve maior intensidade relativa, enquanto aquela de estiramento
assimétrico sofreu um deslocamento para 1601 cm-1. Da mesma forma, foi observado
um aumento da intensidade da banda em 1715 cm-1 para este material, indicando
que a presença de um número maior de grupos carboxílicos de superfície,
resultado da oxidação durante a lavagem das cascas de banana com a solução de
hipoclorito, sugerindo que essa modificação pode modular a adsorção do corante
TD.
Os materiais foram submetidos a testes de adsorção de TD em solução com pH 3 ou
pH sem ajuste (~ 6), na concentração inicial de 10 mg L-1 do corante. Em solução
sem ajuste de pH, BSS, B-OXI e BMF apresentaram porcentagens de remoção de 5,9,
7,1 e 6,1%, respectivamente, indicando que a superfície do material apresenta
grupos funcionais negativamente carregados em sua superfície, de forma que a
adsorção do corante na interface é dificultada devido a repulsão eletrostática,
uma vez que o TD é um corante de natureza aniônica.
Nos experimentos realizados em pH 3, BSS, B-OXI e BMF apresentaram remoções de
71,1, 75,3 e 63,8%, respectivamente. Dessa forma, pode-se inferir que a
diminuição do pH do meio favoreceu a remoção do corante devido à protonação de
alguns grupos superficiais dos materiais, possibilitando que as moléculas de
corante pudessem ser sorvidas por meio de interações eletrostáticas. Com base na
eficiência de remoção dos materiais, o biossorvente B-OXI foi escolhido para as
modificações posteriores.
Durante a filtração dos sobrenadantes no processo de modificação, observou-se
que a coloração das soluções mudou para amarelo-claro, indicando que houve
extração de compostos coloridos provenientes de B-OXI. Os materiais modificados
foram caracterizados por FTIR (Figura 1b) e os espectros comparados com aqueles
dos respectivos surfactantes modificadores. Foram observadas algumas alterações
nos espectros dos biossorventes modificados em comparação ao biossorvente in
natura (B-OXI), como redução de intensidade relativa de algumas bandas e
deslocamento no número de onda de outras. Dessa forma, sugere-se que houve uma
modificação estrutural ou de composição dos materiais causado pela modificação
com os surfactantes. Entretanto, dada as sutis alterações de intensidade e
posição das bandas, bem como o fato de nenhuma banda correspondente aos
surfactantes ser identificada no espectro dos biossorventes modificados, não foi
possível confirmar, por FTIR, a incorporação dos surfactantes nas amostras.
Entretanto, a efetiva modificação com os surfactantes DTAB e CTAB foi confirmada
quando o material foi colocado em contato com água deionizada em meios
fortemente ácidos. Após agitação dos tubos, foi verificada a formação de espuma
persistente no sistema, indicando a presença dos surfactantes nos materiais que
foram liberados em baixo valor de pH.
O pHpcz obtido para B-OXI foi de 6,99 enquanto para B-SDS, B-DTAB e B-CTAB foram
de 5,78, 4,74 e 4,49, respectivamente (Figura 2a). A diminuição nos valores de
pHpcz pode estar relacionada à interação entre os surfactantes e os grupos
ácidos e básicos que compõem a superfície do biossorvente, impedindo que estes
estabeleçam equilíbrios ácido-base na superfície do material quando em meio
aquoso.
O pH ótimo para a adsorção de TD pelos biossorventes modificados com e sem
surfactante são apresentados na Figura 2b. O biossorvente B-OXI apresentou uma
remoção de 91,3% em pH 2. Porém, observa-se uma diminuição abrupta da
porcentagem de remoção a partir de pH 4, mantendo um patamar próximo de zero,
indicando que a interação eletrostática tem papel importante para a remoção do
corante, como já discutido.
O biossorvente B-SDS apresentou porcentagem de remoção reduzida em relação ao B-
OXI, sendo de 78,2% em pH 2. Essa redução pode ser relacionada à repulsão
eletrostática entre o surfactante aniônico SDS retido na superfície do material
e o corante TD aniônico bem como uma competição dos monômeros de SDS pelos
sítios de adsorção do biossorvente. Comportamento semelhante ao B-SDS foi
observado nos demais valores de pH.
O biossorvente B-DTAB apresentou a maior porcentagem de remoção dentre os
materiais obtidos nos valores de pH mais baixos, com remoção de 96,2% em pH 2,
40,3% em pH 4 e de 49,4% em pH 6, mostrando que o surfactante incorporado ao
material apresentou impacto positivo sobre o processo sortivo, com uma remoção
importante em uma ampla faixa de pH.
O biossorvente B-CTAB apresentou comportamento diferente das apresentadas pelos
outros materiais, com uma remoção de 41,4% em pH 2, que aumentou com o aumento
de pH, atingindo um valor experimental máximo em pH 6, com remoção de 91,7%.
Esse resultado sugere que a incorporação do surfactante catiônico CTAB permitiu
carregar positivamente a superfície do biossorvente, contribuindo para
interações eletrostáticas favoráveis com o TD mesmo em valores de pH mais
próximos à neutralidade.
Figura 1 - Espectros de FTIR dos biossorventes (a) in natura e (b) modificados.
Figura 2 - Gráficos de (a) pH pcz dos biossorventes modificados e B-OXI e (b) efeito do pH sobre a porcentagem de remoção do corante TD.
Conclusões
Neste trabalho, foi realizada de forma eficiente a modificação da biomassa de
casca de banana pelo uso de diferentes surfactantes. Dentre os biossorventes
produzidos, o B-DTAB e B-CTAB apresentaram maior eficiência de remoção do corante
TD do meio, com remoções de 96,2 (pH = 2) e 91,7% (pH = 6), respectivamente.
Devido aos valores de pH diferentes nos quais os máximos de remoção foram obtidos
para os dois materiais, a modificação do material possibilita a aplicação desses
materiais para sistemas aquosos com diferentes propriedades. O biossorvente B-OXI,
sem modificação com surfactante, apresentou eficiência equiparável ao B-DTAB em pH
2. Contudo, em valores mais altos de pH, o material perde sua capacidade
adsortiva. Apesar da boa eficiência do material B-DTAB, o surfactante utilizado na
modificação é liberado para o meio em baixos valores de pH. Nesse sentido, o
método de modificação exige alterações a fim de que os surfactantes sejam
incorporados no biossorvente de maneira mais efetiva.
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio financeiro das agências CAPES (código de
financiamento 001), CNPq (406474/2021-4) e FAPEMIG (APQ-00775-21). João Antonio
Tavares Barboza agradece à CAPES pela concessão da bolsa de estudos.
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