• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

SÍNTESE E CARACTERIZAÇÃO DE PONTOS DE CARBONO ORIUNDOS DE SUBPRODUTO DO CAFÉ

Autores

Lima, L.C.O. (UFSJ) ; Cunha, L.R.C. (UFSJ) ; Schiavon, M.A. (UFSJ)

Resumo

Pontos de carbono (PCs) são nanomateriais de configuração sp²/sp³, de 2 e 10 nm, à base de carbono, oxigênio e hidrogênio, com excelentes propriedades ópticas, obtidos por diversas fontes. Dentre estas, a borra de café (BC), subproduto da indústria cafeeira, torna-se atraente uma vez que ela é descartada tanto em seu processo produtivo quanto no pós consumo. Assim, este trabalho utilizou-se de BC para a produção de PC pela técnica de pirólise sob ar oxidante. A análise térmica e o desenho de experimento mapearam as melhores condições de síntese, resultando em um rendimento quântico de fotoluminescência de 4,5%, máximo de absorção em 334 nm e emissão de 428 nm, estabilidade em pH 3-11. Isto nos mostra que BC é passível para obtenção de PC, sendo o DoE relevante para otimização da síntese.

Palavras chaves

Ponto de carbono; Borra de Café; Design of Experiment

Introdução

Considerado a terceira maior commodity mundial, o café é uma das bebidas mais consumidas atualmente e com enorme impacto na economia. Somente no Brasil, a produção de café para o ano de 2022 será de 52,8 milhões de sacas de 60 kg e segue com perspectiva de crescimento de 6,8% em comparação com o ano anterior, segundo a estimativa realizada pelo IBGE(IBGE, 2022). Como resultado, um grande volume de resíduos de borra de café (BC) é gerado do processamento industrial de café solúvel e do próprio preparo de café caseiro. Este excesso torna-se preocupante uma vez que eles são constituídos, majoritariamente, de compostos orgânicos e voláteis tornando-se um problema ambiental e ecotoxicológico. Em consequência disso, alguns autores têm buscado alternativas para o processamento deste resíduo, atribuindo a ele um valor agregado, que, em função do alto conteúdo orgânico, pode ser utilizado para a produção de biocombustíveis, otimização de produtos (bioplásticos, biopolímeros, antioxidante etc.) e, mais recentemente, para a produção de nanomateriais carbonáceos. Atabani et. al discutem que a borra de café possui como constituintes principais a hemicelulose, lignina, celulose, proteína, gordura, fibras e carboidratos. Sendo assim, este material possui em cerca de 52 % de carbono o qual apresenta composição atrativa na produção de nanomateriais (ATABANI et al., 2022). O avanço da pesquisa de materiais a base de carbono cresceu exponencialmente na última década, principalmente, em decorrência da descoberta dos chamados pontos de carbono (PCs)(SUN et al., 2006). Estes são nanomateriais de configuração sp²/sp³, de 2 e 10 nm, à base de carbono, oxigênio e hidrogênio, vem ganhando lugar de destaque devido suas propriedades físico-químicas que os tornam relevantes no setor científico e tecnológico (ZHAO et al., 2022). Além disto, apresentam propriedades ópticas ajustáveis, boa fotoestabilidade, síntese ajustável, inércia química, solubilidade em água, biocompatibilidade e baixa toxicidade (YUAN et al., 2022). Com isso, o presente trabalho tem como objetivo a utilização de borra de café para a síntese de PCs pela técnica de pirólise sob ar oxidante. Visa- se a compreensão das propriedades ópticas de PCs oriundos de matriz complexa avaliando, por meio de um desenho de experimentos fatoriais (DoE), os principais efeitos significativos na eficiência de luminescência utilizando- se do software MiniTab®19 como ferramenta.

Material e métodos

Os pontos de carbono foram preparados por meio de uma amostra obtida dos resíduos sólidos de café após lixiviação dos compostos solúveis em água a uma temperatura de 90 °C. Esta amostra foi previamente seca a 105 °C em uma estufa de ar circulante por 6h. Em seguida, foi pesado 2,5g de borra de café seca, distribuída uniformemente em um recipiente de alumina e conduzida a um forno tubular de alumina (EDG®10P-S) para tratamento térmico. O material carbonizado foi triturado até a obtenção de um pó finamente dividido. Subsequentemente, foi transferido a um béquer e adicionou-se 50 ml de água Tipo I (Mili-Q®). Esta mistura foi submetida a um banho de ultrassom (QUIMIS®) por 30 minutos a fim de extrair nanopartículas que poderiam estar adsorvidas ao carvão. Posteriormente, a mistura foi aquecida até a temperatura de ebulição da água (~100ºC) durante 30 min. Por fim, a amostra foi centrifugada (HETTICH®) a 5400 rpm durante 20 minutos, onde o sobrenadante foi filtrado em membrana PVDF com poros de 0,22 μm (Micropore), descartando-se o material retido. A taxa de aquecimento, temperatura e tempo foram escolhidas por meio da análise termogravimétrica (TGA). As relações das condições de síntese (temperatura e tempo) seguiram o desenho de experimento (DoE). O DoE foi desenvolvido considerando os princípios básicos de repetição, aleatoriedade e controle do erro experimental. Foi realizado um planejamento fatorial 2³ para obtenção de um modelo otimizado das condições de interferência na estrutura carbonácea dos PCs (COSTA et al., 2022). O DoE avaliou a combinação de 2 fatores (tempo e temperatura) em três níveis (−1, 0, +1) e em triplicata, consistindo assim de 27 sínteses em sua totalidade. O planejamento fatorial foi operacionalizado usando o Minitab®19 aplicando a técnica de ANOVA, calculando os seus coeficientes de regressão e tendo a área intensidade relativa como dado de entrada. Os pontos de carbono obtidos foram caracterizados pelas técnicas: Espectroscopia de absorção no ultra-violeta visível (UV/Vis), Espectroscopia de Fotoluminescência (PL), Rendimento quântico de Fotoluminescência (ϕ), Análise termogravimétrica (TGA). A influência do pH na intensidade foi avaliada conforme trabalhos anteriores estabelecidos pelo grupo (LIMA, 2020), utilizando-se de uma solução tampão de Britton- Robinson a uma ampla faixa de ação tamponante (3 a 11). A solução composta pela mistura de ácido acético, ácido fosfórico e ácido bórico, a 0,1 mol L-1. O ajuste de pH foi realizado utilizando-se de uma uma solução de NaOH 2,0 mol L-1. As dispersões dos PCs foram feitas diretamente da síntese nas soluções de diferentes pH, sendo os espectros de emissão obtidos com um comprimento de onda de excitação de 310 nm.

Resultado e discussão

A análise de TGA permite visualizar os principais processos de perda de massa e etapas de processo físicos e químicos de um material. Na Figura 1a é apresentado um gráfico de TGA da borra de café, cuja porcentagem de perda de massa se encontra em função da temperatura, em cinco taxas de aquecimento (β) 5–15 °C/min. O aumento de β ocasiona um deslocamento dos termogramas para temperaturas mais altas, assim como maiores percentuais do carvão. A justificativa se dá devido ao tempo de residência da amostra dentro do reator em menores β. Isso porque as baixas taxas fazem com que os compostos voláteis se encontrem mais retidos no sólido, provocando reações reversas do tipo de craqueamento, re-polimerização e re-condensação (FERMOSO AND MAŠEK, 2018). A fim de elucidar estes eventos, calcula-se a derivada das curvas de TGA, sendo estas mais definidas como observado Figura 1b. Há um aumento na intensidade das bandas com o aumento de β, reafirmando a relação da absorção de calor em função das reações dos compostos voláteis. Isto parte da concepção de que, ao receber uma elevada quantidade de calor em um curto espaço de tempo, os diversos compostos voláteis evaporam-se e reagem entre si como parte de reações secundárias às da pirólise primária. Percebe-se também que os maiores eventos se dão entre 250°C a 550°C, com uma primeira banda intensa seguida de outras duas menores, relacionadas com a temperatura específica de decomposição de cada substância. Segundo Chen et al. (2018), estas temperaturas estão de acordo com a decomposição de três biopolímeros: hemicelulose, celulose e lignina. A intensidade destas duas últimas bandas podem variar e/ou sobrerporsem uma vez que são proporcionais a sua quantidade na amostra, em geral, em poucas quantidades. Portanto, para esta amostra pode-se inferir que há uma porcentagem considerável de lignina assim como reportado por (YANG et al., 2007). Dentre as taxas de aquecimento, a de 10°C/min apresenta melhor definição de bandas, demonstrando ser um processo de degradação mais efetivo, sendo ela escolhida para o DoE. Com o objetivo de extrair mais informações sobre BC, a Figura 1c exibe o conjunto de informações de TG, DTA e DTG. Com relação ao TG, a porcentagem de massa obtida ao final foi de 4%. Para o DTG e DTA, inicialmente há uma liberação de água, por um processo endotérmico, até a temperatura de 117,39°C,correspondente à umidade da amostra. Em seguida tem-se um evento exotérmico correspondente a primeira temperatura de degradação à 262°C seguida de uma máxima de 308,36°C e finalizando à 355,53°C. Este valor é condizente com a literatura e pode ser correspondente à estrutura da hemicelulose. Logo após, ocorre o segundo processo exotérmico que abrange uma temperatura de 422,17°C a 479,13°C, com um máximo em 453,96°C relativo a celulose. Por fim, o processo exotérmico que está de 479,19°C a 538,36°C é característico da lignina e se dá no máximo de 498,89°C (JAGDALE et al., 2019). Realizou-se uma análise das isotermas (Figura 1d) nas temperaturas de 300 ºC, 350 ºC e 400 ºC, as quais foram avaliadas a 60 min, 120 min e 180 min, a fim de se verificar o comportamento e a porcentagem de massa que poderia ser obtida. Os tempos e temperaturas fornecem materiais o suficiente para análise, sendo 0,8% a menor massa obtida nestas síntese. O baixo rendimento obtido está de acordo com outros trabalhos e demonstra ser o resultado esperado na produção de pontos de carbono de oriundos de borra de café (CRISTA et al., 2020). Foi utilizado o desenho de experimento, o qual auxilia na avaliação do efeito individual de cada fator em níveis diferentes, significativos ou não para o sistema, demonstrando matematicamente as inter-relações entre eles. A análise de variância juntamente com o modelo linear quadrático simples desenvolvido pela análise de regressões múltiplas, utilizando funções estatísticas F, permitem identificar entre as variáveis temperatura e tempo, qual apresenta peso estatisticamente significativo para o sistema (pvalue≤0,05). As respostas analisadas estão vinculadas a intensidade relativa, isto é, nas intensidades de fotoluminescência pelo valor de absorbância. Foram analisadas em diferentes comprimentos de onda de excitação (λexc) 310 nm , 320 nm, 350 nm e 360 nm, apresentando máximos de intensidades distintas em cada temperatura e tempo. Os resultados de efeitos principais com melhor correlação foram para os λexc de 310 nm com 85% de eficiência do modelo matemático proposto. Para avaliação das variáveis, a Figura 2a exibe os resultados de intensidades em função da temperatura, sendo a melhor de 400°C. Condizente a este resultado, (COSTA et al., 2022) apresentaram respostas similares com relação a maiores valores de temperatura, o qual é justificado por uma formação mais efetiva do núcleo e dos grupos funcionais na superfície, corroborando para melhoras nas propriedades fotofísicas. A Figura 2b avalia o fator tempo em função da temperatura, onde é visto que 3h obtem-se a melhor intensidade. Esses dois conjuntos específicos são as combinações ideais, de acordo com o modelo de regressão linear (PRIMAZ et al., 2018). O gráfico de Pareto da Figura 2c evidenciou que entre as duas variáveis em estudo, a temperatura é a mais significativa, sendo a resposta de maior peso nas contribuições dos resultados obtidos. A partir da análise estatística, a amostra que representa as condições de 400°C e 3h é denominada por BC4 e a partir dela foram feitas as demais caracterizações. A figura 2d apresenta o espectro de uv-visível (lilás), com máximo de intensidade em 334 nm e uma forte absorbâcia na região do ultravioleta. Esta região é um indicativo da transição π-π* que pode ser proveniente de duplas. Ainda na figura 2d, tem-se o espectro de emissão (azul) com máximo em 428 nm na região de emissão azul, caracteristico deste tipo de material. Na Figura 2e temos clássica demonstração de como uma o comprimento de onda de emissão é dependente do comprimento de onda de excitação para os pontos de carbono, no entanto, com uma menor intensidade ao sofrerem um deslocamento batocrômico. Esses espectros de emissão são conjuntos de subestados de energia devido à presença de grupos multicromóforos na superfície dos CDs (CRISTA et al, 2020). Vale ressaltar que este deslocamento visto aqui foi relativamente menor (~20 nm) ao que se é normalmente observador na literatura (~100 nm)(PARK e YANG, 2022). Infere-se para esta análise que a temperatura de pirólise (400 °C) foi um fator determinante para este fato (COSTA et al., 2022). Isso pode ser atribuído a uma amostra mais homogênea uma vez que neste momento a estrutura de hemicelulose, que se encontra a temperaturas mais baixas e porcentagem m/m maiores, tenha sido degradada restando em maior proporção a estrutura de celulose. Assim, este comportamento atribui-se a uma superfície contendo grupos funcionais preenchidos com maior homogeneidade. A distribuição destes grupos presentes na superfície pode ser alterada pelo momento dipolar do solvente e composição da fonte de carbono (HONG e YANG, 2021). O efeito da polaridade no solvente foi observado neste trabalho, onde a variação de pH de 3 a 11, provocou um aumento de intensidade, principalmente em pH 10. A explicação para menores intensidades observadas no pH de 3, 4 e 5 é devido a desprotonação dos grupos da superfície, como por exemplo o grupo carboxil. Este teste permitiu observar a estabilidade em ampla faixa de pH, cujo resultado pode ser utilizado em aplicações futuras, principalmente em biosensores. Para análise da eficiência do material, foi realizado um rendimento quântico de fotoluminescência pelo método comparativo de de Willians (WILLIANS et al.,1983) onde o padrão utilizado nesse estudo foi o sulfato de quinina (ϕ=54%), obtendo-se para BC4 4,5%. Este valor está de acordo com dados da literatura para este tipo de material (CRISTA et al., 2020).

Figura 1

Curvas (a) TG e (b) DTG versus taxa de aquecimento de 5 – 15 °C/min, (c) TG, DTG e DTA à 10°C/min, (d) Isotermas à 300°C, 350 °C e 400°C.

Figura 2

Interação de intensidades em função da temperatura (a) e tempo (b), Gráfico de Pareto dos efeitos padronizáveis (c), e UV-Vis e PL (d) e PL(e)

Conclusões

O presente trabalho alcança os objetivos propostos uma vez que foi possível obter pontos de carbono por meio de uma matriz complexa oriunda de um subproduto industrial, a borra de café. Foi de suma importância o planejamento experimental via DoE para mapear as condições de síntese, bem como entender qual o impacto de cada fator para determinação de bons resultados de fotoluminescência. Paralelamente, as análises termogravimétricas permitiram a avaliação do comportamento e temperatura de decomposição em pontos estratégicos (308 °C, 453 °C e 498°C), possibilitando modular a síntese de acordo com tempo e temperatura em função do produto desejado. Por fim, foi obtido PCs com rendimento quântico de 4,5%, cujo valor é considerado razoável na literatura e é explicado pela ordenação de grupos multicromóforos em sua superfície. O material apresentou estabilidade em diferentes pH e um acrescimo de intensidade na faixa de 7 a 10 sendo justificado pela protonação dos grupos carboxil. O material obtido atende o objetivo, além de poder extrapolar este trabalho com aplicaççoes diversas.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq, à FINEP, à CAPES e à FAPEMIG pelo apoio recebido

Referências

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