Autores
Mota, L.A. (CENA/USP) ; Silva, A.P.M. (ESALQ/USP) ; Oliveira, M.R.B. (ESALQ/USP) ; Pinto, A.U. (ESALQ/USP) ; Almeida, G.M.L.L. (ESALQ/USP) ; Faria, T.M. (ESALQ/USP) ; Baptista, A.S. (ESALQ/USP) ; Arthur, V. (CENA/USP)
Resumo
O selênio (Se), um microelemento indispensável ao ser humano, pode ser
bioacumulado em levedura. Uma elevada absorção, porém, pode gerar mudanças na
fisiologia da célula, principalmente nos seus carboidratos de reserva. O objetivo
do trabalho foi quantificar a trealose em células cultivadas em altas
concentrações de Se. Foi feita uma adaptação da levedura Saccharomyces cerevisiae,
seguida do cultivo em meio YEPD com concentrações: 0 mg/L (T1); 200 mg/L (T2) e
400 mg/L (T3) de selenito de sódio (Na2SeO3). Os parâmetros analisados foram
trealose e viabilidade celular. Como resultado, o T1 acumulou mais trealose e
apresentou maior viabilidade celular. Conclui-se que, mesmo com a evolução
adaptativa, as leveduras reduzem a sua capacidade de acumular a trealose e manter
a viabilidade.
Palavras chaves
Carboidratos de reserva; Trealose; Leveduras
Introdução
O Se é um microelemento indispensável ao organismo humano. Está envolvido no
sistema imunológico, no combate a danos oxidativos, através da enzima glutationa
peroxidase. É integrante de mais de 30 selenoproteínas e ajuda na prevenção de
algumas doenças, como diabetes e alzheimer. Além disso, atua em processos
biológicos, como biossíntese mitocondrial do ATP (SURAI, 2018).
Tradicionalmente, o Se é disponibilizado na dieta através de alimentos
como carnes e vegetais (KIELISZEK, 2019). No entanto, o teor de Se varia e, em
algumas regiões, pode chegar a ser insuficiente. A dose diária ideal desse
elemento para um ser humano adulto é estabelecida em 55 µg por dia, para atuar
normalmente nos processos bioquímicos e fisiológicos.
Com o intuito de melhorar a biodisponibilidade desse micronutriente,
leveduras, que são utilizadas como fonte de suplementação, sendo cultivadas e
adaptadas em meio enriquecido com altas concentrações de Se, uma vez que esses
microrganismos são capazes de incorporar microelementos em biomoléculas,
acumulando-os em concentrações elevadas (PEDRERO e MADRID, 2009). Essa
incorporação elevada, porém, pode gerar algumas mudanças no metabolismo da célula
devido ao estresse que é gerado, principalmente dos seus carboidratos de reserva,
como a trealose. Esse dissacarídeo aumenta a viabilidade celular, inibindo a
autólise, através da estabilização da estrutura da membrana, atuando como um
protetor contra o estresse (GENÇ, 2020). Por esse motivo, o objetivo deste
trabalho foi quantificar a trealose em células de levedura cultivadas em altas
concentrações de Se e entender como esse fator de estresse interfere no acúmulo de
trealose e sobre a viabilidade celular das leveduras, após ter realizado um
processo de adaptação evolutiva.
Material e métodos
Cultivo das leveduras
Primeira etapa: o processo adaptativo da levedura Saccharomyces
cerevisiae, linhagem Thermosacc, foi realizado em placa de Petri com YEPD
suplementado, inicialmente com 200 mg L-1 de Na2SeO3, sendo realizado o acréscimo
gradativo de 4 mg L-1 por ciclo até a concentração máxima de 400 mg L-1.
Segunda etapa: as células foram cultivadas em meio YEPD líquido (6% de
glicose) suplementado com 0 mg/L (T1) - Controle; 200 mg/L (T2) e 400 mg/L (T3) de
Na2SeO3. Os tratamentos foram realizados em quadruplicatas, temperatura de 28˚C
sob agitação de 130 rpm. O cultivo iniciou com 100 mL de mosto em Erlenmeyer de
500 mL e inoculado com 3% de levedura. A cada 24 horas, o meio de cultivo era
removido através de centrifugação e um novo meio de cultivo com o dobro de volume
era adicionado, totalizando 120 h de experimento.
Extração e Quantificação de Trealose
A análise de trealose das leveduras foi realizada após 120 h da
inoculação, de acordo com a metodologia descrita por Trevelyan & Harrison (1956).
A extração foi realizada com o ácido tricloroacético 0,5 M. Sendo utilizada a
centrífuga Kasvi®, a 3000 rpm por 5 minutos, o sobrenadante obtido foi destinado
para a quantificação pelo método de Antrona descrito por Brin (1966). Em seguida,
foram adicionados 0,3 mL da amostra e 0,3 mL da solução de antrona nos tubos de
ensaio, para então homogeneizar e colocar em banho-maria por 10 minutos. Após
deixar esfriar, foi realizada a leitura a 620 nm.
Viabilidade celular
A viabilidade celular das leveduras foi determinada de acordo com a
metodologia descrita por Pierce (1970), na qual foi utilizada solução de azul de
metileno 0,1% e as contagens das células vivas e mortas foram realizadas em
câmaras de Newbauer, por microscopia óptica.
Resultado e discussão
Como resultado, obtivemos que as leveduras submetidas ao tratamento T1
foram as que apresentaram o maior acúmulo de trealose, com 0,84 ± 0,03% m v-1
(massa seca). Já as leveduras submetidas aos tratamentos T2 e T3 obtiveram
0,17±0,01 e 0,47±0,01% m v-1 (massa seca), respectivamente (p<0,05).
Os resultados obtidos suportam a hipótese de que a presença de altas
concentrações de Na2SeO3 no meio de cultivo, foi um fator limitante ao crescimento
das leveduras submetidas aos tratamentos T2 e T3. Por consequência foi observado
que nessas condições as leveduras apresentaram menor acúmulo de trealose e se
multiplicaram mais lentamente.
No tocante à viabilidade celular, as leveduras submetidas ao T1
apresentaram a maior viabilidade, com 62,46 ±0,02%, enquanto as submetidas ao T2 e
T3 apresentaram 39,42±0,01% e 50,77±0,01% de viabilidade, respectivamente
(p<0,05). Estes resultados corroboram com aqueles apresentado no trabalho de
Kieliszek et al. (2020), no qual relataram que a função da trealose é proteger e
estabilizar as membranas. Porém, quando as células de levedura encontram-se em um
meio de cultivo com elevadas concentrações de Se, que possam danificar a estrutura
da membrana, alterando a composição dos ácidos graxos, elas tornam-se mais
propensas ao ataque de radicais livres. Como consequência desse processo, pode
ocorrer a diminuição da viabilidade celular.
Com relação às leveduras submetidas ao T2 apresentarem menor viabilidade
que as leveduras submetidas ao T3, pode estar associado ao processo adaptativo
durante os 50 ciclos de aumentos gradativos de Na2SeO3 ao meio de cultivo. O que
pode ter gerado o que chamamos de evolução adaptativa, justificando essa alta
concentração de 400 mg/L de Na2SeO3 não causar tanto estresse ao nível celular
como 200 mg/L.
Conclusões
Conclui-se que, mesmo com a evolução adaptativa, as leveduras reduzem a sua
capacidade de acumular a trealose e manter a viabilidade celular.
Agradecimentos
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) -
Código de Financiamento 001.
Referências
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