• Rio de Janeiro Brasil
  • 14-18 Novembro 2022

DESATIVAÇÃO DE ACETONA TRIPLETE POR L-TYR E L-MET: POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES BIOMÉDICAS

Autores

Gomes, T.M.V. (IQUSP) ; Graziuso, G.M. (IQUSP) ; Ramos, L.D. (IQUSP) ; Stevani, C.V. (IQUSP) ; Bechara, E.J.H. (IQUSP)

Resumo

Espécies carbonílicas excitadas ao estado triplete possuem propriedades de iniciar reações tipicamente fotoquímicas mesmo na ausência de luz. Neste trabalho é apresentado o uso dos aminoácidos L-Tyr e L-Met como supressores ou alvos prioritários da acetona triplete. O sistema isobutanal/peroxidase de raiz forte, já conhecido como gerador de acetona triplete, foi submetido ao estudo de supressão com os aminoácidos em questão. Com o tratamento de Stern-Volmer obtiveram-se as constantes de supressão (kq), 1,1 x 109 L/mol.s para L-Met e 2,2 x 1011 L/mol.s para L-Tyr, caracterizando processos controlados principalmente por difusão. Nas análises por HPLC da reação foram detectados possíveis produtos da reação, tendo sido observado também o consumo do aminoácido em questão.

Palavras chaves

fotoquímica no escuro; acetona triplete; aminoácidos

Introdução

No início da década de 70, Giuseppe Cilento (IQUSP), Emil White (Johns Hopkins University) e Angelo Lamola (AT T Bell Laboratories) postularam que reações tipicamente fotoquímicas poderiam ocorrer no escuro in vivo a partir de intermediários eletronicamente ricos e excitados, formados na ausência de luz (CILENTO, 1973; WHITE et al, 1974; LAMOLA, 1971). Essa hipótese paradoxal de “fotoquímica no escuro” foi quimicamente ancorada pela síntese e estudo de 1,2- dioxetanos e 1,2-dioxetanonas, cuja termólise gera produtos carbonílicos excitados ao estado triplete, com tempos de vida relativamente longos e que apresentam uma quimiluminescência ultra fraca (ultraweak chemiluminescence) (BECHARA et al, 1979). A oxidação de isobutanal (IBAL) catalisada por peroxidase de raiz forte (HRP) é um exemplo de reação enzimática que gera acetona triplete, tendo como intermediário um derivado do 1,2-dioxetano (BECHARA et al, 1979) (Figura 1). Danos estruturais à HRP durante a oxidação do IBAL são provenientes da ação da acetona triplete e radicais formados, principalmente pela abstração de hidrogênio da porção carbohidrato da enzima (BAADER et al, 2015). O uso do aminoácido L-Trp mostrou-se eficiente na proteção da estrutura da enzima (RAMOS et al, 2021), e pode ser o caminho para o desenvolvimento de possíveis supressores das espécies excitadas. Alterações no metabolismo de L-Tyr e L-Met estão relacionadas a complicações hepáticas, renais e neurológicas, podendo culminar em quadros de hipertirosinemia e hipermetioninemia (MORROW et al, 2017; SOARES et al, 2017). O estudo de mecanismo de reação de espécies carbonílicas geradas enzimaticamente frente a um quadro de excesso de Tyr e Met pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas que abrandem os quadros dessas doenças.

Material e métodos

Reagentes e Soluções: Todos os reagentes de mais alto grau de pureza disponível foram comprados da Sigma-Aldrich e Merk e usados sem prévia purificação, a menos que seja citado. Soluções estoque e tampão fosfato foram preparados em água MilliQ®, pré-tratada com Chelex®-100. As soluções de HRP, H2O2 e L-Met foram preparadas em tampão fosfato 100 mM pH 7,4 com adição de DTPA 0,1 mM. O IBAL foi previamente destilado e sua solução foi preparada em etanol. A solução estoque de L-Tyr foi preparada em HCL 0,1 M. Estudos de supressão: A constante de Stern- Volmer, KSV, foi determinada plotando-se I0/I vs [Q], em que I0 e I são, respectivamente, a intensidade de quimioluminescência medida em luminômetro (Berthold, Sirius) na ausência e presença de L-Tyr (2,5 – 50 µM) ou L-Met (0,25 – 2,5 mM), e [Q] é a concentração do aminoácido, de acordo com a equação de Stern-Volmer I0/I = 1 + KSV[Q]. As constantes cinéticas de supressão (kq) foram determinadas pela inclinação KSV = kqτ obtida pelo plot de Stern-Volmer, na qual τ é o tempo de vida da espécie excitada. Os experimentos foram realizados a 37°C em tampão fosfato (100 mM pH 7,4, DTPA 0,1 mM), IBAL (20 mM), HRP (5 µM), H2O2 (0,5 µM) e concentrações crescentes de L-Tyr e L-Met. Análises em HPLC: As análises de separação de produtos das reações incubadas em atmosfera de O2 por 24h a 37 ºC foram realizadas em um HPLC (Shimadzu LCMS-2020) com detector UV-Vis utilizando a coluna Luna C18, 100 Å, 250 x 4,6 mm. Como fase móvel foi utilizado ácido fórmico 0,05% (fase A) e acetonitrila (fase B). As corridas foram realizadas em gradiente do eluente, variando a proporção da fase B de 4% até 30% em 30 min, seguido de um regime isocrático de 30% da fase B por 10 min. Retornando para 4% da fase B após 1 min mantendo-se até o final da corrida.

Resultado e discussão

Com o aumento da concentração dos aminoácidos, ocorre supressão linear da luz emitida (Figuras 2A e 2B), suficiente para traçar as curvas de Stern-Volmer, cujas inclinações (KSV) encontradas foram 1,3 x 103 L/mol e 2,6 x 105 L/mol para L-Met e L-Tyr, respectivamente (Figuras 2C e 2D). Considerando o tempo de vida da acetona triplete em meio aquoso aerado como 1,2 µs (CATALANI et al, 1987), obtiveram-se os valores das constantes cinética de supressão (kq) de 1,1 x 109 L/mol.s para L-Met e 2,2 x 1011 L/mol.s para L-Tyr. O valor para a supressão por L-Met é coerente com um processo controlado por difusão, considerando que o coeficiente difusional em água é de aproximadamente 5 x 109 L/mol.s (MONTALTI et al, 2006). No caso da supressão por L-Tyr, esse valor ultrapassa o de uma supressão controlada por difusão, indicando provavelmente um componente estático significativo na supressão, como observado para o L-Trp (RAMOS et al, 2021). Nas análises de HPLC, observou-se um pico intenso com tempo de retenção de aproximadamente 5 min, em ambos os casos, correspondente ao aminoácido utilizado. Comparando-se este pico com o padrão de aminoácido, de mesma concentração, é possível observar seu consumo. Entre 25 - 40 min foi possível observar picos de menor intensidade possivelmente correspondentes aos produtos de oxidação e/ou adutos formados com radicais gerados na reação, tanto para L- Met como para L-Tyr, não observados no controle da reação na ausência dos mesmos. Estes produtos podem ser a adição direta de radicais terciários e secundários do IBAL ou da acetona triplete, bem como a oxidação dos aminoácidos por oxigênio singlete, um produto quase sempre formado em meio aerado na presença de acetona triplete (RAMOS et al; 2021).

Figura 1

Geração de acetona triplete pela oxidação aeróbica de isobutanal (IBAL) catalisada por HRP (BECHARA et al, 1979).

Figura 2

Quimiluminescência do sistema IBAL/HRP em concentrações crescentes de supressor, sendo (A) L-Met, (B) L-Tyr. Stern-Volmer para (C) L-Met, (D) L-Tyr.

Conclusões

Com os dados obtidos é possível mostrar que os aminoácidos L-Tyr e L-Met podem ser alvos de espécies eletronicamente excitadas, radicais intermediários e possivelmente oxigênio singlete como sugerido para o Trp (RAMOS et al, 2021). A supressão colisional (com possível componente estático para L-Tyr), bem como a obtenção de evidências da formação de produtos apontam para uma cinética de supressão rápida entre os aminoácidos e a espécie excitada, podendo estes serem alvos preferenciais destas espécies em sistemas biológicos onde ocorre o acúmulo destes aminoácidos.

Agradecimentos

Esse trabalho está sendo apoiado pela FAPESP (EJHB e CVS 2017/22501-2, LDR 2019/24515-6; TMVG 2020/04082-5) e pelo CNPq (EJHB 306460/2016-5; CVS 303525/2021- 5; TMVG 140320/2022-9; GMG 161036/2021-0).

Referências

BAADER, WILHELM J., STEVANI, CASSIUS V., BECHARA, ETELVINO J. H. (2015) "Photo" Chemistry Without Light? Journal of the Brazilian Chemical Society, 12: 2430-2447.
BECHARA, E. J. H., OLIVEIRA, O. M. M. F., DURAN, N., BAPTISTA, R. C., E CILENTO, G. (1979) Peroxidase catalyzed generation of triplet acetone. Photochemistry and Photobiology, 30, 101–110.
CATALANI, L. H., WILSON, T., BECHARA, E. J. H. (1987) Two water soluble fluorescence probes for chemiexcitation studies: Sodium 9,10-dibromo- and 9,10-diphenylanthracene-2-sulfonate. Synthesis, properties and application to triplet acetone and tetramethyldioxetane. Photochemistry and Photobiology, 45, 273-281.
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MONTALTI, M.; CREDI, A.; GANDOLFI, M. T. (2006) Handbook of Photochemistry, third ed., CRC Press, Boca Raton.M. Montalti, A. Credi, L. Prodi, M.T. Gandolfi, Handbook of Photochemistry, third ed., CRC Press, Boca Raton, 2006.
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SOARES, M. S. P.; OLIVEIRA, P. S.; DEBOM, G. N.; MATTOS, B. S.; POLACHINI, C. R.; BALDISSARELLI, J.; MORSCH, V. M.; SCHETINGER, M. R. C.; TAVARES, R. G.; STEFANELLO, F. M.; SPANEVELLO, R. M. (2017) Chronic administration of methionine and/or methionine sulfoxide alters oxidative stress parameters and ALA-D activity in liver and kidney of young rats. Amino Acids, 2017. 49(1):129-138.
WHITE, E. H., MIANO, J. D., WATKINS, C. J., BREAUX, E. J. (1974) Chemically Produced Excited States. Angewandte Chemie International Edition, 13, 229–243.

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