Autores
Gomes, T.M.V. (IQUSP) ; Graziuso, G.M. (IQUSP) ; Ramos, L.D. (IQUSP) ; Stevani, C.V. (IQUSP) ; Bechara, E.J.H. (IQUSP)
Resumo
Espécies carbonílicas excitadas ao estado triplete possuem propriedades de
iniciar reações tipicamente fotoquímicas mesmo na ausência de luz. Neste
trabalho é apresentado o uso dos aminoácidos L-Tyr e L-Met como supressores ou
alvos prioritários da acetona triplete. O sistema isobutanal/peroxidase de raiz
forte, já conhecido como gerador de acetona triplete, foi submetido ao estudo de
supressão com os aminoácidos em questão. Com o tratamento de Stern-Volmer
obtiveram-se as constantes de supressão (kq), 1,1 x 109 L/mol.s para
L-Met e 2,2 x 1011 L/mol.s para L-Tyr, caracterizando processos
controlados principalmente por difusão. Nas análises por HPLC da reação foram
detectados possíveis produtos da reação, tendo sido observado também o consumo
do aminoácido em questão.
Palavras chaves
fotoquímica no escuro; acetona triplete; aminoácidos
Introdução
No início da década de 70, Giuseppe Cilento (IQUSP), Emil White (Johns Hopkins
University) e Angelo Lamola (AT T Bell Laboratories) postularam que reações
tipicamente fotoquímicas poderiam ocorrer no escuro in vivo a partir de
intermediários eletronicamente ricos e excitados, formados na ausência de luz
(CILENTO, 1973; WHITE et al, 1974; LAMOLA, 1971). Essa hipótese paradoxal de
“fotoquímica no escuro” foi quimicamente ancorada pela síntese e estudo de 1,2-
dioxetanos e 1,2-dioxetanonas, cuja termólise gera produtos carbonílicos
excitados ao estado triplete, com tempos de vida relativamente longos e que
apresentam uma quimiluminescência ultra fraca (ultraweak chemiluminescence)
(BECHARA et al, 1979). A oxidação de isobutanal (IBAL) catalisada por peroxidase
de raiz forte (HRP) é um exemplo de reação enzimática que gera acetona triplete,
tendo como intermediário um derivado do 1,2-dioxetano (BECHARA et al, 1979)
(Figura 1).
Danos estruturais à HRP durante a oxidação do IBAL são provenientes da ação da
acetona triplete e radicais formados, principalmente pela abstração de
hidrogênio da porção carbohidrato da enzima (BAADER et al, 2015). O uso do
aminoácido L-Trp mostrou-se eficiente na proteção da estrutura da enzima (RAMOS
et al, 2021), e pode ser o caminho para o desenvolvimento de possíveis
supressores das espécies excitadas. Alterações no metabolismo de L-Tyr e L-Met
estão relacionadas a complicações hepáticas, renais e neurológicas, podendo
culminar em quadros de hipertirosinemia e hipermetioninemia (MORROW et al, 2017;
SOARES et al, 2017). O estudo de mecanismo de reação de espécies carbonílicas
geradas enzimaticamente frente a um quadro de excesso de Tyr e Met pode
contribuir para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas que abrandem os
quadros dessas doenças.
Material e métodos
Reagentes e Soluções: Todos os reagentes de mais alto grau de pureza disponível
foram comprados da Sigma-Aldrich e Merk e usados sem prévia purificação, a menos
que seja citado. Soluções estoque e tampão fosfato foram preparados em água
MilliQ®, pré-tratada com Chelex®-100. As soluções de HRP, H2O2 e L-Met foram
preparadas em tampão fosfato 100 mM pH 7,4 com adição de DTPA 0,1 mM. O IBAL foi
previamente destilado e sua solução foi preparada em etanol. A solução estoque
de L-Tyr foi preparada em HCL 0,1 M. Estudos de supressão: A constante de Stern-
Volmer, KSV, foi determinada plotando-se I0/I vs [Q], em que I0 e I são,
respectivamente, a intensidade de quimioluminescência medida em luminômetro
(Berthold, Sirius) na ausência e presença de L-Tyr (2,5 – 50 µM) ou L-Met (0,25
– 2,5 mM), e [Q] é a concentração do aminoácido, de acordo com a equação de
Stern-Volmer I0/I = 1 + KSV[Q]. As constantes cinéticas de supressão (kq) foram
determinadas pela inclinação KSV = kqτ obtida pelo plot de Stern-Volmer, na qual
τ é o tempo de vida da espécie excitada. Os experimentos foram realizados a 37°C
em tampão fosfato (100 mM pH 7,4, DTPA 0,1 mM), IBAL (20 mM), HRP (5 µM), H2O2
(0,5 µM) e concentrações crescentes de L-Tyr e L-Met. Análises em HPLC: As
análises de separação de produtos das reações incubadas em atmosfera de O2 por
24h a 37 ºC foram realizadas em um HPLC (Shimadzu LCMS-2020) com detector UV-Vis
utilizando a coluna Luna C18, 100 Å, 250 x 4,6 mm. Como fase móvel foi utilizado
ácido fórmico 0,05% (fase A) e acetonitrila (fase B). As corridas foram
realizadas em gradiente do eluente, variando a proporção da fase B de 4% até 30%
em 30 min, seguido de um regime isocrático de 30% da fase B por 10 min.
Retornando para 4% da fase B após 1 min mantendo-se até o final da corrida.
Resultado e discussão
Com o aumento da concentração dos aminoácidos, ocorre supressão linear da luz
emitida (Figuras 2A e 2B), suficiente para traçar as curvas de Stern-Volmer,
cujas inclinações (KSV) encontradas foram 1,3 x 103 L/mol e 2,6 x
105 L/mol para L-Met e L-Tyr, respectivamente (Figuras 2C e 2D).
Considerando o tempo de vida da acetona triplete em meio aquoso aerado como 1,2
µs (CATALANI et al, 1987), obtiveram-se os valores das constantes cinética de
supressão (kq) de 1,1 x 109 L/mol.s para L-Met e 2,2 x
1011 L/mol.s para L-Tyr. O valor para a supressão por L-Met é
coerente com um processo controlado por difusão, considerando que o coeficiente
difusional em água é de aproximadamente 5 x 109 L/mol.s (MONTALTI et
al, 2006). No caso da supressão por L-Tyr, esse valor ultrapassa o de uma
supressão controlada por difusão, indicando provavelmente um componente estático
significativo na supressão, como observado para o L-Trp (RAMOS et al, 2021).
Nas análises de HPLC, observou-se um pico intenso com tempo de retenção de
aproximadamente 5 min, em ambos os casos, correspondente ao aminoácido
utilizado. Comparando-se este pico com o padrão de aminoácido, de mesma
concentração, é possível observar seu consumo. Entre 25 - 40 min foi possível
observar picos de menor intensidade possivelmente correspondentes aos produtos
de oxidação e/ou adutos formados com radicais gerados na reação, tanto para L-
Met como para L-Tyr, não observados no controle da reação na ausência dos
mesmos. Estes produtos podem ser a adição direta de radicais terciários e
secundários do IBAL ou da acetona triplete, bem como a oxidação dos aminoácidos
por oxigênio singlete, um produto quase sempre formado em meio aerado na
presença de acetona triplete (RAMOS et al; 2021).
Geração de acetona triplete pela oxidação aeróbica de isobutanal (IBAL) catalisada por HRP (BECHARA et al, 1979).
Quimiluminescência do sistema IBAL/HRP em concentrações crescentes de supressor, sendo (A) L-Met, (B) L-Tyr. Stern-Volmer para (C) L-Met, (D) L-Tyr.
Conclusões
Com os dados obtidos é possível mostrar que os aminoácidos L-Tyr e L-Met podem ser
alvos de espécies eletronicamente excitadas, radicais intermediários e
possivelmente oxigênio singlete como sugerido para o Trp (RAMOS et al, 2021). A
supressão colisional (com possível componente estático para L-Tyr), bem como a
obtenção de evidências da formação de produtos apontam para uma cinética de
supressão rápida entre os aminoácidos e a espécie excitada, podendo estes serem
alvos preferenciais destas espécies em sistemas biológicos onde ocorre o acúmulo
destes aminoácidos.
Agradecimentos
Esse trabalho está sendo apoiado pela FAPESP (EJHB e CVS 2017/22501-2, LDR
2019/24515-6; TMVG 2020/04082-5) e pelo CNPq (EJHB 306460/2016-5; CVS 303525/2021-
5; TMVG 140320/2022-9; GMG 161036/2021-0).
Referências
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