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60º COngresso Brasileiro de Química

AVALIAÇÃO DA AÇÃO DO COAGULANTE PRODUZIDO A PARTIR DE TANINOS EXTRAÍDOS DO BAGAÇO DA UVA


ÁREA

Química Computacional

Autores

Vicente, G.C. (UTFPR) ; Molin, M. (UNIPAMPA) ; Liendo, M.A. (UNIPAMPA) ; Ferreira, V.L.D. (UNIPAMPA)

RESUMO

Foi o objetivo do presente estudo a extração hidroetanólica de taninos a partir do bagaço da uva, visando à obtenção de um tanino catiônico polimérico, via reação de Mannich e avaliação de sua ação coagulante mediante comparação com um coagulante comercial. A partir da caracterização física, o bagaço da uva mostrou uma umidade de 75%, um diâmetro médio de Sauter de 0,420 mm, a massa específica aparente de 463,23 kg/m³ e a massa específica real de 1456,7 kg/m³. Elaborou-se um delineamento experimental fatorial 2³, com as variáveis: temperatura, tempo de extração e relação água/etanol. A melhor condição (65°C, 1 h, 1:4) resultou em uma quantidade máxima de 121,2 μg TC/mL. O coagulante obtido apresentou uma redução da turbidez de um 94,1% frente ao comercial que foi de 90,8%.

Palavras Chaves

Tanino catiônico; Extração hidroetanólica; Tratamento de água

Introdução

No processamento da uva, para a produção do vinho, são gerados efluentes e resíduos sólidos que na sua maioria não são reutilizados com fins econômicos. O bagaço da uva é formado por resíduos sólidos, que geralmente são os engaços, bagaços, sementes da uva e também por materiais líquidos, como o mosto (CATANEO et al., 2008). O bagaço da uva possui uma diversidade de compostos fenólicos, como os taninos, que também estão presentes no vinho. Por esse motivo, o bagaço da uva, após prensagem, é mantido em contato com o vinho por determinado tempo para que transfira a cor, bem como, os taninos que causam então o sabor adstringente até serem separados na etapa conhecida como “descube” (CATANEO et al., 2008; FERRARI, 2010; GALLON et al., 2014). Esses resíduos são gerados em larga escala nesse processo representando cerca de 13% do peso das uvas utilizadas. Portanto, é um valor considerável de resíduos produzidos os quais geralmente são utilizados como fertilizantes, ingredientes para alimentação animal e combustíveis para caldeiras. Entretanto, esses usos podem interferir na germinação das sementes e também na digestibilidade de nutrientes dos animais. Assim, é importante visualizar e buscar novas utilizações para esse tipo de resíduo, que é rico em compostos bioativos (CATANEO et al., 2008; HIXSON et al., 2016; HUERTA, 2018; TRUGILHO et al., 2003). A produção de coagulantes à base de taninos surge como alternativa para o uso desses compostos presentes no bagaço da uva. Os taninos são compostos fenólicos extraídos de diversas fontes vegetais, sendo abundantemente encontrados no Quebracho (Schinopsis balansae) e na Acácia Negra (Acacia mearnsii). Os mesmos, quando submetidos a reações com compostos contendo grupos amino e aldeídos, produzem o tanino catiônico polimérico, geralmente utilizado como coagulante no tratamento de água (GRAHAM et al., 2008; MELO et al., 2011). Para a produção do tanino catiônico polimérico é preciso extrair esses compostos fenólicos da sua matéria-prima. Assim, de forma geral, os principais fatores que interferem na extração são a temperatura utilizada, o solvente, o tempo e o método da extração. Na literatura, constam intervalos de temperaturas de extração de 40°C a 120°C, utilizando diversos solventes como água quente, combinada a sais orgânicos, como hidróxido de sódio e carbonato de sódio, além de etanol, metanol ou acetona. Sabe-se que as temperaturas baixas favorecem a extração de taninos, bem como a granulometria da matriz sólida, sendo recomendada ser menor que 1 mm. Além da eficiência da extração, diversos autores enfatizam a segurança dos procedimentos, fatores econômicos, disponibilidade e toxicidade dos solventes utilizados. Desta forma, por conta dos aspectos mencionados, o etanol é o solvente que menos oferece riscos (BOSSO; GUAITA; PETROZZIELLO, 2016; BRAHIM; GAMBIER; BROSSE, 2014; COUTINHO, 2013; GAMBIER et al., 2018; PING et al., 2011; PIZZI, 1983; TRUGILHOet al., 2003). Uma vez obtido o extrato de taninos, para se produzir o coagulante, é necessário que este seja submetido à reação de Mannich, na qual transforma o tanino sem carga em tanino catiônico, a partir da adição de um cátion na estrutura do mesmo. Esta inserção da carga, viabiliza o uso destes compostos no tratamento de água, visto que quando utilizado, ocorre uma desestabilização das partículas e sólidos suspensos presentes na água, pois estes possuem cargas opostas à do coagulante e, consequentemente, ocorre a sua agregação e sedimentação. Porém, a reação de Mannich ocorre somente com os taninos condensados presentes no extrato, que são produtos polimerizados dos compostos flavan-3-ol e flavan-3,4-diol (KAWAMURA, 2000; MANGRICH et al., 2014; PELEGRINO, 2011; SALUNKHE; CHAVAN; KADAN, 1990). Além do mencionado em relação à busca por alternativas de uso de um resíduo industrial, os coagulantes naturais à base de taninos são muito utilizados no tratamento de água pela sua atuação em uma grande faixa de pH, reduzindo e, por vezes, eliminando o uso de alcalinizantes. Comparados aos coagulantes tradicionais frequentemente utilizados em estações de tratamento de água , como é o caso do sulfato de alumínio, os coagulantes a base de taninos, não acrescentam metais no processo nem no lodo produzido na etapa de sedimentação, reduzindo ainda o volume deste último (GRAHAM et al., 2008; ÖZACAR; SENGIL, 2003; VANACÔR, 2005). Em vista disso, o presente trabalho teve como objetivo a realização da extração hidroetanólica dos taninos provenientes do bagaço da uva e a avaliação das melhores condições de extração conforme um delineamento experimental fatorial 2³, a partir da quantificação dos polifenóis totais e taninos condensados totais. Além disso, também focou-se na posterior obtenção do tanino catiônico polimérico via reação de Mannich e na comparação de sua ação coagulante em relação a um coagulante comercial.

Material e métodos

Utilizaram-se os reagentes etanol 99%, água destilada, reagente Folin- Ciocalteau, solução de CaCO3 20% (m/v), solução de butanol e ácido clorídrico 5% (v/v), formaldeído, cloreto de amônio P.A., carbonato de cálcio P.A, o coagulante comercial cedido pela empresa TANAC S.A., e o bagaço da uva fornecido pela vinícola Guatambu Estância do Vinho, composto de 50% de cada variedade de uvas Tannat e Cabernet Sauvignon. Realizou-se a secagem da matéria-prima em estufa com convecção forçada (Nova Ética, 400 – 5ND), a 70°C, por 48 horas (TONETTI; SUZUKI; TONIN, 2016). Fez-se a moagem em moinho de facas (Marconi, MA 580). Para a caracterização granulométrica utilizou-se um agitador eletromagnético (Bertel) para peneiras (fundo, 115, 60, 32 e 16 mesh). Assim, obteve-se o diâmetro médio de Sauter (dps) (KUNII; LEVENSPIEL, 1991). Os ensaios de picnometria gasosa foram realizados em picnômetro gasoso (Quantachrome Instruments, ULTRAPYC 1200e) para a determinação da massa específica real (ρreal) e em proveta para determinação da massa específica aparente (ρbulk) (KUNII; LEVENSPIEL, 1991). Para o teste de umidade utilizou-se o método gravimétrico em estufa com convecção forçada (Nova Ética, 400 – 5ND) (AOAC, 1997). Para a extração dos taninos, utilizou- se o solvente etanol-água na proporção matéria-prima e solvente de 1:8 (m/v). Realizaram-se as extrações usando um banho metabólico dubnoff (Solab, SL 157). Conforme o delineamento experimental fatorial 2³, realizaram-se oito ensaios, relacionando três variáveis de extração: tempo (text), de 1 e 2 horas, temperatura (Text), de 40 e 65°C e, proporção do solvente etanol e água (v/v) (EtW), de 1:1 e 1:4. Após, a solução do extrato foi submetida à secagem com convecção forçada a 70°C, por 24 horas. Após seco, diluiu-se o extrato em água na proporção 1:20 (m/v), com auxílio de um agitador magnético e realizou-se uma centrifugação a 2000 rpm. Realizou-se quantificação de polifenóis totais (PFT) através da leitura em espectrofotômetro UV-Vis (HEB, UV 755B), a 750 nm, após 90 minutos de armazenamento das amostras, com auxílio de curva de calibração padrão do ácido gálico (BOSSO; GUAITA; PETROZZIELLO, 2016; SCHOFIELD, MBUGUA; PELL, 2001). Fez-se também a quantificação dos taninos condensados totais (TCT) a partir das leituras de absorbância, com auxílio da curva de calibração padrão da cianidina (GAMBIER et al., 2018; PRATA, 2015). Para a obtenção do polímero orgânico catiônico, utilizou-se o método descrito por Arismendi et al. (2018). Para avaliação da ação coagulante do polímero catiônico obtido em relação a um coagulante polimérico comercial, realizou-se o ensaio de Jar test, utilizando uma solução de CaCO3 a 0,4 g/L. Para determinação de pH antes e após utilização dos coagulantes, utilizou-se um pHmetro (Metrohm, 827 pH Lab); para turbidez, um turbidímetro digital (Del Lab, DLT-WV); e para condutividade elétrica, um condutivímetro (Hanna Instruments, HI 9835).

Resultado e discussão

A partir da caracterização física do material obteve-se que a umidade presente na matéria-prima in natura de 75% está de acordo com os resultados obtidos por García-Lomillo e González-SanJosé (2017), que estão na faixa de 55 a 75%. O diâmetro médio de Sauter obtido foi de 0,420 mm, o qual está em concordância com o utilizado tanto por Chew et al. (2011), que realizaram extrações em folhas de Java, quanto por Hixson et al. (2016), os quais afirmaram em seu estudo que, para um incremento na eficiência de extração, faz-se necessário que as partículas sejam menores que 1 mm. A massa específica aparente do bagaço de uva seco e moído foi de 463,23 kg/m³, e a massa específica real foi de 1456,7 ± 1,9 kg/m³. A massa específica aparente é aproximadamente três vezes menor do que a massa específica real. Esse fato pode ser explicado devido ao bagaço da uva, após secagem e moagem, estar granulado e empacotado, restando espaços menores para o fluido entre as suas partículas, o qual é reforçado mediante o valor obtido no diâmetro médio de Sauter. Esses valores estão totalmente relacionados à eficiência de extração, visto que, quanto menor a partícula, maior será sua área superficial de troca de massa, onde ocorrem os processos extrativos. Os resultados obtidos em relação à quantificação dos compostos são apresentados na (a) Tabela 1. É possível visualizar que, em 75% dos experimentos realizados com o aumento da proporção entre os solventes, houve o aumento da quantidade de TCT extraídos. Já com o aumento da temperatura e do tempo de extração, em ambos houve o aumento em apenas 50%. É possível inferir, que a condição que apresentou uma maior concentração tanto de PFT e quanto de TCT no extrato foi o Experimento 4, com as condições de 1 hora, 65°C e proporção água:etanol 1:4, que extraiu cerca de 643,93 μg PF/mL de polifenóis totais e 121,2 μg TC/mL de taninos condensados totais. A segunda melhor condição para extração foi com uma temperatura também de 40°C, porém com 2 horas de extração e proporção entre os solventes de 1:4, apresentando, contudo, 102,1 μg TC/mL. Na (b) Figura 1, é possível visualizar que, com o aumento da temperatura, ocorreu o aumento dos PFT e TCT, exceto no Experimento 8, nas condições de 65°C, 1:4 e 2h. É possível observar que os experimentos realizados com apenas 1 hora de extração foram mais eficientes na extração dos compostos do que os experimentos realizados com 2 horas, o que mostra que o aumento do tempo não necessariamente irá aumentar a quantidade de compostos extraídos, além de que, a condição mais extrema de 2 horas, proporção de solvente 1:4 e 65°C apresentou o menor resultado dentre todos os ensaios. Por fim, avaliou-se o coagulante obtido em relação ao coagulante comercial, a partir dos ensaios de Jar test, pH, turbidez e condutividade elétrica. Previamente, determinou-se a melhor dosagem do coagulante comercial a 0,5 g/L, sendo assim a dosagem (D) de 6 mL no volume de solução de estudo (CaCO3). Desta forma, comparou-se com a mesma dosagem do coagulante tanino catiônico polimérico obtido (TCPO), a partir dos dados da (c) Tabela 2. É possível visualizar que houve uma diminuição significativa da turbidez de 90,8%, 94,1%, utilizando o comercial e o TCPO, respectivamente, sendo utilizado o mesmo volume de coagulante em ambos os testes. Esses valores estão muito próximos ao permitido pela resolução CONAMA n° 357 (2005), porém houve um grande aumento na condutividade elétrica de 1693% da solução tratada, utilizando o TCPO em relação à solução inicial. Esse parâmetro não está limitado nesta resolução, mas é citado na pela Funasa (2014). Assim, a água é considerada poluída quando os valores são maiores ou iguais a 1000 μS/cm, portanto este fator deve ser considerado para o tratamento de água. Pode-se perceber que provavelmente esse fato ocorreu por conta da concentração de taninos condensados presentes no extrato que seriam convertidos a partir da reação de Mannich. Assim, os compostos e reagentes que não foram consumidos na reação, podem atuar diretamente no aumento da condutividade elétrica, como ácidos e sais inorgânicos, pois são eletrólitos fortes e ficam totalmente ionizados em solução (WERLANG, 2015). Em relação aos parâmetros permitidos pela resolução CONAMA n° 357 (2005), o pH das soluções tratadas com o TCPO está fora da faixa permitida de 6,0 a 9,0, sendo que o comercial se manteve dentro do padrão. A (d) Figura 2 apresenta o ensaio Jar test, realizado com os coagulantes (a) comercial e o (b) e (c) TCPO, realizado em duplicata. É possível visualizar que os polímeros adicionaram cor em todos os testes, sendo que o comercial foi o que adicionou menos cor visualmente. Sabe-se que, durante os processos de extração, principalmente com etanol, pode ocorrer a extração de outros compostos, como antocianinas, no caso da uva, o qual notou-se logo na etapa de extração e secagem do extrato, pois o mesmo já apresentava a cor característica da uva após seco.

Figura 1

(a) Tabela 1 - Quantificação de PFT e TCT nas condições propostas (b) Figura 1 - Comparação de PFT e TCT em experimentos de 1h e 2h.

Figura 2

(c) Tabela 2 - Dados ensaio de jar test, pH, turbidez e condutividade elétrica. (d) Figura 2 - Avaliação do coagulante produzido através de jar test.

Conclusões

Neste estudo, investigou-se o potencial do bagaço da uva para a extração de taninos e a produção de um coagulante à base desse extrato. Realizou-se um delineamento experimental das extrações, a caracterização física da matéria- prima, assim como, produziu-se e avaliou-se a eficiência do coagulante frente a uma solução sintética. A caracterização física mostrou a umidade de 75%, o diâmetro médio de Sauter de 0,420 mm, a massa específica aparente de 463,23 kg/m³ e a massa específica real de 1456,7 kg/m³. As condições de 65°C, 1 hora de extração e a proporção dos solventes de 1:4, apresentaram a maior quantidade de taninos condensados extraídos (121,2 μgTC/mL), a segunda melhor condição foi obtida com uma temperatura de 40°C e relação de solventes 1:4, porém com 2 horas de extração (102,1 μgTC/mL). Conforme a literatura, o bagaço de uva apresenta pouca quantidade de taninos na sua composição. Em 75% dos experimentos realizados, o aumento na proporção dos solventes resultou no aumento da quantidade de TCT extraídos. Pode-se inferir que o aumento da quantidade de TCT no extrato é definido por uma combinação de variáveis e pela composição da matéria-prima utilizada. Na comparação do tanino catiônico polimérico (TCPO) produzido frente ao comercial pode-se observar que a turbidez foi reduzida com o TCPO em um 94,1% indicando ser mais eficiente do que o comercial, cujo uso resultou em uma redução de 90,8%. Entretanto, mediante o uso do TCPO diminuiu-se em 54,3% o pH da solução original e a condutividade elétrica aumentou 1693%, mantendo-se assim estes dois parâmetros, fora dos padrões permitidos. Embora a adição de cor, a diminuição do pH e aumento na condutividade elétrica, o uso do TCPO resultou na formação de pequenos flocos, facilitando a sedimentação do material em suspensão. Foi motivação do presente estudo a geração de conhecimento sobre o uso de resíduos como fonte de oportunidades, redução de custos nos processos e um incentivo ao uso da economia circular.

Agradecimentos

À UNIPAMPA pela infraestrutura disponibilizada para execução dos experimentos, à vinícola Guatambu Estância do Vinho e à TANAC S.A. pelo fornecimento das matérias-primas e insumos utilizados nesta pesquisa.

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