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60º COngresso Brasileiro de Química

Variabilidade na composição química do óleo essencial de Myrcia sylvatica da Ilha de Caratateua, região metropolitana de Belém, Pará


ÁREA

Química de Produtos Naturais

Autores

Costa, J.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Andrade, W.M.S. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ) ; Cruz, E.N.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Figueiredo, P.L.B. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ)

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo investigar a variabilidade química dos óleos essenciais de Myrcia sylvatica da Ilha de Caratateua, Belém, Pará. Os óleos de 7 espécimes (Msy-01 a -07) foram extraídos por hidrodestilação, analisados por cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa, e suas composições foram submetidas à análise multivariada. Observou-se a presença de 4 quimiotipos: I (Msy-01) foi caracterizado por germacreno B, γ- elemeno e β-cariofileno; II (Msy-03, -06 e -07) por espatulenol, germacreno B e γ-elemeno; III (Msy-04 e -05) por espatulenol, β-cariofileno e δ- cadineno e o IV (Msy-02) por espatulenol, óxido de cariofileno e α-cadinol. Portanto, o conhecimento dessa variabilidade pode contribuir na quimiotaxonomia e aproveitamento econômico de M. sylvatica.

Palavras Chaves

Variabilidade química; Myrtaceae; Sesquiterpeno

Introdução

O gênero Myrcia apresenta 800 espécies distribuídas desde a América Central até a América Tropical (LUCAS et al., 2018). Além disso, é considerado um dos gêneros homogêneos mais complexo taxonomicamente e morfologicamente e representativo da família Myrtaceae (AMORIM et al., 2019), incluída na ordem Myrtales, no clado Rosídeas e sub-clado Malvídeas (APG IV, 2016). A floresta Amazônica, apesar de compreender baixa diversidade de Myrcia spp., foi uma região importante na história biogeográfica deste gênero, uma vez que evidências indicam que participou da diversificação de linhagens ancestrais (SANTOS et al., 2017). Espécies de Myrcia possuem uma grande relevância ecológica, pois o fruto de muitas delas são fonte de alimento de formigas, aves e mamíferos e suas flores são atrativos para polinizadores, como abelhas. Essas relações ecológicas são responsáveis por promover a conservação da diversidade desse gênero (GRESSLER; PIZO; MORELLATO, 2006). Além do mais, possuem importância econômica, alimentícia (BRACK et al., 2020) e medicinal (CRUZ; KAPLAN, 2004). Várias espécies do gênero Myrcia são conhecidas popularmente como “pedra-ume-caá” ou “pedra-hume-caá”, dentre elas: Myrcia punicifolia (Kunth) DC., M. speciosa (Amsh.) Mc Vaugh, M. amazonica DC., M. citrifolia (Aubl.) Urb., M. guianensis (Aubl.) DC., M. multiflora (Lam.) DC., M. salicifolia DC., M. sylvatica (G. Mey) DC. e M. uniflora DC. Essas espécies também são denominadas “planta insulina”, em razão das folhas ou infusões de vários órgãos dessas plantas, serem utilizadas por comunidades locais de forma empírica para o tratamento de diabetes (CASCAES et al., 2015). Além disso, a Ilha de Caratateua, também denominada por Outeiro, foi considerada uma região produtora desse grupo de espécies (SILVA et al., 2015). Myrcia sylvatica (G. Mey) DC., conhecida também por cumatê-folha-miúda ou murtinha, está amplamente distribuída na América do Sul, sendo encontrada da Guiana ao Brasil (ZOGHBI et al., 2003). Entretanto, no Brasil sua ocorrência se restringe aos domínios fitogeográficos da Amazônia, Caatinga e Cerrado (SOBRAL et al., 2015). Podem ser reconhecidas em campo pelo aroma adocicado emanado pelas folhas, flores e frutos, além de apresentarem-se geralmente como arbustos; folhas elíptico-lanceoladas, com ápice longo-acuminado a caudado; inflorescências em panículas, flores com sépalas deltoides, pétalas alvacentas, raramente amarelas, conectivo com glândulas de coloração enegrecida, estigma piloso na base (SILVA et al., 2015). O óleo essencial de M. sylvatica tem demonstrado variabilidade química, em razão de variações intraespecíficas ou sazonais (CASCAES et al., 2015; RAPOSO et al., 2018), além de possuir potencial antioxidante, anestésico (SACCOL et al., 2017) e bactericida (SILVA, DA et al., 2016). Portanto, tendo em vista as potencialidades apresentadas por Myrcia sylvatica, o objetivo deste trabalho foi investigar a variabilidade química dos óleos essenciais das folhas dessa espécie que ocorrem na Ilha de Caratateua, região metropolitana de Belém, Pará.

Material e métodos

As amostras de folhas de sete espécimes de Myrcia sylvatica foram coletadas na Ilha de Caratateua, localizada na região metropolitana de Belém, Pará. As exsicatas, depois da identificação, foram depositadas no Herbário do Museu Paraense Emilio Goeldi. As folhas foram secas por dois dias em temperatura ambiente. Em seguida, foram moídas e submetidas à hidrodestilação em aparelho do tipo Clevenger (3 h) para extração do óleo essencial. Os óleos foram desidratados com sulfato de sódio anidro, e seus rendimentos foram calculados a partir do peso seco da planta. A determinação da umidade das amostras foi realizada usando uma Balança de Umidade infravermelho. O procedimento foi realizado em duplicata (FIGUEIREDO et al., 2018). Os óleos foram analisados por cromatografia de fase gasosa acoplada a um espectrômetro de massas em um sistema GCMS-QP2010 Ultra (Shimadzu Corporation, Tóquio, Japão), equipado com um auto-injetor AOC-20i e o software GCMS-Solution contendo as bibliotecas Adams (2007), Nist (2011) e FFNSC 2 (MONDELLO, 2011). Foi utilizada uma coluna capilar de sílica de 30 m x 0,25 mm; 0,25 μm de espessura de filme (Restek Corporation, Bellefonte, PA, EUA). As condições de análise foram: temperatura do injetor de 250 °C; Programação de temperatura do forno de 60-240 °C (3 °C/min); Hélio como gás de arraste, ajustado a uma velocidade linear de 36,5 cm/s (1,0 mL/min); injeção no modo split de 1 μL de amostra (óleo 5 μL : hexano 500 μL); divisão de fluxo de 1:20; ionização por impacto eletrônico a 70 eV; fonte de ionização e linha de transferência de 200 e 250 °C, respectivamente. Os espectros de massa foram obtidos por escaneamento automático a cada 0,3 s-1, com fragmentos de massa na faixa de 35-400 m/z. Os índices de retenção foram calculados para todos os componentes voláteis usando uma série homóloga de n-alcanos C8-C20 (Sigma- Aldrich, EUA), de acordo com a equação linear de Van den Dool e Kratz (1963). Os dados quantitativos relativos aos constituintes voláteis foram obtidos pela normalização da área de pico utilizando um GC 2010 Plus (Shimadzu Corporation, Tóquio, Japão), acoplado ao Detector FID, operado sob condições semelhantes do sistema GC-MS. Os componentes dos óleos foram identificados comparando seus índices de retenção e espectros de massa (massa molecular e padrão de fragmentação) com dados armazenados nas bibliotecas do sistema. Quanto à análise estatística, a análise multivariada foi aplicada, utilizando como variáveis os constituintes com teor acima de 4%. Para a análise multivariada, a matriz de dados foi padronizada subtraindo-se a média e dividindo-a pelo desvio padrão. Para a análise de agrupamento hierárquico, foram utilizados o método de ligação completa e a distância euclidiana. O software Minitab (versão 390 livre, Minitab Inc., State College, PA, EUA) foi usado para essas análises (FIGUEIREDO et al., 2018).

Resultado e discussão

Os sete espécimes de Myrcia sylvatica avaliados neste trabalho apresentaram variabilidade química dos seus óleos essenciais, e o rendimento em óleo variou entre 0,3 e 0,9%, como mostrado na Tabela 1. A quantificação e identificação de 114 constituintes nos óleos analisados, representa uma média de 81,1% do conteúdo total dos óleos. A classes dos sesquiterpenos hidrocarbonetos (12,5-71,8%) e oxigenados (17,4-71,5) foram as predominantes nos óleos essenciais. Os compostos com maior abundância foram: β-cariofileno (1,8-10,1%), γ-elemeno (0,3-12,5%), δ-cadineno (1,1- 5,6%), germacreno B (0,3-24,5%), espatulenol (2,9-16,0%), óxido de cariofileno (0,1-15,0%), viridiflorol (0,8-5,3%), globulol (0,0-7,4%), epi-α-cadinol (0,0- 5,1%), muurola-4,10(14)-dien-1-β-ol (0,0-5,8%) e α-cadinol (1,7-8,9%). O estudo sazonal e circadiano do óleo essencial de folhas e frutos de M. sylvatica coletados no município de Santarém, no estado do Pará, indicou que o rendimento variou de 0,9 a 1,7% (RAPOSO et al., 2018), valores superiores ao deste trabalho. Por outro lado, o óleo das folhas dessa espécie coletada em Carolina, no Maranhão, exibiu rendimento de 0,5% (ROSA et al., 2016), teor apresentado pelo espécime Msy-07. Nos óleos de espécies de Myrtaceae tem sido evidenciado o predomínio de sesquiterpenos hidrocarbonetos e oxigenados, alguns deles com propriedades biológicas (STEFANELLO; PASCOAL; SALVADOR, 2011; COSTA et al., 2020). A presença do sesquiterpeno hidrocarboneto β-Cariofileno (45,0%) como constituinte majoritário foi identificada em uma amostra de M. sylvatica coletada no Maranhão (ROSA et al., 2016). Outros compostos também foram reportados como principais em óleos de espécimes provenientes de Tocantins, dentre eles os sesquiterpenos oxigenados espatulenol (13,8-40,2%) e óxido de cariofileno (5,0-16,6%) (ZOGHBI et al., 2003). Germacreno B (6,7%) e γ-elemeno (10,5%) foram identificados como compostos em maior teor no óleo de M. splendens (PEREIRA; ZOGHBI; BASTOS, 2013). A partir da Análise de Agrupamento Hierárquico (Figura 1A) e Análise dos Componentes Principais (Figura 1B), realizados com os compostos com maior abundância (> 4,0%) dos óleos essenciais de M. sylvatica, observou-se a formação de 4 grupos (quimiotipos). A análise de PCA elucidou 64,5% da variabilidade dos dados, o primeiro componente explicou 42,2% e apresentou correlações positivas com os constituintes epi-α-cadinol, δ-cadineno, germacreno D, β-cariofileno, biciclogermacreno, globulol, γ-elemeno e germacreno B. O segundo componente explicou 22,3% e apresentou correlação positiva com os compostos óxido de cariofileno, viridiflorol, α-cadinol, epi-α-cadinol, δ-cadineno, germacreno D e β-cariofileno. A partir disso as amostras de óleo foram classificadas em quatro quimiotipos. O grupo I (espécime Msy-01) foi caracterizado por germacreno B (24,5%), γ-elemeno (12,5%) e β-cariofileno (10,0%). O grupo II (espécimes Msy-03, -06 e -07) foi caracterizado pelos teores de espatulenol (11,1%-16,0%), germacreno B (7,8%-20,7%) e γ-elemeno (2,9-7,6%). O grupo III (Msy-04 e -05) apresentou teores de espatulenol (9,8-10,1%), β-cariofileno (2,5-10,1%) e δ-cadineno (4,8-5,6%). O grupo IV, (Msy-02) foi caracterizado por espatulenol (13,4%), óxido de cariofileno (15,0%) e α-cadinol (8,9%). Zoghbi et al. (2003) relataram três perfis químicos de amostras de M. sylvatica coletadas em Tocantins, sendo o primeiro exibiu o selin-11-en-4α-ol (24,7%), óxido de cariofileno (16,6%) e espatulenol (13,8%) como principais constituintes, o segundo foi caracterizado por cis-calameneno (30,1%), espatulenol (18,7%) e α- calacoreno (11,5%) e o terceiro por espatulenol (40,2%) e β-bisaboleno (14,7%). Assim como neste trabalho, o sesquiterpeno oxigenado espatulenol esteve presente em todas as amostras. Saccol et al., (2017) ao analisarem a composição química e os efeitos anestésico e antioxidante do óleo essencial de M. Sylvatica, identificaram β-selineno (9,96%), cadaleno (9,36%), α-calacoreno (9,17%) e (Z)-calameno (8,17%) como compostos majoritários, diferente dos perfis químicos deste estudo. Além disso, o estudo sazonal e circadiano de espécime de M. sylvatica oriundo de Santarém, Pará, realizado por Raposo et al. (2018), revelou influência dos fatores climáticos na composição química dos óleos dessa espécie, cujo principais constituintes durante o período de coleta foram β-selineno (6,2– 10,5%), 1-epi-cubenol (5,9–9,8%), cadaleno (1,5%–6,5%), mustakona (2,7–6,2%), α-calacoreno (1,5%–6,2%), δ-cadineno (0,7–6,0%), cubenol (2,4– 4,6%), trans-calameneno (3,5-6,5%) e óxido de cariofileno (2,5–4,0%). Todos esses compostos também estiveram presentes nos óleos dos espécimes de M. sylvatica estudados. Em outro estudo, realizado por Silva et al. (2016), a composição química de folhas frescas e secas de M. sylvatica também coletada em Santarém, exibiu os compostos 1-epi- cubenol (6,9-9,9%), ar-curcumeno (1,9-7,6%), cadaleno (5,8-7,2%), β- selineno (6,0-7,0%), β-calacoreno (5,4-5,5%), cis-calameneno (4,8- 5,2%), ar-turmerol (0,0-4,9%), muskatona (3,4-4,4%), δ-cadineno (4,2%) e cubenol (4,2%). Somente os constituintes ar-curcumeno, e cis-calameneno não foram identificados nas amostras deste trabalho.

Tabela 1. Rendimento e composição química das amostras de M. sylvatica

Constituintes com teor > 3,0%

Figura 1. Análise estatística multivariada



Conclusões

A variabilidade química intraespecífica entre os espécimes de Myrcia sylvatica estudados foi evidenciada pela ocorrência de quatro quimiotipos, sendo descritos pela primeira vez, com predomínio da classe dos sesquiterpenos em todas as amostras. Desta forma somada aos quimiotipos já descritos na literatura (6 quimiotipos) é possível a ocorrência de, no mínimo, 10 quimiotipos de Myrcia sylvatica. Tendo em vista o potencial dessa espécie, o conhecimento desta variabilidade pode contribuir na quimiotaxonomia e no aproveitamento econômico de M. sylvatica.

Agradecimentos

Á Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade do Estado do Pará (UEPA), ao Grupo de Pesquisa Plantas Aromáticas da Amazônia Paraense e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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