Cardápio do dia: Capuccino Frio! Uma experiência degustativa sobre mistura de soluções.
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ÁREA
Ensino de Química
Autores
Souza, D.P.B. (POLO EDUCACIONAL SESC) ; Schoene, F.A.P. (POLO EDUCACIONAL SESC) ; Leandro, L.D. (POLO EDUCACIONAL SESC) ; Silva, G.C.S. (POLO EDUCACIONAL SESC) ; de Paula, V.C. (POLO EDUCACIONAL SESC) ; Fontenelle, C.R.A.M. (POLO EDUCACIONAL SESC)
RESUMO
No cenário pandêmico mundial provocado pela covid-19 foram tomadas algumas medidas de proteção, como o afastamento social que promoveram muitas mudanças no modo de convívio das sociedades. Estre estas mudanças, está a apropriação do modelo remoto, com aulas síncronas e assíncronas. Entre tantos desafios está a dificuldade dos estudantes em participar das aulas nesse modelo, em especial de disciplinas como a Química em que o grande atratativo são as experimentações. O relato aqui compartilhado trata de uma aula experimental, baseada no preparo e na degustação de um cappuccino frio em uma aula síncrona com estudantes do 2º ano do ensino médio para a discussão sobre a mistura de soluções com solutos diferentes que não reagem entre si. Após a práticas os estudantes puderam discutir a partir do
Palavras Chaves
ensino de química; degustação; mistura de soluções
Introdução
A Química é comumente definida como a ciência que se dedica aos estudos das transformações dos materiais e as condições em que ocorrem tais transformações. Dentro desta definição, cabem as mais diversas transformações que encantam o homem desde os primórdios de sua história. A sobrevivência humana está interligada às descobertas e ao controle de diferentes transformações como o fogo, os processos de cozimento e armazenamento dos alimentos, a fermentação e a produção e ação dos medicamentos. Uma das abordagens mais interessantes da Química é o conjunto de processos envolvidos no preparo, armazenamento e consumo dos alimentos. Segundo RIBEIRO, 2014, cozinhar é uma alquimia de temperos e sabores que fazem com que os pratos tenham características singulares, que podem promover um aprendizado significativo de conteúdos básicos até os mais complexos. Os métodos de degustação, como forma de análise sensorial de alimentos, para o desenvolvimento e melhoramento de produtos, chegaram ao Brasil em 1954 no laboratório de degustação da seção de Tecnologia do Instituto Agronômico de Campinas (S.P.), para avaliar o café. A análise sensorial é definida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 1993) como a disciplina científica usada para evocar, medir, analisar e interpretar reações das características dos alimentos e materiais (cor, odor, textura, sabor e som) como são percebidas pelos sentidos da visão, olfato, gosto, tato e audição. (TEIXEIRA, 2009) Tais métodos sensoriais são baseados nas respostas aos estímulos, que produzem sensações cujas dimensões são: intensidade, extensão, duração, qualidade e prazer ou desprazer. (LANZILLOTTI et al, 1999 ) Essas características dos alimentos são construções de cada indivíduo a partir de suas experiências degustativas acumuladas durante toda a sua vida. Esses conhecimentos são adquiridos e resignificados a cada dia. Durante o período pandêmico, provocado pela Covid-19, que teve seu início no Brasil em 2020, a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) divulgou dados que mostram que o consumo de café entre os brasileiros chegou a 21,2 milhões de sacas (ABIC, 2020). O crescimento do consumo desse produto pode ter relação direta com as medidas de segurança sanitária adotadas para o controle da infecção provocada pelo vírus, como o distanciamento social, pois o maior tempo em casa pode ter influenciado esse aumento. O café é um produto muito popular mundialmente, com uma importância cultural, social e econômica em especial para o Brasil, desde a independência do país quando representa a base da economia nacional (NAGAY, 1999). Essa é uma temática que pode promover discussões a partir da interdisciplinaridade entre Química, Biologia e História, que está tão presente do nosso cotidiano. É bem verdade que se destaca com ênfase os eventos grandiosos do dia a dia com mais frequência. Todavia, são aquelas observações mais inusitadas sobre o cotidiano que mais despertam a curiosidade dos estudantes. E, esses têm a possibilidade de relacionarem as novidades com sua memória sensorial e emocional. A aprendizagem, então, acontece por múltiplos caminhos e em diferentes momentos. Uma das maiores dificuldades apontada pelos estudantes sobre a aprendizagem em Química é relacionar a teoria e a prática. E de forma mais ampla, a relação desta teoria e prática com a realidade sua volta (RUZZA, 2016; GALIAZZI, 2001). A forma mais comum de aproximar a teoria, a prática e a realidade cotidiana seja do estudante ou de um cidadão, a através da experimentação. Esta mostra-se na possibilidade de ser apenas demonstrativa, ora investigativa ou ora de verificação (OLIVEIRA, 2010). No entanto, quando se considera o cenário de pandemia, com os alunos vivenciando um ensino remoto, afastados da possibilidade de vivenciar experiências no laboratório presencialmente, propõe-se que essas vivências sejam realizadas dentro de casa e orientadas pelo professor. Pretendeu-se que um novo conhecimento fosse adquirido, atribuído, construído, por meio de interação com algum conhecimento prévio, relevante, já presente na estrutura cognitiva do aprendiz, de acordo com o que MASINI (2008) aponta como uma aprendizagem significativa. Esse autor destaca ainda que as condições primordiais para que isto ocorra são além da existência de conhecimentos prévios adequados, a predisposição para aprender. Nesse contexto, então, surge a proposta deste trabalho que é relacionar a experiência de degustação de uma forma curiosa como metodologia para o ensino do conteúdo de soluções a partir de uma vivência dos estudantes do 2º ano do ensino médio durante aulas síncronas de Química.
Material e métodos
Material - copos descartáveis com capacidade de 50mL; - colher; - achocolatado em pó; - café solúvel; - leite; - balança de cozinha; - proveta; - espátula. Método As aulas síncronas foram realizadas através do aplicativo de videoconferência Google meet, com turmas do 2º ano de ensino médio, composta por 16 estudantes, durante o período pandêmico, em 2021. As soluções foram preparadas de forma concomitante pelo professor, no laboratório, e pelos estudantes, em suas casas, durante aulas síncronas. O partir do preparo das soluções o professor pode coletar os dados teóricos para a realização dos cálculos de concentração nas etapas seguintes. - Pesou-se o copo descartável 50mL; - Adicionaram-se 50mL de leite no copo descartável, previamente pesado. Pesou-se o conjunto copo + leite. O registro dos dados foi realizado na tabela. - Adicionou-se uma pequena quantidade de café solúvel. Pesou-se o conjunto copo + leite + café O registro dos dados foi realizado na tabela. O procedimento de preparo das soluções seguiu as instruções indicadas nas embalagens do café solúvel e do achocolatado. - Misturou-se até que todo o café fosse dissolvido (Solução 1). - Degustou-se (pequena quantidade) a amostra, a qual foi reservada. O registro dos dados foi realizado na tabela de observações sobre a degustação. - Pesou-se o copo descartável 50mL; - Adicionaram-se 50mL de leite no copo descartável, previamente pesado. Pesou-se o conjunto copo + leite. O registro dos dados foi realizado na tabela. - Adicionou-se uma pequena quantidade de achocolatado. Pesou-se o conjunto copo + leite + achocolatado. O registro dos dados foi realizado na tabela. - Misturou-se até que todo o achocolatado fosse dissolvido (Solução 2). - Degustou-se (pequena quantidade) a amostra, a qual também foi reservada. O registro dos dados foi realizado na tabela de observações sobre a degustação. - Pesou-se o copo descartável com capacidade de 200mL. - Adicionaram-se a este copo as duas soluções preparadas anteriormente (Solução 3). Pesou-se a amostra. O registro dos dados foi realizado na tabela. - Degustou-se (pequena quantidade) a amostra. O registro dos dados foi realizado na tabela de observações sobre a degustação. - Adicionaram-se 100mL de leite a Solução 3 (Solução final). - Degustou-se (pequena quantidade) a amostra. O registro dos dados foi realizado na tabela de observações sobre a degustação. O registro dos dados matemáticos e das observações após a degustação das soluções foi feito em tabelas, como as apresentadas na figura 1. Através da aplicação de um questionário simples, preparado no aplicativo Forms (Google education), podemos registrar as percepções sensoriais dos estudantes e sua relação os conceitos químicos discutidos. Esse recurso pode ser entendido como uma avaliação da atividade, como uma alternativa ao tradicional relatório.
Resultado e discussão
Para cada solução (solução A e solução B) os estudantes calcularam a
concentração comum, em g/L, a partir da seguinte expressão:
, onde:
C = concentração comum, em g/L
msoluto = massa do soluto, em gramas
Vsolução= volume da solução, em litros
A solução final se trata de uma mistura de soluções com solutos
diferentes e que não reagem entre si. Esta característica da solução se
verifica a partir de sua degustação. Inicialmente, os estudantes percebem o
sabor pronunciado do achocolatado (doce). Após alguns instantes o sabor
característico do café (amargo). Assim, a concentração da solução final pode
ser calculada em relação ao soluto café ou soluto achocolatado, como indicam
as expressões a seguir:
Para cada uma das soluções, as concentrações também foram expressas em
Título por massa (% m/m), calculadas a partir das expressões a seguir:
, onde:
= Título em massa da solução, %
msoluto = massa do soluto, em gramas
msolução = massa da solução, em gramas
Da mesma forma, as concentrações em Título por massa das soluções finais
foram calculadas a partir das equações a seguir:
A avaliação da atividade ocorreu a partir do preenchimento de um
questionário com perguntas sobre a atividade desenvolvida. Uma das questões
propostas nessa verificação de aprendizagem foi: “Como podemos relacionar as
sensações percebidas na degustação com os conceitos de solução estudados na
aula”? É interessante observar algumas das respostas produzidas pelos
estudantes, como as apresentadas na Tabela 1 a seguir.
Mesmo com a maioria dos estudantes demonstrando através de suas
respostas que compreenderam a possibilidade de duas soluções de solutos
diferentes serem misturadas e assim seus solutos permanecerem sem reagir,
alguns estudantes precisam de uma nova oportunidade de discussão. Assim, a
discussão sobre esse assunto é retomada em uma aula teórica para a
sistematização dos conceitos discutidos durante a prática de degustação
oportunizando que todos os estudantes construam seus conhecimentos sobre o
tema trabalhado.
Uma das dificuldades da educação em química em um modelo de ensino híbrido é
ter a participação dos estudantes durante as aulas. A prática escolhida
propôs a degustação de uma das formas de apresentação das bebidas mais
comuns no cotidiano brasileiro, o café. A curiosidade dos estudantes quanto
a relação entre a degustação e a Química impulsionou a realização da aula
experimental e da discussão sobre diferentes conceitos relacionados às
soluções químicas como o coeficiente de solubilidade, influência da
temperatura na solubilidade de solutos e cálculo das concentrações em
diferentes unidades, por exemplo. Foi possível verificar que o caso
específico de uma mistura de soluções com solutos diferentes que não reagem
entre si e pode estar presente no dia-a-dia.
Do ponto de vista dos cálculos químicos, o estudante pode compreender melhor
que a concentração final da solução será referente a cada um dos solutos, já
que ambos estão presentes de forma independente na solução.
Resposta à pergunta: “Como podemos relacionar as sensações percebidas na degustação com os conceitos de solução estudados na aula?”
Conclusões
A partir de um experimento degustativo e de baixo custo pretendeu-se promover a curiosidade e a compreensão de um tópico específico de Química (soluções) pelos estudantes de ensino médio, a mistura de soluções formadas por solutos diferentes que não reagem entre si. A participação dos estudantes mostra que o envolvimento dos estudantes com a Química a partir de uma atividade experimental pode ser observado no ensino híbrido, em que as aulas síncronas são propostas como forma de integração do grupo de estudante e do professor através do compartilhamento das percepções sensoriais (especialmente do paladar) durante esse momento.
Agradecimentos
Ao Polo Educacional Sesc e a ABQ.
Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. Análise sensorial dos alimentos e bebidas: terminologia. 1993. 8 p.
LANZILLOTTI, R. S.; LANZILLOTTI, H. S. Análise sensorial sob o enfoque da decisão Fuzzy. Rev. Nutr., Campinas, 12(2), 1999, 145-157.
MASINI, E. F. S.; MOREIRA, M. A. Aprendizagem significativa: condições para ocorrência e lacunas que levam a comprometimentos. São Paulo: Vetor, 2008.
RIBEIRO, N. M.; LAZARO, C. F.; LADEIA, A. M. T.; GUIMARÃES, A. C. Química, sabores e culinária. Rev. Bras. Ensino de Química. v.9, nº1, 2014, p 33-40.
TEIXEIRA. L. V. Análise sensorial na indústria de alimentos. Rev. Inst. Latic. “Cândido Tostes”, nº 366, 2009, 64: 12-21.
https://estatisticas.abic.com.br/estatisticas/indicadores-da-industria/indicadores-da-industria-de-cafe-2020/ Acesso em: 23 set. 2021
NAGAY, Julio Hidemitsu Corrêa. Café no Brasil: dois séculos de história. Formação Econômica, Campinas, (3): 17-23, jun. 1999.