Atividades experimentais no contexto da pandemia de COVID-19:desafios e aprendizagens no curso de licenciatura em Química
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ÁREA
Ensino de Química
Autores
Ribeiro, I.A. (UEA) ; Sá, R.S. (UEA) ; Pereira, P.M. (UEA) ; Cavalcante, E.S. (UEA) ; Andrade, F.P. (UEA) ; Assis Junior, P.C. (UEA) ; Eleutério, C.M.S. (UEA)
RESUMO
Este estudo apresenta os resultados das atividades experimentais desenvolvidas por acadêmicos do Curso de Licenciatura em Química, nas aulas de Didática durante a pandemia de COVID-19. Foram realizados três experimentos utilizando materiais de fácil acesso, de baixo custo e presente no cotidiano dos acadêmicos. O 1º experimento consistia na produção de álcool a partir da fermentação da cana-de-açúcar, o 2º na confecção de um polímero e a 3º no preparo de um sabão reutilizando óleo de cozinha. Os experimentos configuraram-se estratégias didáticas viáveis para a compreensão de alguns conceitos relacionados com a química. Deixaram evidentes que é possível buscar novas estratégias de ensino para mediar o conhecimento, fortalecer a formação e aprendizagem dos estudantes no contexto da pandemia.
Palavras Chaves
Experimentação; Pandemia; Ensino de Didática
Introdução
Este estudo é resultado das atividades propostas pela disciplina Didática, oferecida aos acadêmicos do Curso de Licenciatura em Química do Centro de Estudos Superiores de Parintins – CESP, vinculado à Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Esta disciplina é indispensável nos cursos de licenciaturas em função das dinâmicas que envolvem elementos fundamentais da prática docente como: formação e aplicação de recursos didáticos e pedagógicos, aprofundamento de questões relacionadas com o ensinar, aprender, pesquisar e avaliar. Ela se apresenta no contexto das licenciaturas em geral, como processo ativo e dinâmico, opondo-se as estratégias e procedimentos mecânicos e lineares que ainda hoje estão presentes nas escolas e nos cursos que tratam da formação inicial de professores (VEIGA et al., 2007). Na perspectiva de Libâneo (2015), a Didática se configura uma disciplina integradora pelo fato de reunir um conjunto de conhecimentos vinculados a outras áreas, como a pedagogia, psicologia, sociologia e filosofia que se entrelaçam e orientam a ação docente. Tendo em vista as exigências emergenciais do atual contexto (pandemia do covid-19), esta disciplina foi ministrada de forma remota pois, desde o mês de março de 2020, a UEA não permitiu que as atividades acadêmicas fossem realizadas de forma presencial. Em vista disso, a formação teórica e as atividades práticas foram desenvolvidas via whatsapp, google meet, telegram e outras plataformas digitais. Para atender as finalidades do Projeto Pedagógico do Curso de Química CESP/UEA e as linhas de pesquisas que direcionam todo o processo de formação de professores, os formadores organizaram atividades que pudessem ser realizadas pelos acadêmicos em diferentes contextos pois, assim que as aulas foram suspensas, eles retornaram aos seus municípios, comunidades e aldeias. Além das aulas teóricas e, considerando a característica principal dos cursos de Química que envolve a experimentação, foram realizadas três atividades. A 1ª atividade objetivava elaborar um álcool a partir da fermentação, a 2ª envolvia a confecção de um polímero e a 3ª a produção de um sabão reutilizando óleo de cozinha. Todas as atividades foram realizadas com material de fácil acesso, de baixo custo e presente no cotidiano dos acadêmicos. Para Ávila e Matos (2017), a realização de atividades experimentais utilizando materiais simples e de conhecimento dos estudantes, contribuem com a alfabetização científica, estimula reflexões sobre questões ambientais que envolvem o aproveitamento de matérias-primas que quase sempre, são descartas ao meio ambiente em forma de lixo. Esse fragmento é corroborado por Santos e Nagashima (2017) quando dizem que as atividades práticas desenvolvidas no contexto formativo (escola/academia) estabelecem um espaço de reflexão, de desenvolvimento e construção de ideias vinculados a conhecimentos, procedimentos e atitudes. Pode-se dizer com isso, que diferentes tipos de insumos podem ser (re)aproveitados e aplicados na produção de novos materiais, úteis à população como é o caso do sabão e do álcool que neste momento atípico que se vivencia, estão sendo utilizados com mais frequência na higienização corporal. É desta forma que as atividades práticas experimentais, aproximam a química do contexto dos acadêmicos e dos estudantes da educação básica, tornando-os capazes de compreender os fenômenos químicos vinculados a estas práticas (FARIAS; BASAGLIA; ZIMMERMANN, 2009). No curso de licenciatura em Química do CESP/UEA, este tipo de atividade facilita o entendimento de conceitos importantes relacionados com esta ciência e que as vezes são apresentados de forma abstrata. Na disciplina de Didática as atividades experimentais realizadas, se configuraram estratégias metodológicas importantes na construção do conhecimento, identidade profissional e valorização dos saberes. Para Neu e Marchesan (2020) o exercício da profissão docente impõe certos desafios, principalmente no que diz respeito as metodologias e aos recursos didáticos utilizados pelo professor para apresentar e mediar os conteúdos disciplinares. Além desses elementos, é preciso considerar a criatividade, as habilidades e competências do professor principalmente, neste momento peculiar que vem exigindo da sociedade em geral, adaptação de um novo estilo de vida frente às necessidades de afastamento social, de ensinar e aprender de forma remota mediada pela tecnologia. Os professores mesmo distantes fisicamente das escolas e das universidades, investem em experiências ricas de significados que até os problemas relacionados com o letramento digital e o acesso à internet ficam esquecidos por determinado tempo. Os resultados desta experiência mostram que a formação inicial de professores vai além das estratégias mecânicas e obsoletas de ensino, que é preciso se pensar numa nova formação docente que permita olhar e considerar o aprendente como sujeito ativo na construção do conhecimento.
Material e métodos
Considerando o caráter aplicado deste estudo, adotou-se uma metodologia quali-quantitativa pelo fato do estudo se pautar na apresentação de informações quantitativas que envolvem a experimentação como método de procedimento e coleta de dados. A observação e a análise descritiva dos resultados atenderam aos pressupostos da pesquisa qualitativa, que de acordo com Minayo (2001) e Gil (2019), considera aspectos da realidade social (interações, comportamentos etc.) que não podem ser quantificados. Enquanto que, na pesquisa quantitativa, o pesquisador recorre à linguagem matemática para descrever as causas de um fenômeno e as relações entre as variáveis (FONSECA, 2002). Essas informações justificam a opção pela combinação desses dois tipos de pesquisas. Para produzir o álcool, foi construído um destilador utilizando mangueira de silicone, garrafas PET de 2L, resina epóxi e fogão. Foram numeradas duas garrafas PET`s (1 e 2L) para receber o caldo de cana. Na 1ª garrafa, foram adicionados 530mL de caldo de cana e 2g de fermento biológico, a mistura foi agitada e mantida em repouso por 8 horas. Na 2ª garrafa, foram adicionados 300mL de caldo de cana e 9g de fermento biológico. A garrafa com essa mistura ficou aberta e permaneceu em repouso por 8 horas. O conteúdo da 2ª garrafa foi transferido para um recipiente de vidro que foi acoplado ao destilador e aquecido em banho-maria para destilação do álcool. Para confeccionar o polímero, foram utilizadas duas batatas inglesas, 500mL de água, 10mL de vinagre de álcool, 10mL de glicerina líquida pura, anilina de cor vermelha, liquidificador, filtro de papel, forma de plástico, faca e uma colher de pau. As batatas foram descascadas e trituradas em 300mL de água, a mistura foi deixada em repouso por 15min. até decantação do amido. O sobrenadante e outros componentes da mistura foram retirados e restante do material foi filtrado. O amido foi desidratado em temperatura ambiente, pesado e transferido para uma panela onde foram adicionados 200mL de água, vinagre e glicerina. A mistura foi levada ao fogo em constante agitação até apresentar aspecto transparente. Após esse processo foram adicionadas gotas de anilina para dar cor ao produto. O material foi transferido para um recipiente para secar em temperatura ambiente durante dois dias. Na produção do sabão foram utilizados os seguintes materiais: 1L de óleo de cozinha saturado, 200mL de água fervente, 200g de soda cáustica, sabão em pó, balde de plástico, colher de pau e bandeja de alumínio. A soda foi adicionada lentamente no balde com água fervente e agitada até completa dissolução depois, óleo e sabão em pó. A mistura foi homogeneizada até formar uma pasta consistente e posteriormente, transferida para uma bandeja de alumínio forrada com papel por 24 horas.
Resultado e discussão
A pandemia do novo coronavírus provocou um redesenho das práticas docentes
decorrente das metodologias que envolvem o ensino remoto. O Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) divulgou
que 72,8% das escolas estaduais e 31,9% das municipais implementaram a
estratégia de aulas síncronas no Brasil (BRASIL, 2020).
Essa dinâmica permitiu que os professores de diferentes lugares do país
utilizassem plataformas digitais para mediar o conhecimento e manter o
contato com os estudantes durante a pandemia. Muitos deles não continuaram
os estudos, talvez por problemas pessoais relacionados por exemplo, com o
falecimento de um membro da família, de um parente, de uma pessoa conhecida
que contraiu o vírus. Outros desistiram por conta da ansiedade, da depressão
e do medo e/ou por falta de afinidades com a metodologia adotada pelos
professores pois, estavam acostumados com a rotina da aula presencial. Mesmo
assim, os docentes buscaram novos caminhos para garantir a formação e a
aprendizagem dos estudantes.
No curso de licenciatura em Química do CESP/UEA, as aulas aconteceram de
forma intercalada. Algumas vezes, os conteúdos disciplinares foram enviados
antecipadamente por e-mail, via whatsapp, telegram etc., para que os
estudantes pudessem estudá-los e na hora das aulas ao vivo (Google Meet)
compartilhar o aprendizado. Essa estratégia didática possibilitou
flexibilizar os conteúdos e organizar atividades que fossem possíveis de
serem realizadas nos lugares onde se encontravam os estudantes.
Nas aulas remotas foi possível trabalhar aspectos e concepções importantes
da didática, sobre as práticas pedagógicas utilizadas no ensino de química e
planejamento escolar. Esta disciplina não reserva horas para as atividades
práticas, porém, o eixo “práticas pedagógicas no ensino de química”
possibilitou planejar atividades práticas que pudessem fortalecer o processo
de formação inicial dos futuros professores de Química. Entende-se com isso,
a necessidade de oferecer espaços que permitam a realização de práticas
mesmo em disciplinas que não disponibilizam horas para este tipo de
atividade. Essas atividades associadas às aulas teóricas, mobilizam
diferentes saberes, teorias e conhecimentos específicos vinculados ao
exercício da docência. Essa dinâmica foi corroborada pelos resultados dos
experimentos realizados pelos acadêmicos nas aulas de Didática (Figura 1).
O 1º experimento (imagens A, B, C, D e E) que consistia na produção de um
álcool utilizando caldo de cana, mostrou que é possível relacionar situações
e/ou vivências cotidianas com os conteúdos disciplinares. A partir deste
experimento foi possível destacar o papel dos saneantes no combate da Covid-
19 trazendo o etanol (álcool etílico) – C2H5OH, como elemento de
contextualização. De acordo Sequinel et al. (2020), a soluções etanólicas ou
isopropílicas, são os métodos mais recomendados para inativar rapidamente um
vasto espectro de patógenos. O etanol segundo Lima et al. (2020) é um
composto orgânico biocida, incolor, tóxico, apresenta ponto de ebulição de
78,3 °C e baixo ponto de fulgor, de valor igual a 12,8 °C. Isso significa
dizer que, a partir de 12,8 °C, este produto já é capaz de vaporizar-se,
mas, se entrar em contato com uma fonte de calor, entrará em combustão e
poderá provocar acidentes. É por isso, que neste momento pandêmico,
recomenda-se seu uso em forma de gel. A formulação em gel possui uma maior
resistência ao escoamento, reduzindo consideravelmente o seu espalhamento
sobre a superfície quando comparada à uma formulação líquida de igual
concentração, diminuindo o risco de incêndios, principalmente no contexto
familiar.
O 2º experimento (imagens F, G, H, I e J) envolvia a produção de um
polímero, e para tratar desse assunto buscou-se fundamentos na Proposta
Curricular de Química do Ensino Médio (SEDUC-AM, 2012). Para introduzir o
estudo sobre polímeros utilizou-se como exemplos as máscaras cirúrgicas de
material Tecido-Não-Tecido (TNT) e as luvas de látex, vinil e silicone,
produtos utilizados com frequência por profissionais que trabalham com
materiais de limpeza e da área da saúde. De acordo com o Observatório da
Indústria (2020), com a pandemia do novo Coronavírus, a procura por máscaras
e luvas descartáveis aumentou consideravelmente. As máscaras cirúrgicas
confeccionadas em TNT, é o polipropileno (C3H6)n para uso odonto-médico-
hospitalar devem possuir, no mínimo, uma camada interna e uma camada externa
e, obrigatoriamente, um elemento filtrante com eficiência de filtragem de
partículas (EFP) > 98% e eficiência de filtragem bacteriológica (BFE) > 95%.
O material usado em luvas cirúrgicas (látex, nitrila e vinil) ou de
procedimentos é um fator importante para a efetividade da luva como uma
barreira. O látex (cis-poliisopreno - C5H8) continua sendo o material de
“padrão ouro”, porém, devido à sensibilidade de profissionais de saúde e
pacientes a esse componente, os serviços de saúde estão passando a oferecer
alternativas sem látex para aqueles profissionais sensíveis a esse material
(ECRI, 2006). As luvas confeccionadas com látex são recomendadas para uso
quando se tratar de soluções aquosas, alguns álcoois, ácidos fracos e bases.
Não são recomendáveis para produtos químicos orgânicos, corrosivos, óleos
(BIT, 2011).
A borracha nitrílica de acordo com Almeida (2019) é um copolímero de um
dieno e de uma nitrila insaturada, ou seja, é um elastômero sintético, que é
obtido através da copolimerização em emulsão de acrilonitrila e butadieno,
formando copolímeros elastoméricos estáticos e acrilonitrila-butadieno
(NBR). Luvas de borracha nitrílica (borracha sintética), pertencem à classe
das borrachas especiais resistentes ao óleo e a abrasão. São recomendadas
para uso durante o manuseio de formaldeído, glutaraldeído, alvejante, ácido
clorídrico, ácido fosfórico e materiais cáusticos. Não se recomenda o uso na
manipulação de cetonas e aromáticos, hidrocarbonetos clorados, ésteres,
ácidos nítrico, sulfúricos e ácidos orgânicos (BIT, 2011).
As luvas confeccionadas com policloreto de vinila (PVC) que é um material
sintético (polímero) pouco flexível, elástico, durável e que apresenta menos
conformidade com a mão do que o látex. Recomenda-se o uso para proteção
contra a exposição mínima a fluidos corporais, agentes infecciosos, sangue,
ácidos e bases fortes, sais e álcoois, hidrocarbonetos alifáticos, gasolina,
tarefas de curta duração, na indústria de limpeza como barreira de encontro
às bactérias e na limpeza de material biológico perigoso. Não podem ser
utilizadas para manusear solventes alifáticos, aromáticos e clorados (BIT,
2011; OBSERVATÓRIO DA INDÚSTRIA, 2020).
Por fim, o 3º experimento (imagens L, M, N, O, P) demonstrou a produção de
um sabão utilizando óleo de cozinha saturado. Esta atividade evidenciou a
possibilidade de diálogo entre alguns assuntos/conteúdos (história do sabão,
reação de saponificação, lipídios, compostos polares e apolares etc.)
relacionados com a química e a prática de higienização corporal utilizando o
sabão como exemplo. A partir desse experimento foi possível mostrar aos
estudantes o mecanismo pelo qual a lavagem das mãos com sabão impede a
infeção pelo Coronavírus. Essa ação envolve dois conceitos fundamentais da
química: a hidrofilicidade e a hidrofobicidade. As formas como as
substâncias hidrofílicas se agregam entre si, evitam o contato com
substâncias hidrofóbicas (o chamado “efeito hidrofóbico”) e faz com que o
sabão literalmente “desmonte” este e muitos outros vírus (FERNANDES e RAMOS,
2020).
Os resultados dos experimentos deixaram evidentes que é possível buscar
novas estratégias de ensino para mediar o conhecimento e fortalecer a
formação e a aprendizagem dos estudantes neste momento de pandemia.
Ressalta-se que além dos conteúdos abordados nas três atividades
experimentais, é possível utilizar outros conceitos que envolvem a química e
outras áreas de conhecimento, conforme demonstrado abaixo (Figura 2).
Conclusões
Este estudo foi muito importante para os estudantes do curso de Licenciatura em Química do CESP/UEA, pois proporcionou uma experiência diferente que permitiu entender a ciência, por meio de atividades experimentais simples e utilizando materiais do cotidiano e de baixo custo. A dinâmica utilizada pelos professores de Didática mostrou que não se faz ciência somente em laboratórios, com equipamentos, vidrarias e regentes convencionais. Na verdade, a ideia de ciência é bem mais ampla e está presente em toda a construção da sociedade. Com essas atividades os estudantes de química envolvidos nessas práticas, compreenderam a importância dos conceitos da ciência que estudam em sala de aula e da prática para torná-los significativos, ou seja, é preciso que essas duas concepções estejam interligadas, afim de proporcionar um ensino mais dinâmico, participativo e significativo. Por fim, é preciso que a química seja contextualizada, para que por meio dessa contextualização, o estudante da graduação busque aprofundar o entendimento sobre os fenômenos do cotidiano, para que entenda a importância da ciência na sua vida. E, portanto, entenda a necessidade de compreender a sociedade em que vive, afim de se tornar um cidadão comprometido com a cidadania e com os problemas que o cercam. O tempo de pandemia tem se configurado em momento de reflexão e ressignificação da formação acadêmica e do fazer docente.
Agradecimentos
Aos professores e estudantes de Química que fizeram parte deste estudo.
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