VELAS PRODUZIDAS COM RESÍDUOS DE ANDIROBA (CARAPA GUIANENSIS AUBLET): DIÁLOGOS ENTRE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL, O ENSINO DE QUÍMICA E INVESTIGAÇÃO DA AÇÃO INIBIDORA EM DUAS ESPÉCIES DE MOSQUITOS
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ÁREA
Química Ambiental
Autores
Carvalho, A.S. (UEA) ; Assis Júnior, P.C. (UEA) ; Eleuterio, C.M.S. (UEA)
RESUMO
Este estudo foi estruturado a partir de uma temática social que envolve problemas de saúde pública e questões ambientais. Em vista disso, foi viabilizado um diálogo entre a Educação Ambiental e o Ensino de Química, demonstrado na Proposta de Ensino que evidencia os resultados da experimentação investigativa, os conteúdos que podem ser estudados tomando como ponto de partida as velas repelentes produzidas com resíduos de andiroba (Carapa guianensis Aublet), com a intenção de inibir a ação parasitária do carapanã (Culex quinquefasciatus) e maruim (Culicoides furens). Todas as ações foram aparadas na Lei nº 9.795/1999 e Lei nº 12.305/2010 que consideram a Educação Ambiental um tema essencial e permanente, que deve estar presente em todos os níveis de ensino, em caráter formal e não-formal.
Palavras Chaves
Resíduos de andiroba; Educação Ambiental; Ensino de Química
Introdução
Temas que envolvem Saúde e Meio Ambiente continuam em pauta no cenário nacional e internacional por isso, este Trabalho de Conclusão de Curso – TCC que se sustenta nos princípios da Educação Ambiental – EA tem o propósito de iniciar um processo de reflexão sobre questões ambientais que vem se intensificando e provocando danos à saúde pública e ao meio ambiente. A emissão de gases do efeito estufa por exemplo, como: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hexafluoreto de enxofre (SF6) (BRASIL, 2019), clorofluorcarbonetos (CFCs) (FORTI, 2019), hidroclorofluorcarbonetos (HCFCs) (FALCI, 2019) e outros, são poluentes que quando liberados, se concentram na atmosfera comprometendo o efeito estufa. Neste ano de 2021, a região Amazônica enfrentou a maior enchente de todos os tempos. As comunidades ribeirinhas e os municípios localizados em áreas de várzea foram os mais afetados. Esse fenômeno é resultado da elevação dos níveis dos oceanos, das intensas chuvas decorrentes do aquecimento global, derretimento das calotas polares e outros fatores naturais e antrópicos, que contribuem com a dinâmica das doenças vetoriais como a febre amarela, malária, dengue, chikungunya, zika etc. Para atender os pressupostos do Projeto Pedagógico do Curso de Química (licenciatura) da Universidade do Estado do Amazonas, ofertado no Centro de Estudos Superiores de Parintins, foi nomeado para este TCC, uma temática social com a intenção de viabilizar um diálogo entre a EA e o Ensino de Química; elaborar uma Proposta de Ensino – PE, evidenciar os resultados do diálogo entre a EA e Química; investigar a ação inibidora das velas produzidas com resíduos de andiroba (Carapa guianensis Aublet) para duas espécies de mosquitos: o carapanã (Culex quinquefasciatus) e maruim (Culicoides furens), que na região do Baixo Amazonas, no período chuvoso e enchente dos rios, a concentração desses vetores é mais intensa causando desconforto à população em decorrências das frequentes picadas. De acordo com Gorayeb-Filho (2012), o nome carapanã é derivado do vocabulário indígena, vem do karapa’nã, que na língua tupi significa mosquitos sugadores de sangue, conhecido também como: muriçoca, pernilongo, sovela ou mosquito prego. Esta espécie pertence à família Culicidae, do mesmo gênero Anophelesou Aedes. Além do carapanã tem o maruim (Culicoides furens) que incomoda da mesma forma que o carapanã. O maruim, conhecido como borrachudo, mosquitinhos-do-mangue, mosquitos- pólvora, recebeu a última denominação devido seu tamanho e pela sua cor, eles lembram grãos de pólvora (BENCHIMOL; SÁ, 2006). Suas picadas, de acordo com Gil-Azevedo, Santos-Mallet e Maia-Herzog (2004), causam prurido (alergia à picada de mosquito) intenso e irritação, podendo culminar em reações imunológicas severas. Além disso, afeta as atividades turísticas, agropecuárias e a fixação do homem ao campo. No Brasil existem registros de mais de 40 espécies de mosquitos, algumas transmissoras de doenças, outras não, porém, incomodam as pessoas, suas picadas geram intensa reação local, provoca lesões que podem coçar por vários dias. Essas informações são corroboradas por Ribas e Carreño (2010) quando afirmam que no Brasil, doenças provocadas por picadas de insetos são frequentes, o que torna extremamente importante a execução de medidas profiláticas de forma adequada, sobretudo, em áreas endêmicas como a Amazônia, que recebe um grande contingente de visitantes, a trabalho ou turismo. Em vista disso, distintas populações tradicionais que habitam na Região do Baixo do Amazonas utilizam óleo de andiroba (Carapa guianensis Aublet) e queimam as cascas das sementes como medidas de prevenção e controle desses mosquitos. De acordo com Boufleuer (2004), o óleo de andiroba (Carapa guianensis Aublet) misturado com o corante de urucum (Bixa orellana L.) é usado pelos indígenas por apresentar ação repelente contra insetos. Os índios Mundurucus usavam o óleo para mumificar a cabeça dos inimigos. Os Wayãpi e Palikur usam o óleo para remover carrapatos e piolhos. O chá da casca e das flores é usado contra febre, vermes, bactérias, tumores, como antidiarréico, antianêmico, contra bronquites e infecções das vias respiratórias, analgésico e balsâmico. O extrato de andiroba (Carapa guianensis Aublet) misturado com outras plantas repelentes (nim, eucalipto, citronela) é indicado para repelir formigas, cupins, aranhas, baratas e traças. Essas informações confirmam a importância de se trabalhar na escola a EA em conexão com um componente disciplinar. As velas produzidas com resíduos de andiroba (Carapa guianensis Aublet) se apresentou neste TCC uma estratégia viável para se discutir questões que envolvem o ensino, a formação inicial de professores, refletir sobre questões ambientais e sobre o aproveitamento de resíduos sólidos. Isso tudo permitiu a elaboração de uma Proposta de Ensino para ser aplicada durante o Estágio Supervisionado e Residência Pedagógica após a pandemia do coronavírus.
Material e métodos
Este estudo está vinculado ao Trabalho de Conclusão de Curso – TCC que discorre sobre uma temática social que envolve um Tema Transversal (Educação Ambiental), a disciplina de Química e a Experimentação Investigativa - EI. Para confirmar a hipótese levantada neste TCC que envolve uma investigação sobre a ação inibidora das velas produzidas com resíduos de andiroba (Carapa guianensis Aublet) e a utilização dos resíduos pelas populações tradicionais da Região do Baixo Amazonas visando a diminuição do fluxo dos mosquitos Culex quinquefasciatus (carapanã) e Culicoides furens (maruim), optou-se pela Experimentação Investigativa, que de acordo Prsybyciem et al. (2018) parte de um problema ou de situações reais, questões sociocientíficas ou socioambientais, que estimula a participação ativa do aluno no processo de ensino e aprendizagem, levantando hipóteses, possibilitando questionamentos e aplicação no contexto investigado. Abordagem Fenomenológica direcionou o estudo teórico que segundo Gomes et al. (2008), se apresenta como um método que parte da descrição de situações experienciadas, tenta descrever o fenômeno tal como ele se apresenta e/ou ocorre, auxilia na compreensão de tudo aquilo que se mostra ou que aparece para uma consciência que lhe atribui significado. Em vista disso, e considerando a temática deste TCC, a Pesquisa Qualitativa foi nomeada para fortalecer as discussões e reflexões acerca do conhecimento científico e tradicional, das estratégias que envolve a Educação Ambiental (proliferação de mosquitos) e o Ensino de Química. A Pesquisa Qualitativa segundo Mayring (2002), se baseia em cinco princípios: a exigência de uma maior relação com o sujeito da pesquisa, a ênfase na descrição e na interpretação dos sujeitos da pesquisa, a demanda de tratar os sujeitos também no seu ambiente natural, no seu dia-a-dia (ao invés de no laboratório) e, finalmente, a consideração da generabilidade dos resultados como um processo de generalização. Isso justifica a realização deste estudo distante da academia e dos espaços institucionalizados, os laboratórios de Química. Para atender aos objetivos, sustentar a coleta e discussão dos resultados optou-se pela Abordagem Temática associada ao Tema Transversal “Educação Ambiental” que no Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Química da Academia do Estado do Amazonas, ofertado no Centro de Estudos Superiores de Parintins, se apresentam como linhas de pesquisas. A partir dos estudos e dos resultados da experimentação investigativa e das entrevistas, foi elaborada uma Proposta de Ensino - PE para ser trabalhada no período de Estágio Supervisionado e Residência Pedagógica após a pandemia. Ressalta-se que a PE segue as orientações da Base Nacional Curricular Comum (BRASIL, 2017) e do Projeto do Novo Ensino Médio.
Resultado e discussão
Este estudo evidencia os diálogos entre a Educação Ambiental (EA) e os
conteúdos da Proposta Curricular de Química (SEDUC-AM, 2012) que em
concordância com a Base Nacional Curricular Comum – BNCC (BRASIL, 2018),
orientam a nova organização curricular para o Ensino Médio.
A Experimentação Investigativa subsidiou a confecção das velas utilizando
resíduos de andiroba (Carapa guianensis Aublet); confirmou a ação inibidora
para o carapanã (Culex quinquefasciatus) e o maruim (Culicoides furens),
revelou a importância do conhecimento tradicional a partir das experiências
e vivências de pessoas que trabalham com extração de óleo de andiroba e que
utilizam seus resíduos para alimentar fogueiras e inibir a ação parasitária
dessas espécies de mosquitos que são comuns no espaço rural e urbano em
diferentes lugares amazônicos.
Leituras relacionadas com o estudo permitiram conhecer mais profundamente o
papel da Abordagem Temática que se sustenta nos princípios da Educação
Libertadora defendida por Paulo Freire (2008), que utilizou contextos
informais para ensinar pessoas adultas que não possuíam a formação básica e
estavam fora da sala de aula. A pedagogia de Freire (2008) vai além das
cartilhas, do método da decoreba, da dinâmica do ponto, da lição, da tabuada
e sobretudo, rompe com a educação bancária que nega a dialogicidade nas
relações entre os sujeitos e a realidade. O contexto social do sujeito
aprendente é considerado ponto de partida para sua aprendizagem e a
dialogicidade e a problematização se constituem premissa básica para
alcançar resultados satisfatórios na escola, na academia e em diferentes
contextos.
Para Saul e Saul (2017), esta abordagem parte da realidade e prática
concreta dos participantes da pesquisa e vem se apresentando como uma
metodologia viável por permitir tratar de assuntos relevantes que muitas
vezes não são compartilhados com os alunos nem na escola e nem na academia.
No ensino de Química por exemplo, os professores formadores e regentes
poderiam destacar a produção industrial de velas repelentes (conhecimento
técnico-científico), a extração artesanal de óleos essenciais (medicina
alternativa) de algumas espécies amazônicas como a andiroba por exemplo.
Essa dinâmica possibilitaria o desenvolvimento da alfabetização cientifica
nesses espaços formativos.
De acordo com Sasseron (2015) e Chassot (2018), a alfabetização científica,
permite planejar ações educativas capazes estimular os alunos a interagirem
com sua própria cultura e com a cultura dos outros. Os conhecimentos
adquiridos na escola conectados ao ensino de Ciências facilitam olhar com
outros óculos para seu mundo. Trouxemos também para este estudo os enfoques
dos Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio Ambiente e Saúde (1997), da Lei
nº. 9.795/1999; do Programa Nacional de Educação Ambiental – ProNEA (2005),
da Lei n°. 12.305/2010 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Ambiental (2012), que confirmam a importância de abordar na escola,
na academia e em outros espaços sociais o Tema Transversal “Educação
Ambiental”.
Informações veiculadas nos meios de comunicação em geral, na internet
demonstram que o Brasil é um dos países que mais desenvolvem experiências
que envolvem a Educação Ambiental com iniciativas originais, associadas a
intervenções na realidade local. Este estudo é um exemplo desse tipo de
ação, pois, pretende minimizar as ações parasitárias do carapanã e maruim a
partir do uso de velas repelentes confeccionadas com resíduos de andiroba. A
ideia de elaborar esse produto foi decorrente das entrevistas realizadas com
pessoas que extraem óleo de andiroba e que no final do processo utilizam as
cascas para alimentar fogueiras para espantar esses tipos de mosquitos. Essa
ação foi comprovada pelas pessoas envolvidas no processo de extração do óleo
de andiroba pois, no lugar haviam muitos maruins (Culicoides furens) que não
deixavam as pessoas trabalharem sossegadas. A partir do momento que se
iniciou o processo de fervura das sementes até a exposição das tortas ao
sol, os insetos desapareceram daquele lugar.
A vela repelente foi testada em três residências localizadas em uma área com
grande incidência de carapanã e após o seu uso no interior das casas, foi
percebido que os carapanãs se afugentaram do local. Embora essa ação seja
paliativa, confirmam os estudos desenvolvidos por Fernandes et al. (2016)
que testaram a ação repelente da andiroba e do jucá (Caesalpinia férrea)
para moscas da família Calliphoridae. Klauck et al. (2014); avaliaram os
efeitos inseticidas e repelentes da árvore do chá (Melaleuca alternifolia) e
óleos de andiroba (Carapa guianensis) em moscas associadas à pecuária. Os
autores ressaltam que estes produtos naturais são menos tóxicos para os
animais e o meio ambiente.
A Proposta de Ensino foi elaborada seguindo as orientações da BNCC (BRASIL,
2018) e da Proposta do Novo Ensino Médio, que consideram a importância da
aprendizagem dos alunos esteja organizada a partir de temas e problemas
relacionadas com distintas áreas de conhecimento e que ofereça a esses
atores sociais, habilidades, competências e conhecimentos necessários à
construção do desenvolvimento sustentável, por meio do acesso a uma educação
contextualizada, orientada para a conservação ambiental e sustentabilidade,
formação ética e para valores, que constituem a base para o protagonismo
juvenil.
A extração de óleos de andiroba por exemplo, envolvem habilidades que nem
sempre são conhecidas e desenvolvidas por populações que vivem no contexto
urbano. Muitos de nossos alunos tanto da escola quanto da academia, não
detém esse conhecimento, mas é necessário que eles compreendam que essas
práticas extrativistas exigem competências e habilidades experimentadas no
dia a dia das populações tradicionais (indígenas, caboclas, quilombolas e
outras). Os produtos elaborados por essas populações não são tão valorizados
e ainda são questionados em relação ao preço quando comercializados em
feiras e mercados. Só eles sabem do esforço, do tempo dedicado para realizar
aquele trabalho ou produzir aquele alimento. A Convenção sobre Diversidade
Biológica (BRASIL, 2000), destaca a importância de estabelecer
reconhecimento e remuneração socioeconômica de forma justa, pois, se trata
de um conhecimento herdado dos antepassados.
Ações como essas que se apresentam neste TCC, contribuem para a formação de
cidadãos conscientes, aptos para decidirem e atuarem na realidade onde
vivem. A escola é uma das instituições responsáveis para a realização dessa
prática. É necessário que esta instituição se proponha a trabalhar com
atitudes, com formação de valores, com o ensino e a aprendizagem de
habilidades e procedimentos. Comportamentos “ambientalmente corretos” podem
ser aprendidos na prática do dia a dia na escola (BRASIL, 2000). Em
decorrência desses fatos e, pensando numa formação mais identitária, foi
elaborada uma Proposta de Ensino (Figura 1) que evidência a unidade
temática, o elemento de contextualização, os tipos de abordagem selecionadas
para o estudo, as competências, as habilidades, o nível de ensino e por fim
o desenho metodológico (Figura 2) para melhor compreensão da proposta.
Esses resultados são confirmados pela Lei nº 9.795/99, que constitui a
Educação Ambiental um componente essencial e permanente da educação
nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e
modalidades de ensino, em caráter formal e não-formal. Garante também o
desenvolvimento deste Tema Transversal não apenas no Ensino Fundamental, mas
também, em outros níveis de ensino, como uma prática educativa integrada,
contínua e permanente sem que se constituir componente curricular
específico.
Conclusões
Este estudo deixou evidente que por meio de ações e estratégias educativas, é possível promover sustentabilidade, cidadania, consciência e ética socioambiental. A experiência que envolveu a produção de uma vela repelente utilizando resíduos de andiroba (Carapa guianensis Aublet) para inibir a ação do carapanã (Culex quinquefasciatus) e do maruim (Culicoides furens), proporcionou interações e troca de saberes (acadêmicos/tradicionais) e sobretudo, mostrou a importância e o papel da Educação Ambiental em estimular o desenvolvimento de práticas educativas e projetos com potencialidades socioambientais na escola e na academia. Além disso, demonstrou a necessidade de olhar com outras lentes para o processo de formação inicial de professores de química, olhar para a complexidade dos processos educativos e das metodologias utilizadas pelos professores. Essas considerações confirmam a necessidade do professor pensar na formação e aprendizagem do aluno, buscar alternativas inovadoras e criativas que permitam ultrapassar as fronteiras escolares e acadêmicas. Os aprendizados obtidos com esta experiência são resultados qualitativos que favoreceram um novo olhar sobre as atividades acadêmicas, transformando uma simples prática experimental investigativa em uma proposta pedagógica importante que contribui com a reflexão sobre distintas questões ambientais, disseminação de conceitos disciplinares que envolvem a Química, sustentados nos princípios da Educação Ambiental.
Agradecimentos
Aos professores orientadores, ao senhor Benedito e Mariete Ferreira por disponibilizar um espaço para a confecção das velas.
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