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60º COngresso Brasileiro de Química

Identificação de amostras via parâmetros acústicos: estudo do impacto do processamento de dados no cálculo da velocidade de propagação


ÁREA

Físico-Química

Autores

Alves, M.F.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO) ; Barcellos, R.M.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO) ; Freitas, P.H.M.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO) ; Nascimento, F.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO) ; Queiroz, E.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO) ; Teixeira, M.A.G. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE) ; Mehl, A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO)

RESUMO

A espectroscopia acústica é uma poderosa técnica analítica não destrutiva. Como qualquer técnica, seus resultados precisam ser processados e, para tal, diferentes estratégias estão disponíveis. Neste trabalho, o impacto de diferentes formas de processamento de dados no cálculo da velocidade do ultrassom é discutido à luz do objetivo de identificação de amostras de líquidos. Fica evidente que as diferenças observadas em função do processamento de dados experimentais são relevantes devendo esse ser uma preocupação do pesquisador. O estudo foi conduzido associando o processamento de dados experimentais à investigação de dados na literatura.

Palavras Chaves

Espectroscopia acústica; Ultrassom; Caracterização de líquido

Introdução

A espectroscopia acústica é uma técnica analítica não-destrutiva de caracterização de amostras com base no acompanhamento do ultrassom, onda mecânica de pressão, através de seu percurso por ela (CARVALHO, 2013). Com fundamentação teórica do sistema analisado, relaciona-se propriedades acústicas a propriedades macroscópicas de interesse (DUKHIN e GOETZ, 2001; MULLINS et al., 2007). As propriedades acústicas comumente exploradas são velocidade de propagação do ultrassom, atenuação (medida da energia perdida) e fase (BONACUCINA et al., 2016). No caso particular da identificação de composição seja de líquido puro ou mistura, é comum a comparação de medidas desconhecidas com uma ou mais curvas de calibração (URICK, 1947; FIGUEIREDO, ALVARENGA e COSTA-FÉLIX, 2017; HIGUTI, FURUKAWA E ADAMOWSKI et al., 2000; KLEIS E SANCHEZ, 1990; HIGUTI et al., 1999). Dentre seus principais benefícios estão a possibilidade de ser não invasiva (ADAMOWSKI et al., 2000), facilitando aplicações em linha e em ambientes hostis (SCHABRON et al., 2006), portabilidade (CHAN e PERLAS, 2011), rapidez, segurança, não necessidade de diluição (BONACUCINA et al., 2016) e não subjetividade (MEHL, 2009). Cabe notar que no processamento de dados digitais, incertezas são introduzidas. Além disto a literatura não é conclusiva quanto ao método de processamento mais adequado (JACOVITTI e SCARANO, 1993). Diferentes processamentos são passiveis de uso e de fato utilizados, como mostrou Alves (2021). Neste trabalho, será investigada a identificação de líquidos puros usando a velocidade de propagação de grupo do ultrassom. Dados experimentais de duas substâncias puras, água Milli-Q e n-decano, serão processados, por diferentes técnicas. Serão calculados atrasos temporais entre os pulsos, que são a base do cálculo da velocidade em montagens experimentais de distância conhecida, como a usada no presente estudo. Os atrasos serão comparados para encontrar a máxima diferença decorrente das diferentes técnicas de processamento de sinais empregadas. A partir da máxima diferença, será estimado o máximo erro em cenários de variados sistemas experimentais. Dados da velocidade do ultrassom para os mesmos líquidos puros são reunidos a partir da literatura nas seguintes condições: pressão atmosférica e temperatura na faixa entre 10 e 40 ºC. Estes dados serão usados como parâmetro para avaliar os possíveis impactos do processamento de sinais na correta identificação das amostras. Água foi selecionada por ser uma referência padrão em medidas acústicas (LUBBERS e GRAAFF, 1998) enquanto n- decano por ser usado para representar fração de petróleo (PAREDES et al., 2012; NASCIMENTO, PAREDES e PESSOA, 2016).

Material e métodos

Foram realizados experimentos com uma célula ultrassônica operando de forma pulsada com a técnica pulso-eco, em que o ultrassom percorre ao menos duas vezes a amostra (percurso acústico=6,7 milímetros) entre sua emissão e recepção (ALVES, 2021). O aparato experimental é o mesmo utilizado e descrito em Carvalho (2013). A célula de medida possui um receptor de ultrassom de diâmetro maior que o emissor não sendo preciso corrigir efeitos de difração (ADAMOWSKI et al., 1995). Dois emissores foram utilizados, possuindo frequências nominais de 2,25 MHz e 5,00 MHz. As amostras avaliadas foram água Milli-Q e n-decano. Os experimentos foram realizados a temperatura e pressão ambiente e os atrasos temporais calculados com métodos ou combinação de métodos descritos na literatura. Foram testados três classes de métodos; (i) detecção de nível, que utilizam parte do sinal como referência: cruzamento com limiar, cruzamento com zero, máximo de amplitudes e máximo de envoltória (ADAMOWSKI et al., 2000); (ii) métodos com base em correlação cruzada aplicados tanto diretamente nos pulsos medidos (JACOVITTI e SCARANO, 1993) quanto em seus envelopes (VASTERLING et al., 2017; MIZUNO e IDE, 2019) e (iii) funções de diferenças quadráticas mínimas e de diferença média de módulos, que avaliam somatórios no sinal e, por isso, são computacionalmente mais rápidos (JACOVITTI e SCARANO, 1993). Para melhorar a resolução dos métodos discretos, também foram testadas nos métodos de correlação cruzada interpolações parabólica (BOUCHER e HASSAB,1981), com cosseno (COSTA-JÚNIOR et al., 2018) e com transformada de Hilbert (ADAMOWSKI et al., 2000; CABOT, 1981) no entorno do atraso temporal apontado pelo método discreto (CÉSPEDES et al., 1995) funcionando, assim, como uma correção (BOUCHER e HASSAB,1981). O interesse principal ao avaliar os métodos foi observar a maior diferença entre os atrasos temporais apontados. Essa foi utilizada para avaliar quais os máximos erros na velocidade seriam obtidos. Assume-se que um dos extremos é o valor correto e a diferença entre extremos seria o máximo erro observado no conjunto. Intercalando-se o extremo de referência, erros de sobrestimação ou subestimação são avaliados. Os erros são contextualizados ao se analisarem velocidades de propagação reportadas para os mesmos líquidos, à pressão atmosférica e em função da temperatura na faixa de temperatura entre 10 e 40 ºC. Os dados utilizados estão disponíveis em Alves (2021) que foram obtidos a partir de pesquisa na literatura.

Resultado e discussão

Tanto para água quanto para n-decano, as maiores diferenças entre extremos na determinação da diferença temporal entre pulsos foram obtidas usando transdutor emissor de frequência nominal 5,00 MHz. Dentre as duas substâncias avaliadas, a maior diferença ocorreu com n-decano, em que a diferença máxima foi de 0,280 microssegundos. Para avaliar o possível impacto de tal valor na determinação de velocidades de propagação, foram construídos gráficos apresentados na Figura 1. O correto atraso temporal esperado entre pulsos foi calculado para os casos de 5, 50 ou 500 mm percorridos pelo sinal ultrassônico em amostras com velocidades de propagação de 1000 a 2000 m/s. Do correto valor, testou-se a hipótese da máxima diferença de tempo observada entre métodos para o experimento com n-decano na frequência 5 MHz se repetir. Em casos extremos, os atrasos temporais seriam sobrestimados ou subestimados em 0,280 microssegundos. A Figura 1 mostra os gráficos obtidos com erros reportados em m/s. Fica claro que quanto menor a correta velocidade e maior o percurso acústico da onda, menores os possíveis impactos estimados por processamentos diferentes. Isso pode ser entendido pelo menor impacto relativo haja vista que, nesses casos, o atraso temporal correto aumenta. Contudo, em alguns casos, seriam possíveis erros da ordem de 200 m/s A Figura 2 mostra dados da literatura para velocidade de propagação do ultrassom em água e n-decano na faixa de temperatura entre 10 e 40 ºC em pressão atmosférica. Verifica-se que tais erros não são aceitáveis pois podem representar grandes percentuais das medidas. Para fins de identificação de substâncias por medida da velocidade acústica, o limite de erro aceitável depende das amostras avaliadas. Para distinção apenas entre água e n-decano, como mostra a Figura 2, erros de alguns metros por segundo seriam aceitáveis. Se as velocidades nas substâncias a serem identificadas forem menores (e a literatura mostra que, de fato, podem ser), o limite de erro diminui. O mesmo acontece se desejável for a distinção por temperatura em que apenas erros de frações ou de poucos metros por segundo são aceitáveis. Fica claro o importante papel de um bom controle e medição de temperatura para medidas acuradas (TIAGO, 2018). É importante ainda destacar que os sistemas avaliados foram líquidos puros. Em misturas, as análises tendem a ser mais complexas. Isso ocorre pelas baixas diferenças que podem ocorrer na propriedade ao variar a composição ou por possíveis comportamentos não lineares. Por isso, é comum a utilização de mais de uma propriedade acústica para estudo de misturas (URICK, 1947; FIGUEIREDO, ALVARENGA e COSTA-FÉLIX, 2017; HIGUTI, FURUKAWA E ADAMOWSKI et al., 2000; KLEIS E SANCHEZ, 1990; HIGUTI et al., 1999). Quanto aos processamentos de dados, como não existe consenso na literatura sobre um método padrão (JACOVITTI e SCARANO, 1993), recomenda-se que os pesquisadores ao menos sejam claros ao detalhar qual método foi utilizado. Além disso, uma boa prática seria comparar resultados obtidos com aqueles reportados na literatura. Também é recomendado entender cada processamento e os avaliar à luz dos sinais que se deseja processar em especial nos casos de exploração de novas substâncias e novos usos do ultrassom.

Figura 1.

Erro na velocidade, em m/s, resultante de sobrestimação e subestimação em 0,280 μs do atraso temporal entre pulsos. Elaboração própria.

Figura 2.

Velocidades de propagação em função da temperatura para água e n-decano. Elaboração própria com dados da literatura reunidos em Alves (2021).

Conclusões

A espectroscopia acústica é uma poderosa técnica para caracterização de fluidos e há vasta disponibilidade de propriedades acústicas tabeladas na literatura. Contudo, múltiplos processamentos de dados para experimentos acústicos são reportados. Ao testar alguns desses métodos, evidenciou-se consideráveis diferenças nos valores finais calculados, mas também foi evidenciada tendência de forte dependência do sistema experimental. Para cálculo da velocidade de propagação, evidenciam-se maiores diferenças quanto menor for o tempo gasto pelo ultrassom, que diminui quanto menor for a distância percorrida e maior a velocidade de propagação desse na amostra. Supondo que a magnitude de diferenças observadas nos experimentos avaliados se mantenham constante, foram simulados casos em que os erros na velocidade inviabilizariam a distinção de amostras de líquidos puros. Erros da ordem de 200 m/s foram apontados ao avaliar percursos de 5 a 500 mm e corretas velocidades de 1000 a 2000 m/s, faixa que abrange os líquidos em pressão atmosférica avaliados. A conclusão de limitação de identificação pelos erros possíveis é delineada ao se avaliarem dados na literatura para água e n-decano reunidos em Alves (2021).

Agradecimentos

Os autores agradecem à Petrobras e à Capes pelo apoio financeiro e à Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro pela infraestrutura.

Referências

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