Hidrogenação eletrocatalítica de derivados da biomassa mediada por ultrasom
ISBN 978-85-85905-25-5
Área
Química Verde
Autores
Andrade de Oliveira e Castro, I. (IFPE) ; Prates Annibolete, L. (IFPE) ; da Paz, J.A. (UFPE) ; Navarro, M. (UFPE) ; Duarte de Menezes, F. (IFPE) ; Vilar, M. (IFPE)
Resumo
Este trabalho visa o desenvolvimento de uma nova metodologia de hidrogenação eletrocatalítica de bioderivados mediada por ultrassom. A metodologia atende aos principios da quimica verde, não gera resíduos tóxicos que venham a agredir o meio ambiente e propicia a otimização do tempo reacional. Para os testes foram utilizados os seguintes bioderivados: furfural, α- ionona, cinaldeído e 5-metil-furfural. Os dados revelaram que o uso de US eleva os rendimentos reacionais quando comparado com processos descritos na literatura, estando este fato relacionado ao aumento da concentração dos substratos no meio reacional que, por conseguinte, adsorve em maior quantidade na superfície do catalisador e reage com o H2 também adsorvido.
Palavras chaves
ultrasom; hidrogenação; eletrocatálise
Introdução
O hidrogênio é talvez um dos mais promissores carreadores de energia do futuro. Em sistemas de energias renováveis com elevadas fracções de fornecimento intermitente (por exemplo, energia eólica e energia solar térmica), os potenciais excedentes de eletricidade poderiam ser convertidos em hidrogênio através da electrólise da água. Este hidrogênio pode ser utilizado numa grande variedade de aplicações, incluindo: Refinação de petróleo, purificação de vidro, fabricação de semicondutores, aplicações aeroespaciais, produção de fertilizantes, soldagem, recozimento e tratamento térmico de metais, produtos farmacêuticos e para hidrogenação catalítica (HC) de ácidos graxos insaturados em óleo vegetal. Entre os vários processos de biorrefinamento, a HC é particularmente importante para a conversão da biomassa e constitui um grande desafio. Geralmente, a hidrogenação é realizada em moléculas bioderivadas, ou seja, substâncias derivadas da biomassa, com objetivo de saturar as ligações C=C e C=O. A biomassa representa a principal fonte para a produção de combustíveis e produtos químicos renováveis (KUNKES et al., 2008); CHRISTENSEN et al., 2008). A HC é um processo bem estabelecido e sustentável aplicado à hidrogenação de substâncias derivadas da biomassa com a obtenção de excelentes rendimentos. Um tremendo esforço tem sido dedicado à conversão da biomassa em diversas moléculas que podem ser usadas para produzir energia e produtos químicos finos (CORMA; IBORRA; VELTY, 2007; CLIMENT; CORMA; IBORRA, 2011). Entretanto, o processo exige condições extremas de temperatura e pressão, levando a subprodutos e a um aumento significativo dos custos operacionais. Por outro lado, a eletroquímica se apresenta como uma tecnologia limpa que permite a geração de hidrogênio in situ para o processo de HC (daqui para frente denominada de hidrogenação eletrocatalítica (ECH)). A ECH fornece uma via sintética alternativa para a hidrogenação de algumas moléculas orgânicas, incluindo biomassa em condições moderadas (temperatura ambiente e pressão normal), sendo considerado um processo atraente, pois dispensa o fornecimento de hidrogênio molecular, pois o hidrogênio atômico é produzido na superfície do eletrodo e também elimina inconvenientes como envenenamento por catalisador (COCHE; MOUTET, 1987). No entanto, o rendimento reacional para HEC diminui com o aumento da hidrofobicidade dos substratos orgânicos. Para contornar esta limitação, nosso grupo de pesquisa desenvolveu uma metodologia baseada na irradiação de ultrassom (US) em sistemas eletrocatalíticos com ânodo de sacrifício (US-HECAS). (PAZ et al., 2018). A sonoeletroquímica é a ciência que une o uso de US à eletroquímica e fornece uma poderosa combinação para a ativação superficial de materiais em direção ao favorecimento da produção de hidrogênio in situ (CHEREPANOV; ANDREEVA, 2015). Os benefícios da sonoeletroquímica são bem conhecidos e incluem: 1) o aumento do transporte de massa de/para um eletrodo e na solução, que afetam os fenômenos dependentes de concentração; 2) a diminuição da camada de difusão, que afeta a transferência de elétrons; 3) a modificação dos fenômenos de superfície do eletrodo (adsorção/dessorção); 4) a diminuição da incrustação do eletrodo e a remoção dos revestimentos do eletrodo; 5) a diminuição dos tempos reacionais e 6) o aumento dos rendimentos de reação. Neste contexto, o presente trabelho relata o uso de US no processo de HEC de compostos derivados da biomassa em água utilizando uma célula de compartimento único com dispersão de calor (wing-type cell). Este trabalho é relevante tanto do ponto de vista da sonoeletroquímica quanto do ponto de vista verde porque, além de atender aos princípios 2, 3, 5, 6, 7 e 9 da química sustentável e verde, ainda não foi relatado nenhum estudo sobre o uso dos US em processo de HECAS de bioderivados em água.
Material e métodos
O furfural (99%), trans-cinamaldeído(99%), 5-metil-furfural (98%) e α-ionona (90%) foram adquiridos pela Sigma- Aldrich e usados sem tratamento prévio. O éter etílico (98%) foi adquirido pela Qhemis e o cloreto de amônio (99,5%),usado como eletrólito de suporte, foi adquirido pela Química Moderna e a água utilizada foi deionizada. O procedimento de HEC foi realizado em um aparelho Autolab PGSTAT101 potenciostato/galvanostato, acoplado a um computador através de interface externa USB, utilizando o programa NOVA em uma célula de compartimento único de 30 mL de capacidade. Duas barras de Ni foram usadas como eletrodos, sendo uma utilizada como anodo de sacrifício (d = 0,1 dm, A = 0.078 dm2) e outra como eletrodo de trabalho (d = 0,1 dm e A = 0.078 dm2). O Eletrodo de trabalho (cátodo) foi reutilizado diversas vezes após remoção do depósito de níquel através de polimento abrasivo de sua superfície. Para a aplicação de US foi usado um equipamento Bandelin Sonopuls ultrasonic homogenizer HD 2070, o qual dispõe de uma ponteira ultrassônica cilíndrica de Ti(MS 73 microtip; liga Ti-6AI-4V) com diâmetro de 3 mm, suportando uma potência máxima de 70 W e 20KHz ± 500Hz de frequência (DA PAZ et al., 2018) O procedimento experimental consiste em preencher uma célula eletrolítica com 25,0 mL de eletrólito de suporte (NH4Cl; 0,2 molL-1 e 0,5 mmol de substrato. Em seguida, o sistema é montado de forma com que os eletrodos (cátodo e ânodo) estejam em uma distância de 2,0 cm entre si, enquanto o probe deverá ficar centralizado e imerso 1,5 cm na solução e com uma distância de 1,0 cm dos eletrodos. Todas as reações foram realizadas em duplicata, a fim de se garantir um menor erro experimental. As reações foram realizadas com a passagem de uma densidade de corrente constante de 350mAdm-2, mediada por 14W de US em modo contínuo até o consumo total de, 2 F mol-1, ou seja, aproximadamente 59 minutos. Nestas condições, o potencial da cela eletroquímica variou entre -1,71 V e -1,85V. Ao término da reação a solução aquosa foi extraída com éter etílico. Os rendimentos foram determinados através da análise por cromatografia gasosa (CG), utilizando um equipamento Varian 3380 GC,equipado com uma coluna capilar de 30 m × 0.25 mm DB5 (HP). A programação do equipamento iniciou com temperatura de 40 °C por 2 min seguida de uma rampa de 10 °C min-1 até a temperatura de 220 °C onde foi mantida até o fim por 2 min. Tolueno (0.067 mmol) foi utilizado como padrão interno para quantificação dos produtos. Análises de CG com espectrômetro de massas (CG-MS) foram realizadas em um equipamento Shimadzu CG/MS modelo GC17A, 70 eV ion trap, com coluna capilar de 30 m TGMS - 5 (HP). A programação do equipamento iniciou com temperatura de 60 °C por 3 min seguida de uma rampa a 10 °C min-1 até 240 °C seguida de rampa de 60 °C min-1 até 300 °C durante 4 minutos.
Resultado e discussão
O Furfural é um composto orgânico
heterocíclico aromático muito utilizado
como base
para produção de combustíveis e produtos
químicos. Este aldeído é conhecido também
como 2-furanocarboxialdeído, furaldeído,
2-furanaldeído, fural e furfuraldeído. As
principais fontes de obtenção do furfural
são os resíduos agrícolas tais como sabugo
de milho, bagaço de cana-de-açúcar, casca
de arroz e farelo de trigo.
A hidrogenação do furfuraldeído forma
principalmente álcool furfurílico e pode,
dependendo das condições reacionais,
produzir pequenas quantidades de 2-
metilfurano,
um valioso intermediário na perfumaria
farmacêutica e indústrias de polímeros
(RAO;
BAKER; VANNICE, 1999). No presente estudo,
o furfural foi eletrocataliticamente
hidrogenado após o consumo de 2 F
mol-1, gerando como produto
apenas
álcool furfurílico com rendimentos
superiores a 98% (Tabela 1, entrada 1).
Este
resultado é marcante uma vez que o álcool
furfurílico apresenta uma série de
aplicações na indústria química, tais
como, material de partida na produção do
álcool tetra-hidrofurfurílico, na
manufatura de resinas e como intermediário
na
produção de fragrâncias e vitamina C
(CORMA; IBORRA; VELTY, 2007).
Poucos trabalhos da literatura descrevem a
HEC do furfural ao álcool furfurílico. Li
et al. (2012), por exemplo, utilizando
eletrodo de Fe e uma mistura equimolar de
H2O:MeOH (Tabela 1, entrada 2),
obtiveram apenas 78% de álcool
furfurílico. Em contrapartida, Vilar e
Navarro (2012) atingiram conversões de 97%
de
álcool furfurílico (Tabela 1, entrada 3),
por meio de uso de ciclodextrina como
catalisador de transferência de fase
inversa na ausência de metanol no meio
eletrolítico. Estes resultados corroboram
uma das vantagens do uso do US que esta
relacionada ao aumento da transferência de
massa da espécie eletroativa até a
superfície do eletrodo. Ou seja, o US
aumenta a quantidade de substrato
dissolvida
em solução e, por consequência, aumenta a
quantidade de substrato adsorvido na
superfície do catalisador. Ao passo que a
concentração do substrato aumenta na
superfície do catalisador, aumenta a
probabilidade de reação entre esta espécie
e o
hidrogênio adsorvido levando a uma
elevação nos rendimentos reacionais. Desta
feita,
o US pode ser utilizado em substituição a
catalisadores de transferência de fase
inversa, como cicldextrinas, nos processos
de HEC do furfural, por exemplo.
O 5-metilfurfural é molécula resultante da
transformação dos monossacarídeos,
derivado de biomassa, semelhante do
furfural com a diferenciação da inserção
de um
grupamento metila na posição C5. A
utilização de US na reação de hidrogenação
fez
com que os rendimentos aumentassem em 68%
quando comparada a reação controle (Tabela
1, entradas 4 e 5) na qual foi aplicado
apenas agitação ao processo.
Os apocarotenóides são uma classe de
compostos terpenóides, que incluem alguns
compostos voláteis importantes como α-
ionona. Como esperado, a ligação C=C foi
hidrogenada mais rapidamente do que a
ligação C=O, produzindo dihidro-α-ionona
como
produto principal (47,5%, Tabela 1,
entrada 6) e tetrahidro-a-ionona como
produto
minoritário (28,5%, Tabela 1, entrada 6).
Quando comparada a reação controle, o uso
de US aumentou os rendimentos reacionais
em 64,5% (11,5% para 76%, Tabela 1,
entradas 7 e 6, respectivamente). Ademais,
os resultados apresentados estão em
consonância com aqueles apresentados na
literatura (tabela 1, entrada 8).
O cinamaldeído, é um vinílogo do
benzaldeido e seus produtos semi-
hidrogenados, como
álcool cinâmico e hidrocinamaldeído, são
químicos finos e intermediários
importantes, especialmente na indústria de
perfumes e na fabricação de medicamentos
(HAN et al., 2006). No presente trabalho,
o cinamaldeido foi hidrogenado
seletivamente produzindo 64,5% de
hidrocinamaldeído e 7% de álcool cinamico.
Em
termos de rendimentos, o processo de US-
HECAS foi mais eficaz que aquele
desenvolvido por Mahdavi et al. (1995)
(71,5% e 69%, Tabela 1, entradas 9 e 11,
respectivamente) com uso de níquel
fractal, bem como na ausência de US
(reação
controle) (4%, Tabela 1 entrada 10)
US-HECAS de bioderivados.
Conclusões
A aplicação de US no processo de HEC dos derivados de biomassa mostrou-se mais eficaz, em termos de tempo e energia carga aplicada), levando a rendimentos de reação iguais ou maiores que em outros métodos descritos na literatura. Observa-se que o ultrasom pode ser utilizado em substituição a catalisadores de transferência de fase inversa, como ciclodextrinas, nos processos de HEC do furfural, por exemplo. No que concerne aos demais bioderivados, obsrva-se que o US pode entrar em substituição a uso de solventes orgânicos como metanol, atendendo, portanto, aos principios da quimica verde. Diante do exposto, podemos afirmar que a sonoeletrocatálise apresenta-se como uma metodologia sintética verde e versátil na hidrogenação de bioderivados permitindo a aplicação de condições mais brandas de reação.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro (processo 456523/2014-6)
Referências
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