Síntese de derivado metálico bioativo do ácido anacárdico extraído do LCC de Anacardium occidentale.

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Produtos Naturais

Autores

Barros, A.S. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ) ; Santos, L.M.B. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ) ; Freitas, L.S. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ) ; Montes, R.A. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ) ; Rodrigues, A.L.M. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ) ; Pinto, C.C.C. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ) ; Morais, S.M. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ)

Resumo

Lipídeos fenólicos bioativos, como o ácido anacárdico (AA) podem forma derivados metálicos com grande seletividade, podendo originar compostos mais ativos que o AA. Dessa forma o objetivo do trabalho foi sintetizar e caracterizar o derivado metálico do Estanho com o AA obtido do LCC e avaliar sua toxicidade em Artemia salina, como indicativo de com ação antitumoral. A pureza do AA foi analisada por HPLC. O derivado foi sintetizado em meio básico com Sn2+ e caracterizado por FT-IR e UV-Visível. A toxicidade do complexo em Artemia salina foi determinada. Os espectros confirmam a formação do complexo Sn(AAs)2 que apresentou-se mais tóxico à Artemia salina que o AA. Assim, a síntese de derivados metálicos do AA pode representar uma potencial rota de obtenção de compostos bioativos.

Palavras chaves

ácido anacárdico; Composto bioativo; Estanho

Introdução

A espécie Anacardium occidentale L. conhecida como cajueiro é pertencente à família Anacardiaceae e ao gênero Anacardium, que abrange outras 20 espécies. O cajueiro é cultivado comercialmente e possui as seguintes variedades: anão-precoce e comum. São nativas do Nordeste do Brasil, adaptadas às condições climáticas do semiárido e possuem uma grande importância no cenário socioeconômico, destacando-se nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí (ARAÚJO, 2015; SUASSUNA et al., 2016). A partir do cajueiro é obtido caju, composto pela castanha e pedúnculo. A castanha, que é o verdadeiro fruto, é composta por uma casca de consistência firme que envolve a amêndoa da castanha do caju (ACC). O líquido da castanha de caju (LCC) obtido da casca dessa castanha é um líquido viscoso escuro e oleoso que forma uma das principais fontes de lipídeos fenólicos não-isoprenóides, dentre eles o ácido anacárdico. O ácido anacárdico são classificados como não-isoprênicos devido apresentarem o acetato como precursor biossintético. Esses componentes apresentam cadeia aromática contendo grupos funcionais como hidroxila (OH) e ácido carboxílico (COOH), e também apresentam cadeia lateral alifática contendo até 3 insaturações, (monoeno, dieno e trieno) (Figura 1), que é responsável pelo seu caráter anfipático e que potencializa suas atividades biollógicas. O LCC apresenta diversas aplicações industriais e devido as propriedades biológicas dos seus constituintes tem despertado grande interesse de pesquisa, sejam elas de natureza química (síntese de derivados) ou de natureza biológica (ação antioxidante, anti-inflamatória, anticolinesterásica e até mesmo anticâncer) (SOARES et al., 2012; MUIANGA et al, 2016; VIEIRA, 2007) Figura 1. Representação da estrutura química dos ácidos anacárdicos do LCC. Do arsenal quimioterápico existente contra o câncer, a maioria (60%) dos fármacos introduzidos nas últimas décadas tem sua origem nos produtos naturais (COSTA- LOTUFO et al., 2010). O avanço da tecnologia, o isolamento de compostos biologicamente ativos de plantas vem fornecendo a base molecular para o desenvolvimento de muitas drogas atualmente em uso clínico, especialmente contra o câncer e doenças infecciosas (MESQUITA et al., 2009). Portanto, metabólitos secundários de plantas e seus derivados sintéticos são importantes fontes de drogas antitumorais. As pesquisas envolvendo compostos fenólicos e saúde tem se destacado nas últimas décadas devido às diversificadas atividades biológicas dessa classe de compostos. A casca da castanha de caju, rica em ácido anacárdico é uma importante fonte desse componente natural tornando assim o LCC um importante recurso precursor de compostos com prováveis atividades biológicas. O ácido anacardico forma derivados de metal lipofilico com um grau de selectividade excepcionalmente elevado. Derivados metálicos do AA nas razões de 1:1 e 2:1 já foram preparados e caracterizados, onde foi determinada a ordem de seletividade entre a primeira linha de metais de transição que foi Fe2+> Cu2+> Zn2+> Ni2+ = Co2+ = Mn2+ para os derivados 2: 1. A síntese de derivados metálicos lineares lipofílicos com alto grau de seletividade (particularmente para os importantes íons de metais de transição, Fe2+ e Cu2+ e, em menor extensão, Zn2+) podem explicar o amplo espectro de atividade biológica para AA como inibidor de enzimas metal dependentes (NAGABHUSHANA et al., 1995; HAMAD e MUBOFU, 2015). Dessa forma o presente trabalho tem como objetivo sintetizar e caracterizar por meio de técnicas espectroscópicas, o derivado metálico do Estanho (Sn) com o ácido anacárdico obtido do líquido da castanha de caju (LCC) de Anacardium occidentale e avaliar sua toxicidade frente ao microcrustáceo Artemia salinacomo indicativo de composto com ação citotóxica.

Material e métodos

Preparação do LCC 3000g da casca da amêndoa do caju foram percoladas com 5L de hexano PA durante sete dias à temperatura ambiente com agitação ocasional e concentrado em evaporador rotativo a sob pressão reduzida Isolamento do ácido anacárdico do LCC Ao LCC extraído foi adicionado Ca(OH)2 em uma mistura de metanol e água com agitação por 3 horas. Em seguida, a mistura foi resfriada e filtrada. O sólido obtido foi lavado com metanol. Os filtrado foi tratado com solução de HCl 50% até pH 1,0 e a mistura de ácidos anacárdicos foi extraída com acetato de etila que foi removido em evaporador rotativo (PARAMASHIVAPPA, 2001). Determinação da pureza da mistura dos ácidos anacardicos por HPLC A pureza e a identificação da mistura de ácidos anacárdicos foi realizada por meio de análises de HPLC equipado com coluna Shim-pack (CLC) ODS GOLD 25 cm, com tempo de corrida de 30 minutos, comprimento de onda do detector de 280 nm, vazão de 1,8 mL/min. A fase móvel foi: 80% acetonitrila e 20% tampão acido acético 1%. Foram injetados 20 μL da amostra e do padrão preparada pela dissolução de 10 mg da mistura de ácidos anacárdicos e do LCC em 10 mL de acetonitrila. Os experimentos foram realizados em triplicata e o LCC foi utilizado como padrão de comparação para as análises. Síntese e caracterização do derivado metálico do ácido anacárdico com Estanho. As sínteses dos complexos inorgânicos foram realizadas conforme Mendes et al. (1990), com a reação do sal SnCl2.2H2O e o ligante (mistura dos ácidos anacárdicos - AAs) em uma proporção estequiométrica de 1:2 (metal:ligante) em etanol, sob agitação constante durante 1 hora, onde o pH da mistura foi alcalinizado para 12 - 13 pela adição de solução aquosa de NaOH 20%. Após, a mistura reacional foi mantida em repouso sob refrigeração por overnight, em seguida filtrada e o precipitado obtido foi lavado com etanol gelado. O composto sintetizado foi analisado por meio de espectroscopia UV-VIS e infravermelho (FT-IR). Toxicidade em Artemia salina Inicialmente foi realizado o preparo da água salina com os sais: NaCl 15,153 g/L; MgCl2 1,398 g/L; Mg(SO4)2 1,888 g/L; CaCl2 0,652 g/L; KCl 0,414 g/L; e NaHCO3 0,116 g/L, de acordo com o procedimento descrito por McLaughlin (1991). Ovos de Artemia salina foram incubados em pequeno tanque particionado contendo a água salina. A iluminação foi fornecida de um lado. Quatro concentrações (1.000, 100, 10 e 1 ppm) das amostras com dimetilsulfóxido 2% foram adicionados à frascos e a cada frasco foram adicionados 10 náuplios. O controle negativo foi preparado com água salina contendo os náuplios e dimetilsulfóxido 2%. Após 24 h de incubação, os sobreviventes foram contados. O experimento foi realizado em triplicata e a CL50 foi determinada conforme metodologia descrita por Minho et al., 2017.

Resultado e discussão

Na extração do Líquido da Castanha de Cajú foram obtidas cerca de 170 g de LCC equivalendo a um rendimento de 5,6%. Valores mais eficientes de extração do LCC foram obtidos por De Matos et al. (2008) em seu trabalho, o que pode ter relação com a forma de extração utilizada, neste caso com Soxhlet. Na obtenção da mistura dos ácidos anacárdicos foram realizadas sucessivas reprecipitações onde a massa da mistura de ácido anacárdico obtida foi de 25 g. A análise de HPLC é mostrada na figura 2. É possível observar os três principais picos relativos ao ácido anacádico – trieno (pico 1) no tempo de retenção (Rt) de 8.07 min., ao ácido anacádico – dieno (pico 2) no Rt de 11.27 min e ao ácido anacádico – monoeno ( pico 3) no Rt de 17,14 min. Figura 2. Cromatograma de HPLC da mistura de ácidos anacárdicos extraídos do LCC. Onde: 1-AA trieno, 2-AA dieno e 3-AA monoeno. O percentual relativo dos ácidos anacárdicos obtido a partir da área dos picos no cromatograma foi de 94,61 ± 0,47%, similar ao percentual obtido por Paramashivappa (2001) que foi de 95%. A proporção entre os ácido anacárdicos foi de 2,9:1,0:1,1 para trieno:dieno e monoeno, conforme observado por Morais et al. (2017) na qual a proporção entre os picos foi de 3:1:1. Dessa forma o principal componente na mistura dos ácidos anacardicos é o AA trieno. A pureza relativa do ácido anacárdico demonstra a eficiência do método de isolamento, bem como a importância das reprecipitações para o processo, sendo determinante ainda para a utilização do ácido anacárdico como ligante na reação de síntese do complexo com o metal. A partir da reação de síntese do complexo Sn-AAs (1:2) foi obtido um sólido de coloração marrom-escuro com características cristalinas, diferente do ligante (ácido anacádico) que apresenta características graxosas quando sólido, o que representa um indício da efetividade da reação. O rendimento da reação de síntese do complexo foi de 29,32%. Foi observado diferenças na banda de absorção máxima (λmáx) no espectro UV-Visível do complexo em relação ao ligante, como mostrado na tabela 1. Tabela 1. Absorções máximas no espectro UV-Visível do ligante e do complexo Composto λmáx. Ác. Anacárdicos (AAs) 325 nm Sn-AAs (1:2) 302 nm Da mesma forma, foram observadas diferenças nas bandas de infravermelho do complexo em relação ao ligante nos espectros de FT-IR, como mostrado na figura 3. As diferenças nas bandas de estiramento da hidroxila (O-H, 3422 cm-1) e do grupo carboxila (C=O, 1635 cm-1; C-O, 1459 e 1356 cm-1) no complexo, bem como a presença da banda do metal (554 cm-1) comprovam a formação do complexo. Figura 3. Espectro infravermelho FT-IR do: (a) ácido anacárdico; e (b) do complexo Sn-AAs (1:2). Hamad e Mubofu (2015) relatam a possibilidade da formação de complexos com metais e ácido anacárdico com diferentes estruturas, em função das proporções estequiométricas entre metal e ligante. Dessa forma a associação do que foi reportado pelos autores anteriormente citados com os resultados observados nos espectros de infravermelho sugerem a formação do complexo Sn(AAs)2, no qual a sua provável estrutura é mostrada na figura 4. Figura 4. Representação estrutural do complexo Sn(AAs)2 O teste de toxicidade em microcrustáceo Artemia salina é mostrado na tabela 2. É possível observar que a toxicidade do complexo foi pouco superior à do ácido anacárdico. O que pode está relacionado tanto à presença do centro metálico como com a quantidade estequiométrica de ácido anacárdico presente no complexo. Por meio da análise é possível determinar que o complexo formado apresentou bioatividade frente ao microcrustáceo. Morais et al. (2017) relataram a toxicidade de cada ácido anacárdico separadamente em seu trabalho, e o AA trieno foi o mais ativo frente A. salina, apresentando melhores atividades como a inibidora da enzima acetilcolinesterase AChE e a antioxidante. Assim, a toxicidade do composto sintetizado neste trabalho pode está relacionada á presença majoritária do AA trieno no complexo, e pode apontar para a investigação da ação citotóxica do complexo, tornando-o candidato a composto com ação antitumoral, uma vez que o ácido anacárdico é relatado como detentor de ação antitumoral (HAMAD e MUBOFU, 2015) Tabela 2. Toxicidade em Artemia salina do complexo Sn-AAs(1:2) e do ligante. Amostra CL50 (µg/mL) CI95% (µg/mL) Ác. Anacárdicos (AAs) 49,39 28,15 - 84,56 Sn-AAs (1:2) 31,62 14,50 - 68,97

Espectro infravermelho

Espectro infravermelho FT-IR do: (a) ácido anacárdico; e (b) do complexo Sn-AAs (1:2).

Figura 1. Representação da estrutura química dos ácidos anacárdicos do

Figura 1. Representação da estrutura química dos ácidos anacárdicos do LCC.

Figura 2. Cromatograma de HPLC

Figura 2. Cromatograma de HPLC da mistura de ácidos anacárdicos extraídos do LCC. Onde: 1-AA trieno, 2-AA dieno e 3-AA monoeno.

Tabela 1. Absorções máximas no espectro UV-Visível

Tabela 1. Absorções máximas no espectro UV-Visível do ligante e do complexo

Figura 4. Representação estrutural do complexo

Figura 4. Representação estrutural do complexo Sn(AAs)2

Tabela 2. Toxicidade em Artemia salina do complexo

Tabela 2. Toxicidade em Artemia salina do complexo Sn-AAs(1:2) e do ligante.

Conclusões

Dessa forma é possível concluir que o complexo formado entre o estanho (Sn2+) e o ácido anacárdico na proporção 1:2 (metal:ligante) foi sintetizado com sucesso. E que os espectros UV-Visível e de FT-IR confirmam a formação do complexo por meio de quelação formada entre o metal, e a carboxila e hidroxila fenólica de duas moléculas de ácido anacárdico. Formando assim o complexo Sn(AAs)2 que apresentou-se ligeiramente mais tóxico à Artemia salina que o ácido anacárdico, demonstrando assim que a síntese de derivados do ácido anacárdico complexados com metais podem representar uma importante rota de obtenção de compostos bioativos com possível ação citotóxica.

Agradecimentos

À Secretaria de Educação do Governo do Estado do Ceará (SEDUC – CE), à CNPQ e à FUNCAP pelo incentivo à formação e pelas bolsas concedidas.

Referências

ARAÚJO, J. P. P. (E.). Caju: o produtor pergunta, a Embrapa responde. 2. ed. Brasília, DF: Embrapa, 2015. 250 p.
COSTA-LOTUFO, L. V.,MONTENEGRO, R. C., ALVES, A.P.N.N., MADEIRA, S.V.F., PESSOA, C., MORAES, M.E. A., MORAES, M.O. A. Contribuição dos Produtos Naturais como Fonte de Novos Fármacos Anticâncer: Estudos no Laboratório Nacional de Oncologia Experimental da Universidade Federal do Ceará. Revista Virtual de Química, v.1, n.2, p.47-58, 2010.
DE MATOS, J. E. X.; DA SILVA, F. J. A.; VIEIRA, P. B. Solventes para extração do líquido da castanha de caju (LCC) e compatibilidade ambiental. Revista Tecnologia, v. 29, n. 1, 2008.
HAMAD, F.; MUBOFU, E. Potential biological applications of bio-based anacardic acids and their derivatives. International Journal of Molecular Sciences, v. 16, n. 4, p. 8569-8590, 2015.
MCLAUGHLIN, J.L. Crown gall tumors on potato discs and brine shrimp lethality: two simple bioassays for higher plant screening and ractionation. In: Hostettmann, K., Ed. Methods in Plant Biochemistry. London: Academic Press, vol. 6, p.1-36, 1991.

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