DA UNIVERSIDADE À SALA DE AULA: PERSPECTIVAS E DIFICULDADES NO INÍCIO DA CARREIRA DOCENTE
ISBN 978-85-85905-25-5
Área
Ensino de Química
Autores
Pacifico, S.N. (UVA) ; de Lima, D.R. (UFC) ; Peres, J.G. (UECE) ; Sousa, A.C.G.A. (UECE) ; Sena, F.S. (UECE) ; Lins, P.V.D. (UECE) ; Santiago, L.F. (UECE) ; Sousa, L.R. (UECE) ; Gonçalves, E.N.S. (IDETE) ; Silva, J.E. (UECE) ; Rodrigues, F.I.L. (UECE) ; Pacheco, L.C.M. (UECE)
Resumo
Ser professor torna-se a cada dia uma missão mais árdua, devido a ampliação das funções atribuídas a estes profissionais. O presente estudo teve como intuito investigar os principais conflitos existentes na carreira de um professor de Química e suas causas, além de conhecer as expectativas de pessoas que concluíram a licenciatura nesta área mas não estão atuando. Os principais receios relacionados a profissão são o rendimento dos alunos, seguido pelo desinteresse, indisciplina e desvalorização da profissão, a ministração de aula em turmas muito numerosas e a motivação dos alunos. Diante disso, é importante uma mudança na grade curricular de cursos de licenciatura, visando formar professores mais qualificados e preparados para atender as exigências do atual sistema de ensino.
Palavras chaves
Docência; Formação de professores; . Dificuldades no ensino
Introdução
Existem diversos estudos voltados ao início da carreira docente, especialmente no que diz respeito às dificuldades vivenciadas nesta época. É fundamental que o iniciante saiba como lidar com os obstáculos encontrados, pois além da importância da aquisição de experiências que cada fase proporciona, esta poderá determinar seu futuro e sua relação com o trabalho (TARDIF, 2002). A importância da educação para uma infinidade de circunstâncias traz à docência uma responsabilidade imensa, além de habilidades acadêmicas e profissionais que só podem ser adquiridas durante a formação, o que torna inviável o exercício docente sem a qualificação adequada. É necessário estar ciente de que a função de um professor vem sofrendo mudanças e sendo considerada uma profissão carregada de ambiguidades, incertezas, desafios e dificuldades (GOMES, 2009). É inevitável discutir sobre melhorias na qualidade da educação sem que haja mudanças no processo de formação de professores, visto que são elementos constituintes de um mesmo problema e não podem ser pensados em separado, pois a alteração de um afeta diretamente o outro (CANÁRIO, 1991). Como mencionam Tisher e Wideen (1990), para dar aos jovens a melhor educação é necessário primeiramente dar uma boa formação aos que vão ensinar. É importante ressaltar que o professor principiante já foi aluno por pelo menos dezesseis anos, teve contato com diversas metodologias durante toda a sua vida, o que pode levá-lo a acreditar que já está acostumado com o ambiente (LORTIE, 1975). Porém, de acordo com Ryan (1986 apud ARENDS, 1995:486), é justamente devido a essa familiaridade que a maioria dos problemas surgem, pois o professor iniciante Em relação ao tempo em que o professor é considerado iniciante, não existe um consenso na literatura. Alguns autores consideram apenas o primeiro ano de experiência (RIBEIRO, 1993; VONK, 1983) e ainda há alguns que acreditam que até o quinto ano de docência o professor ainda está na fase de iniciação (FLORES, 2000). Segundo Veenman (1984) e Imbernon (1994), as principais dificuldades encontradas pelos professores no início da carreira são, por ordem de importância: a) disciplina na sala de aula; b) tratamento das diferenças individuais na sala de aula; c) como enfrentar ou lidar com os pais; d) como motivar os estudantes, organizar o trabalho na aula, insuficiências de materiais e recursos e problemas com determinados alunos. O ambiente escolar em toda sua complexidade é favorável ao surgimento de impasses que normalmente são vistos em maior proporção pelos professores principiantes, causando receios, decepções e incertezas. Isso costuma ocorrer porque docentes com maior tempo de atuação já possuem inúmeros mecanismos de resposta gravados em sua mente, o que facilita a resolução dos problemas. Já os inexperientes enxergam a situação de forma concreta, sendo mais difícil de vê-la de modo abstrato (GARCIA, 1999). Um professor qualificado não se forma apenas com o saber adquirido nas diversas disciplinas de um curso, pois “alunos não se tornam bons profissionais à medida que seu pote de conhecimento está cheio de informações necessárias à prática pedagógica” (SILVA, 2013, p. 3), sendo o estágio uma etapa que permite ao futuro professor, além da aquisição de conhecimento, a redefinição de suas concepções acerca dos alunos, da escola, da sua profissão e da função que ele irá exercer (PONTE, 2001).
Material e métodos
Na busca de investigar mais a fundo as principais dificuldades que permeiam o início da docência em Química, este estudo buscou analisar diversos aspectos que influenciam no percurso até a sala de aula, inclusive a formação. Para participar da pesquisa, era necessário atender aos seguintes critérios: ter concluído licenciatura em universidade pública e possuir menos de três anos de magistério. A disciplina de Química, assim como as demais que fazem parte das ciências exatas, é tida como complexa por boa parte dos alunos, o que acaba causando certa rejeição, resultando em um obstáculo a mais no ensino desta. Devido a maior facilidade de obtenção dos dados e também pelo fato desta pesquisa ter sido realizada por uma recém-licenciada em Química, o público foi delimitado a pessoas da mesma área. Devido às dificuldades de inserção no mercado de trabalho, a pesquisa abrangeu desde as pessoas que concluíram a licenciatura, mas não estão exercendo a docência, tendo como intuito analisar suas perspectivas acerca da docência e avaliar suas opiniões sobre a qualidade da formação, como aqueles que estão, no máximo, em seu terceiro ano de experiência, a fim de investigar da forma mais completa possível, todos os sentimentos incluídos neste processo. Após a análise dos principais pontos necessários para obter as respostas suficientes à concretização da pesquisa foram elaborados dois questionários, contendo perguntas objetivas e subjetivas. Devido a distinção entre o público atuante na docência e o não atuante, as questões foram específicas para a realidade de cada um.
Resultado e discussão
Os licenciados que fizeram parte da pesquisa foram nomeados com letras de A a N,
apenas para facilitar a identificação. Dentre eles, sete são do sexo masculino e
sete do sexo feminino, de idades entre 21 e 30 anos. Como mostrado no Gráfico 1,
apenas um está fora da faixa de 21 a 24 anos.
A primeira questão foi a respeito da situação do participante, isto é, se ele
atua ou não como docente, com a pretensão de dividi-los em dois grupos e realizar
uma análise independente, tendo em vista a distinção das realidades. Dentre os
questionados, apenas 43% já são professores, sendo os 57% restantes ainda
inexperientes.
O ponto crucial para iniciar um questionamento a este público é a intenção acerca
do ingresso na carreira. Como mostra o Gráfico 2, 25% dos licenciados afirmaram
que não pretendem ser professores. Um deles justifica que tinha interesse apenas
na formação superior, cada vez mais exigida no mercado de trabalho. O seguinte
relata que durante o estágio, após se deparar com a realidade escolar, percebeu
que não era a profissão que desejava seguir. Neste último caso, o choque com a
realidade, amplamente discutido na literatura (VEENMAN, 1988; FLORES, 1999;
GUTERRES, 2011), foi o que acarretou a desistência do participante, ocorrendo
ainda durante a formação.
Dentre as pessoas que desejam seguir a carreira docente, todas afirmaram que a
razão para a não concretização deste objetivo foi a dificuldade em encontrar
emprego, sendo que alguns declararam não estarem lecionando devido algumas
exigências pessoais, como por exemplo, atuar no ensino público.
Como o restante do questionário independe do fato de os participantes almejarem
ser professores ou não, os resultados de todas as demais perguntas incluem todos
os licenciados que não possuem experiência na profissão.
Embora o contexto da sala de aula seja único para cada turma e completamente
incerto, buscou-se avaliar a percepção de cada um enquanto aluno acerca do quanto
sua formação inicial o preparou em termos de conhecimento, tendo em vista o
pequeno contato que ele já obteve em seu período de estágio. Cerca de 63%
acreditam estar preparados para lecionar os conteúdos previstos na grade
curricular, conforme os relatos.
Em contrapartida, 37% dos licenciados não se sentem aptos a ministrar os
conteúdos requeridos na disciplina de Química com firmeza:
Dentre os principais pontos positivos, foram citados a qualificação dos
professores da universidade e a existência de disciplinas pedagógicas, que
permitiram a ampliação da visão sobre a sala de aula e seus elementos e
problemas. A insuficiência de aulas práticas foi o fator negativo mais
mencionado, tendo em conta sua importância na compreensão dos conceitos
estudados.
Porém, para muitos graduandos, é um momento que não acontece da forma esperada e
adequada. Cerca de 50% consideram que o estágio cumprido foi suficiente para
exercer a profissão.
Abordar os conteúdos de Química de forma descontextualizada é um dos principais
problemas de seu ensino, inclusive na formação de professores nessa área. Assim,
a experimentação torna-se uma grande aliada tratando-se da compreensão dessa
ciência quando utilizada de forma adequada. Acerca do preparo para a ministração
de aulas práticas, 75% dos licenciados acreditam estar aptos, como pode ser
observado no Gráfico 3, mas não por intermédio de disciplinas obrigatórias do
curso, mas em decorrência de fatores como a participação em grupos de pesquisa ou
no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Os 25%
restantes, não consideram que suas experiências foram suficientes para abordar a
parte prática da disciplina.
Como expressam Gonçalves e Marques (2011), não é esta situação que impede a
existência de aulas práticas, mas a forma como os professores a interpretam, por
isso, este é um obstáculo que precisa ser superado, visto que interfere
diretamente na atuação dos professores que estão sendo formados.
O último questionamento feito a este público foi acerca de suas maiores
preocupações com a profissão. As respostas obtidas, encontradas no Gráfico 4,
demonstram que o principal receio, citado por 37,5% dos participantes, é com
relação ao rendimento dos alunos, seguido pelo desinteresse, indisciplina na sala
de aula e desvalorização da profissão, mencionado por 25%. Cerca de 12% citaram a
falta de materiais, a relação com os alunos, a carga horária e a contextualização
dos conteúdos. Alguns destes tópicos também foram referidos nos trabalhos de
Veenman (1984) e Imbernon (1994) por professores em início de carreira.
Nos resultados já discutidos, pode-se observar que a principal razão para os
licenciados não estarem em sala de aula é a dificuldade em encontrar emprego, o
que pode ser confirmado através dos resultados obtidos no Gráfico 5, que mostram
que 50% dos professores não atuam em sua área de formação por não terem
encontrado vaga. Assim, nas questões seguintes os resultados serão tratados de
acordo com a área de atuação, sendo os professores de Química identificados como
Q1, Q2 e Q3 e os que lecionam Física como F1, F2 e F3, a fim de preservar a
identidade dos participantes.
Como citado anteriormente, fariam parte da pesquisa professores que possuíssem
até três anos de experiência, porém o tempo máximo obtido foi de até dois anos,
por dois professores, sendo um de Química e o outro de Física. Todos os demais
possuem até um ano na docência, como pode ser observado na Tabela 2.
Neste tópico buscou-se compreender os interesses e motivações dos participantes
ao decidirem ingressar na docência. Cerca de 67% declararam que inicialmente não
pretendiam seguir a profissão e que a escolha do curso foi feita por falta de
opção. Isso pode ser explicado pelo fato de que a instituição pela qual os
docentes concluíram a licenciatura está situada em uma cidade pequena, com opções
limitadas de cursos superiores. Embora este percentual não almejasse ser
professor, a necessidade de possuir formação superior fez com que estes
adentrassem no curso, mas a continuidade se deu por afinidade, conforme todos os
questionados.
O percentual restante de 33% afirmou que desde a educação básica existia a
pretensão de ser professor e cursar a licenciatura somente evidenciou esta
aptidão, como pode ser observado nos relatos a seguir:
F1: “Primeiro foi a vontade que sempre tive em ensinar, e segundo foi saber que
se trata de algo que todos os dias será diferente e que pode transformar
pessoas.”
Ponderando suas experiências ao longo deste período, 67% consideram que as de
sucesso se sobressaíram e 33% não conseguiram definir, por acreditar que a
jornada ainda foi curta para tirar conclusões e também pelo fato de cada turma
proporcionar vivências e desafios novos que não podem ser comparados.
Como pode ser observado na Tabela 3, dentre todos os problemas enfrentados, o
único comum ao percentual total dos participantes é conseguir concluir todo o
conteúdo programado. A segunda dificuldade mais apontada, relatado por
aproximadamente 83% dos professores, é a aplicação da teoria estudada durante a
formação inicial. A adaptação dos conteúdos ao nível de conhecimento dos alunos,
o diagnóstico dos diferentes problemas de aprendizagem dos alunos, a ministração
de aula em turmas muito numerosas, a motivação dos alunos, o alcance dos
objetivos planejados e a comunicação com os pais foram considerados difíceis para
aproximadamente 67% dos docentes. A carga horária exaustiva de trabalho, a
disciplina dos alunos em sala de aula e a resolução de situações de indisciplina
e conflito entre alunos trouxeram complicação para 50% dos professores.
A única atividade que nenhum dos professores teve como obstáculo foi a seleção de
materiais para a aula, seguido da adaptação ao ambiente profissional, em que
83,4% afirmaram não ter tido problema. As demais funções tiveram opiniões
bastante divididas
Conclusões
Uma parcela significativa dos licenciados que não estão atuando não se sentem preparados para lecionar com base na formação que receberam. As principais razões para essa inabilidade são a escassez da prática pedagógica, considerada fundamental na construção de um profissional docente, sendo o estágio supervisionado tido por muitos como insuficiente e carente de mudanças, além da carência de aulas práticas no decorrer da formação. Os principais receios relacionados a profissão para os não atuantes são, em ordem crescente, a falta de materiais, a relação com os alunos, a carga horária, a contextualização, a desvalorização da profissão, o desinteresse, indisciplina e rendimento dos alunos. Este último causa ainda mais inquietação entre os professores, sendo citado pela totalidade deles. Assim, pode-se concluir que o ingresso na profissão acarreta o aumento da preocupação com esta questão. Acerca da formação inicial, 67% dos professores afirmaram que não foi suficiente para sua atuação, deixando muito a desejar especialmente no que diz respeito a componente pedagógica. Os demais admitiram estar preparados em virtude de sua participação no PIBID. Os professores declararam que os principais sentimentos no início da carreira foram o de nervosismo e o de choque, por perceber que sua formação não os preparou para a realidade escolar que eles estavam enfrentando. No decorrer do primeiro ano de experiência, todos sentiram dificuldade em concluir o conteúdo planejado para o período e 83% em aplicar o conteúdo aprendido na formação à realidade. Assim, pode-se concluir que a atual grade curricular de cursos de licenciatura necessita passar por mudanças, pois embora não se possa ensinar tudo a um professor durante sua formação e nem prever toda sua jornada, existe uma enorme discrepância entre o teórico abordado durante o curso e a realidade da sala de aula, além da nítida necessidade de acentuação da prática pedagógica, a fim de preparar um professor qualificado para exercer
Agradecimentos
UVA E IDETE
Referências
TARDIF, M. Saberes docentes e formação de professores. São Paulo: Vozes, 2002.
GOMES, S. I. M. B. Os conteúdos de ensino na formação inicial de professores: o caso da língua portuguesa. Dissertação de mestrado. Lisboa: 2009.
CANÁRIO, R. Mudar as escolas: o papel da formação e da pesquisa. Inovação, v. 4, n. 1, p. 77-92, 1991.
TISHER, R. P.; WIDEEN, M. F. Research in Teacher Education: International Perspectives. The Falmer Press, Taylor & Francis, Inc., 1900 Frost Road, Suite 101, Bristol, PA 19007, 1990.
LORTIE, D. Schoolteacher: A sociological analysis. Chicago: University of, 1975.
RYAN, D. W. Developing a New Model of Teacher Effectiveness. Lessons Learned from the IEA Classroom Environment Study. Research Brief. Publications Sales, Ontario Institute for Studies in Education, 252 Bloor Street West, Toronto, Ontario M5S 1V6; Publications Services, 880 Bay Street, 5th Floor, Toronto, Ontario M7A 1N8, 1986.
VEENMAN, S. Perceived Problems of beginning teachers. In: Review of Educactional Research Summer, 54(2), pp.143-178, 1984.
IMBERNÓN, F. La formación y el desarrollo profesional del profesorado: hacia una nueva cultura profesional. v. 119. Graó, 1994.
GARCIA, M. C. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999.
SILVA, J. V. P. Prática pedagógica em educação física nos anos iniciais do ensino fundamental. Pensar a Prática, v. 16, n. 1, 2013.
GONÇALVES, F. P.; MARQUES, C. A. A problematização das atividades experimentais na educação superior em química: uma pesquisa com produções textuais docentes. Química Nova, v. 34, n. 5, p. 899-904, 2011.
PONTE, J. P. O início da carreira profissional de professores de Matemática e Ciências. Revista de Educação, p. 31-46, 2001
PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Os (des) caminhos das políticas de formação de professores – o caso dos estágios supervisionados e o programa de iniciação à docência: duas faces da mesma moeda?. 38ª Reunião Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Democracia em risco: A pesquisa e a pós-graduação em contexto de resistência. São Luís/MA, 2017.