Afetividade como elemento facilitador da aprendizagem na graduação de alunos com necessidades específicas: relato de uma experiência
ISBN 978-85-85905-25-5
Área
Ensino de Química
Autores
Mendonça, M.L.T.G. (IFRJ) ; Cruz, R.P. (UFRRJ) ; Manhães, M.M. (IFRJ) ; Santos, A.M.V. (IFRJ)
Resumo
Este trabalho tem o objetivo de relatar uma experiência de sucesso, em que a afetividade foi utilizada como elemento facilitador da aprendizagem de dois alunos, um surdo com implante coclear e outra com espectro autista, na disciplina de Química Geral II, nos cursos, respectivamente, de graduação em Tecnologia de Gestão de Processos Químicos e em Biologia, no IFRJ. A metodologia empregada foi a inserção desses alunos nas aulas regulares, e, também em aulas individuais. Por meio da promoção de muitas conversas, foi sendo construída, paulatinamente, a afetividade. Foram realizadas quatro avaliações, em que os alunos reavaliavam as suas deficiências e as suas aprendizagens. Os mesmos conseguiram alcançar a média para serem aprovados na referida disciplina.
Palavras chaves
afetividade; alunos com necessidades e; graduação
Introdução
O processo ensino-aprendizagem não deve ser investigado de maneira fragmentado, visto que forma uma unicidade, em que a ligação interpessoal é um elemento decisivo, e a afetividade constitui um componente significativo para maior eficiência da aprendizagem (MAHONEY; ALMEIDA, 2005). Segundo Luria (1979), existe a necessidade de modificações nas práticas pedagógicas, com destaque para a relação sujeito-objeto, entrelaçando-se cognitivo-afeto, ou seja, a relação do aluno com os conteúdos ocorre não só no plano do conhecimento mas também do afeto. Wallon (1968; 1989) faz distinção entre afetividade e emoção, sendo esta, predominante no bebê, que conecta seus atos com o exterior (chora/colo), já a afetividade é mais complexa, aparecendo com a evolução da criança, transformando a emoção em sentimentos. Segundo o mesmo autor, trata-se de um processo de “complexação” das emoções, a partir dos elementos simbólicos presentes na cultura, que para o desenvolvimento de uma pessoa, a emoção e a afetividade são fundamentais. Vygotsky (1998) ressalta a importância das interações sociais para o desenvolvimento do indivíduo, a partir da inserção na cultura, estabelecendo que a aprendizagem ocorre por meio da mediação, sendo construído a partir de um processo de interação entre as pessoas. O objetivo do presente trabalho é o de relatar uma experiência de sucesso, em que a afetividade permeou toda a aprendizagem de alunos com necessidades específicas, na graduação. Este trabalho é de extrema relevância, visto que, a inserção desses alunos no contexto universitário é muito pouco divulgada e também, de fato, insuficiente. Existe a necessidade de os professores encararem alunos com necessidades específicas como indivíduos com capacidades diferenciadas, que demandam atenção singularizada.
Material e métodos
Os alunos com necessidades específicas, um surdo com implante coclear e outra com espectro autista, pertenciam aos cursos de graduação de Tecnologia de Gestão de Processos Químicos e de Biologia, respectivamente, matriculados, na disciplina de Química Geral II, no IFRJ, campus Rio de Janeiro. Assistiram às aulas na turma regular, que continha 38 alunos inscritos. Foram utilizadas aulas expositivas, vídeos com conteúdos ligados à teoria, experimentos relacionados às aulas teóricas e resolução de listas de exercícios. Para os alunos com necessidades específicas foram ministradas, também, aulas individuais, que eram dadas numa sala pequena, onde as carteiras eram colocadas uma do lado da outra para que esses alunos pudessem ficar juntos, promovendo, assim, uma maior aproximação. A professora se colocava sempre de frente para os dois, utilizando o caderno de ambos para fazer as explicações. Tal postura manifestava a preocupação de que o aluno surdo com implante coclear pudesse ficar sempre olhando para a boca da professora, a fim de poder compreender as palavras, pois, mesmo sendo implantado, é necessário; também com o cuidado para que a aluna com espectro autista pudesse ter uma atenção direta. Depois do término dessas aulas individuais, ocorriam conversas livres, em que cada um falava sobre as suas dificuldades na disciplina, na graduação, na instituição e na vida de cada um. Nessas conversas e nas aulas a professora sempre utilizava aconselhamento e palavras de elogio, tentando mostrar o lado positivo de cada situação e ressaltando o que cada um tinha de melhor. Foram realizadas quatro avaliações, que eram praticamente iguais às dos alunos regulares, com a diferença de conter enunciados mais curtos, para facilitar a compreensão do objetivo da questão.
Resultado e discussão
A inserção desses alunos com necessidades específicas numa turma regular (38
inscritos), sem que nada fosse feito para que eles acompanhassem os
conteúdos, seria um “suicídio pedagógico” e o fracasso seria inevitável. Foi
pensado, então, além das aulas regulares, aulas individuais com os dois
juntos, embora as dificuldades fossem bastante diferentes. O intuito era que
um auxiliasse o outro, proporcionando uma troca entre eles. Para isso, a
docente sempre pedia que um deles auxiliasse, o que proporcionou a
aproximação de ambos. As carteiras foram colocadas uma do lado da outra ,
também com este propósito, e a professora ficava sempre de frente para eles,
criando, assim, uma aproximação, além de física, emocional, com elogios a
cada acerto e pedindo atenção, principalmente, para a aluna com espectro
autista. Ao término dessas aulas individuais, ocorriam conversas sobre
qualquer assunto que estivesse afligindo cada um, o que promoveu uma
aproximação entre a professora e os alunos, que se sentiram acolhidos. Por
meio dessa afetividade, que foi sendo construída lentamente, eles se
sentiram “ouvidos”. O resultado do trabalho foi positivo, já que os dois
alunos conseguiram a aprovação na disciplina. O aluno surdo teve necessidade
de fazer a verificação suplementar (prova final); a aluna com o espectro
autista não precisou, provavelmente porque ela, com o passar das aulas, foi
tendo um comprometimento muito maior com o seu aprendizado. Ao término do
curso, os alunos tiveram as seguintes falações: “Professora, eu queria que a
senhora desse aula pra mim de todas as disciplinas” (aluna com espectro
autista) e “Eu queria repetir essa matéria só pra ter aula de novo com a
senhora” (aluno surdo), demonstrando a afetividade que foi construída.
Conclusões
Conclui-se que os alunos com necessidades específicas se sentiram acolhidos, por meio da afetividade pouco a pouco construída, o que lhes facilitou a aprendizagem, acarretando, além do conhecimento adquirido, um aumento na autoestima e um sentimento de pertencimento à turma, ao curso e à instituição. Recomenda-se um mediador para o aluno com necessidades específicas, que este oriente nas escolhas das disciplinas, em cada semestre e nos estudos, que interceda diante dos professores e, por fim, que auxilie nas dificuldades encontradas por cada um.
Agradecimentos
Referências
LURIA, A. B. A atividade consciente do homem e suas raízes histórico-sociais In: A. B. Luria (Org.), Curso de psicologia geral VI, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. p.71-84, 1979.
MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon, Psicologia da Educação, São Paulo, 20, 10 sem. p. 11-30, 2005.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
WALLON, H. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70, 1968.
WALLON, H. Origens do pensamento na criança. S. Paulo: Manole, 1989.