ÓLEO RESIDUAL: PRODUÇÃO DE DETERGENTE COMO METODOLOGIA DE ENSINO VISANDO DIMINUIR IMPACTOS AMBIENTAIS
ISBN 978-85-85905-25-5
Área
Ensino de Química
Autores
Conceição, G.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Corrêa, S.M.V. (INSTITUTO FEDERAL DO PARÁ) ; Nascimento, F.C.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Guimarães, K.C.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Oliveira, R.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Brasil, D.S.B. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Filho, E.B. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ)
Resumo
A realização de aulas experimentais utilizando óleo residual para produzir sabão, poderá promover uma melhor aprendizagem por meio de procedimentos metodológicos para caracterização de óleos. O objetivo deste trabalho foi produzir um sabão, através de processos com conhecimentos interdisciplinares. Para a realização do trabalho foram coletadas três amostras de óleo de cozinha residual, o qual foram submetidas a testes de Índice de Acidez e Saponificação. Os resultados apontaram um bom pH, além de aparência e odor agradável. Este trabalho foi realizado como atividade experimental onde os alunos de química aprenderam a realizar análises importantes para a caracterização de óleos e gorduras, bem como, ensina-los sobre a importância de reciclar resíduos que seriam descartados no meio ambiente.
Palavras chaves
Educação; Resíduos Sólidos; Sabão
Introdução
No mundo atual, as ações humanas indiscriminadas sobre o meio ambiente têm produzido grandes problemas para uma saudável relação entre os seres vivos em nosso planeta, poluindo o ar, solo, água, resultando em um momento bastante conturbado e inseguro. Tais ações contribuem para um acúmulo de resíduos sólidos sem precedentes na história humana, proporcionando desconfortos e afetando tanto animais, como vegetais. Os resíduos sólidos (insumos de valor econômico agregado) gerados pela população das cidades, criam problemas com relação à carência da sua coleta e disposição final em lugares que não criem poluição, causando preocupações em autoridades responsáveis em sanar impactos ambientais. Nesse sentido, políticas públicas mais intensificadas poderiam contribuir para a solução de tais problemas, assim como a conscientização de respeito ao meio ambiente. O óleo de cozinha utilizado em frituras é considerado um resíduo sólido e na maioria das vezes descartado nas valetas das ruas, causando impactos ambientais que também podem causar danos à saúde humana. Na rede de esgotos, esses resíduos se acumulam até entupir os canos de tubulação, que muitas vezes só serão desentupidos com o emprego de produtos químicos, promovendo ainda mais a contaminação (ALBERICI; PONTES, 2004). Ao ser usado em frituras, o óleo vegetal passa por transformações, como a oxidação de seus componentes químicos e de outras substâncias provenientes dos alimentos fritos. A produção dos resíduos sólidos resultantes de atividades da população tem criado preocupações nas autoridades responsáveis em sanar impactos ambientais e, com relação ao descarte do resíduo do óleo de fritura ainda não há uma legislação efetiva no país, porém, na área do ensino, principalmente de química, pesquisadores têm mostrado interesse em pesquisar e diminuir os danos causados por esses resíduos. (SCHIMANKO; BAPTISTA, 2009); (JORGE et al., 2005). De acordo com Monteiro et al. (2001), a coleta seletiva e a reciclagem são etapas estratégicas empregadas na gestão integrada de resíduos, contribuindo para uma educação ambiental promovida por meio da redução do consumo e do desperdício e ainda proporcionando trabalho e renda aos envolvidos. Desse modo, os resíduos de óleo de cozinha podem ser acondicionados para que sejam empregados como matéria prima na fabricação de sabão e demais produtos destinados para a limpeza doméstica. O tratamento e a reciclagem de resíduos sólidos permitem a sua aplicação no ambiente das escolas, para o ensino e a aprendizagem, quando se contextualiza a educação ambiental, envolvendo conceitos, conhecimentos e atitudes que permeiam as atividades educativas na sala de aula. Neste sentido, o conhecimento fornecido através do diálogo entre diversos olhares, como: biológicos, ecológicos, sociológicos, econômicos, entre outros, aponta para uma pedagogia crítica, buscando respostas para problemas ambientais (LUZZI, 2012). Desse modo, a realização de aulas experimentais, principalmente no Ensino Médio, utilizando óleo de frituras para produzir sabão artesanal em laboratório de Química poderá promover uma melhor aprendizagem, por meio de procedimentos metodológicos para testes de caracterização de óleos que envolvem conhecimentos diversos, na direção de tornar o ensino mais dinâmico e efetivo, pois tem-se verificado que aulas teóricas tradicionais se baseiam apenas na memorização do conteúdo (CHASSOT, 2004). Assim, mesmo em ambientes ou escolas desprovidas de um laboratório químico, o professor poderá adequar um espaço para a produção de sabão artesanal, com a finalidade de tornar mais interessante o ensino de química, além de contribuir com a higiene da escola e a diminuição de resíduos de óleos resultantes de frituras. O objetivo do presente trabalho foi produzir um produto para ser aplicado na higienização de ambientes domésticos, pois, segundo Rittner (1995, p.1) “O sabão foi seguramente, o primeiro detergente utilizado pelo homem [...]; ele já é mencionado pelo historiador Plínio no ano 70 A.D, sendo indicada a obtenção a partir de gorduras ou carnes gordurosas, cinzas e cal [...]”. Para essa produção foi utilizado óleo de cozinha residual, o qual oportuniza analisar e identificar as características físico-químicas e suas transformações ecológicas, pelo processo da reciclagem, utilizando-se métodos que envolvem conhecimentos interdisciplinares para a sensibilização e tomadas de decisões na busca por soluções que envolvam os problemas ambientais, como retirar do meio ambiente resíduos sólidos, na intenção de minimizar os impactos ambientais causados pelo descarte incorreto desses resíduos. A sistematização do trabalho resultou da realização de produção do sabão a partir do uso de óleos de cozinha residual, sendo determinados os índices de acidez e de saponificação do mesmo, com a finalidade de discutir algumas das caracterizações de óleos vegetais, e a importância dessas análises para que o sabão produzido esteja dentro de padrões determinados.
Material e métodos
Para a realização do trabalho coletou-se três amostras de óleo de cozinha residual, denominadas Amostra 1, 2 e 3, que foram coletadas em uma feira ao ar livre na cidade de Belém do Pará. As amostras foram submetidas a testes de Índice de Acidez e de Saponificação, realizados no Laboratório de Engenharia Química da Universidade Federal do Pará-LEQ/UFPA. O índice de acidez é usado para atestar a qualidade dos óleos e gorduras que serão empregados para os seus devidos fins (AOCS, 2008), é usado na avaliação do estado de conservação do óleo através da decomposição de substâncias, bem como rancidez derivada da formação de ácidos graxos livres. O índice de saponificação é um número expresso em miligramas de hidróxido de potássio (KOH) reagidos com 1 grama de óleo, é usado para verificar a capacidade de um óleo ou gordura saponificar- se(AOCS, 2016). A análise do Índice de Acidez foi realizada em triplicata e o mesmo procedimento foi adotado em uma amostra do branco (sem o óleo) sob as mesmas condições. O volume gasto da solução de hidróxido de sódio (NaOH), nas titulações, equivalente para neutralizar a amostra, foi utilizado por meio da equação abaixo, para determinar o índice de acidez. Resultado do Índice de acidez: Amostra 1: - 5,4771±0,01399 Amostra 2: - 1,9914±0,0510 Amostra 3: - 4,6072±0,0114 O Índice de Saponificação determinou a quantidade de hidróxido de potássio em mg necessária para saponificar 1 g de ácido graxo. Para cada amostra, pesou- se 2,5 g em um balão de fundo chato e adicionou-se 25mL de solução alcoólica 0,5M de KOH. Em seguida foram dispostas em refluxo por 1 hora. Adicionou-se 3 gotas de fenolftaleína e titulou-se com solução de ácido clorídrico (HCl) 0,5N. Resultado do Índice de saponificação: Amostra 1: 222,1826 Amostra 2: 220,8522 Amostra 3: 223,952 Após a determinação do Índice de Saponificação de cada amostra de óleo residual, foram realizados cálculos com esses índices, para determinar a quantidade de NaOH utilizado no processo de saponificação. Após os cálculos foram realizados os procedimentos para a produção do sabão ecológico, utilizando óleo residual, hidróxido de sódio, água e essência. A massa de hidróxido de sódio necessário para a reação de saponificação foi pesada conforme o índice de saponificação encontrado para cada óleo residual. Mediu-se ainda a quantidade de água e a quantidade de óleo residual que seria usado na preparação da massa do detergente. Em um béquer de plástico foi acrescentado a água, e aos poucos o hidróxido de sódio. Após o preparo da lixivia alcalina foi acrescentado o óleo residual, a mistura obtida foi agitada por cerca de 20 minutos. Após esse tempo foi acrescentada a essência de eucalipto, agitando-se a massa por mais dois minutos, e em seguida despejar a massa em formas de silicone. Esses procedimentos foram realizados para as três amostras de óleo residual, resultando na produção de 3 tipos de detergentes. Foi verificado o valor de pH de cada sabão utilizando um pHmetro de bancada.
Resultado e discussão
O regulamento técnico para óleos vegetais da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária-ANVISA, (BRASIL, 2005), tem como requisito específico determinar
que
a acidez dos óleos, colocados à venda no mercado consumidor, tenha o máximo
de
0,6mg KOH/g. Os resultados apontaram que os índices de acidez das 3 amostras
de óleo de cozinha residual estão fora do padrão determinado pela Agência
para
à venda.
Apesar de não se ter ainda uma legislação quanto aos padrões para se
determinar o tempo certo para o descarte desse resíduo, e assim não
comprometer a saúde humana devido o seu uso prolongado nos processos de
fabricação de alimentos, principalmente no que diz respeito ao processo por
imersão, os resultados obtidos apontam um óleo de cozinha com característica
degradadas, causados pelos ácidos graxos livres, e indicado pelo índice de
acidez, o que determina que esse produto não pode mais ser utilizado para o
preparo de alimentos. Porém, esse óleo de cozinha residual, pode servir para
ser utilizado como matéria prima na produção de detergentes.
Os resultados obtidos para os índices de saponificação serviram para
determinar a quantidade necessária de hidróxido de potássio para saponificar
1
g do óleo de cozinha residual. O uso do hidróxido de potássio iria resultar
em
um sabão maleável, o que seria necessário colocar, por exemplo, uma gordura
animal para se obter um detergente de maior dureza. Estudos realizados por
Rittner (1995, p. 4) “demonstram que sabões de potássio são mais solúveis em
águas do que os sabões sódicos, apresentando menor detergência”.
Dessa maneira, os resultados obtidos para o índice de saponificação foram
transformados através de outros cálculos para poder se definir a quantidade
de
hidróxido de sódio no processo. De outra maneira, o hidróxido de sódio tem o
valor mais em conta no mercado do que o hidróxido de potássio. Outras
análises
podem ser realizadas, como por exemplo, o índice de peróxido. No entanto,
para
esse trabalho as duas análises foram suficientes, principalmente no que diz
respeito, a obter a quantidade necessária de reagente para o processo de
saponificação, na intenção de se obter um produto de qualidade e assim se
ter
o aprendizado em métodos de controle na qualidade do sabão produzido.
A produção do detergente ecológico não só proporciona o ensino para o
preparo
do produto, para ser usado como material de limpeza, mas oportuniza a
expansão
do conhecimento mais aprofundado sobre a função do sabão, que não é somente
detergente, mas que há todo um processo para a sua produção, como por
exemplo,
para cada tipo de lavagem há um tipo de sabão, o qual é definido conforme
sua
finalidade. Os sabões são utilizados em várias atividades diárias, desde a
lavagem comum, como por exemplo, para lavar louças, até aos destinados para
as
indústrias de couro, indústria têxtil, indústria de alimentos, ou seja, para
cada finalidade, há um tipo de sabão (RITTNER, 1995).
Assim, os detergentes produzidos obtiveram um pH próximo ao permitido pela
ANVISA, porém, com o tempo de maturação desse sabão, que varia de 20 a 30
dias, esse pH tende a diminuir. Em relação ao pH, pode-se ainda realizar
essa
análise com indicadores naturais de pH, feitos a partir de produtos que
contenham antocianinas, como por exemplo, o açaí, de fácil acesso na região
amazônica, o que contribuiria com aqueles laboratórios que ainda não possuem
um pHmetro de bancada ou papel de pH disponível.
Os detergentes produzidos apresentaram boa aparência, uniforme, de odor
agradável devido ter sido acrescentado na massa do sabão a essência de
eucalipto, pois, o sabão produzido a partir do resíduo do óleo de cozinha,
costuma apresentar um cheiro ainda característico da matéria prima utilizada
para a sua produção. Isso pode ocorrer devido ao grau de degradação desse
resíduo, porém, já existem processos para tratar esse tipo de resíduo a fim
de
torná-lo uma matéria prima com maior qualidade. Além do que, esse sabão
ecológico poderá no futuro vir a atender ao público vegano que não utiliza
nada que seja proveniente de animais, haja vista ser utilizado somente
matéria
prima vegetal e os reagentes inorgânicos para a sua produção, o que os
difere
da maioria dos sabões oferecidos no mercado consumidor.
A Figura 1, apresenta os detergentes produzidos a partir do óleo de cozinha
residual, que no seu processo de fabricação em laboratório de forma
artesanal,
não foi realizada a recuperação da glicerina. Obtendo-se dessa maneira um
produto com qualidade emoliente.
Figura 1
fonte: os autores (2019)
Trabalhar a Química juntamente com a Educação Ambiental a qual contribui
para
fortalecer um melhor entendimento e sensibilização para a importância de não
se descartar de forma incorreta esse resíduo no meio ambiente, que irá
causar
impactos, ao solo, as águas e ao ar. Demonstrar a importância do uso de
detergentes produzidos com matéria prima reciclável, e os impactos causados
aos recursos hídricos pelo uso dos detergentes sintéticos, que nos últimos
anos, teve um aumento significativo sobre o uso dos sabões que são produtos
biodegradáveis.
Sabões produzidos utilizando óleo residual
Conclusões
O presente trabalho pode ser realizado como uma atividade experimental no espaço escolar, tanto no Ensino Médio quanto em cursos de graduação que envolvem conhecimentos químicos, para que os alunos tenham a oportunidade de entender e aprender a realizar análises importantes para a caracterização de óleos e gorduras e poder vivenciar a transformação do óleo de cozinha residual em sabão ecológico, além de ampliar seus conhecimentos sobre a reciclagem de determinados resíduos sólidos, ora tidos como lixo, levando em consideração todo o cuidado que se deve ter ao manusear reagentes químicos. Bem como, sensibiliza-los sobre a importância de se buscar novas ações que venham a contribuir e minimizar os possíveis impactos ambientais causados pelo descarte incorreto dos resíduos sólidos no meio ambiente. Apontamos que a produção do sabão ecológico de forma artesanal em laboratório é uma maneira de contribuir com o aprendizado do aluno, tanto no que diz respeito ao ensino de Química, quanto às questões ambientais, pois oportuniza trabalhar o ensino de Química e a Educação Ambiental.
Agradecimentos
À Universidade Federal do Pará, ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, e aos feirantes da Feira do Ver - o – Peso, que doaram o óleo de cozinha residual.
Referências
AOCS. Your global fats and oils connection. Disponível em: https://www.aocs.org/. Acesso em: 11 mar. 2019.
ALBERICI, R. M.; PONTES, F. F. F. de. Reciclagem de óleo comestível usado através da fabricação de sabão. 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução – RDC nº 270, de 22 de setembro de 2005.
CHASSOT, A. Para que (m) é útil o ensino? Canas, RS, Ulbra, 2004.
JORGE, N. et al. Alterações físico-químicas dos óleos de girassol, milho e soja em frituras. 2005.
LUZZI, D. Educação e meio ambiente. Barueri, SP. 2012
MONTEIRO, J.H.P. et al. Manual gerenciamento integrado de resíduos sólidos. Rio de Janeiro: IBAM, 2001. Disponível em: http://www.resol.com.br/cartilha4/manual.pdf. Acesso em: 18 mar. 2019.
RITTNER, H. Sabão: tecnologia e utilização. São Paulo, 1995.
SCHIMANKO, I.; BAPTISTA, J. A. Reciclagem de óleo comestível na produção de sabão: uma proposta ecológica para o ensino médio. Itumbiara – GO, 2009. XVI Encontro Centro-Oeste de Debates sobre Ensino de Química-. Disponível em: http://www.sbq.org.br/eneq/xv/resumos/R0937-1.pdf. Acesso em: 18 mar. 2019.