A PESCA COM O USO DO TIMBÓ EM UM CONTEXTO QUÍMICO ESCOLAR DA ETNIA ALANTESU, NO VALE DO GUAPORÉ, MATO GROSSO

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Ensino de Química

Autores

Felisberta dos Santos, A. (IFMT) ; Soares de Andrade, I. (IFMT) ; Pego Panizi, T. (IFMT) ; Almeida, R.A. (SEDUC-MT) ; Valentini, C.M.A. (IFMT) ; Almeida, E.D. (IFMT)

Resumo

O trabalho foi realizado próximo à cidade de Comodoro - MT, na etnia Alantesu, Vale do Guaporé. O objetivo foi descrever o uso do timbó na pesca realizada com os alunos da comunidade, e como essa prática é discutida em sala de aula, nas aulas de química. O procedimento metodológico baseou-se em um estudo exploratório e os agentes observadores da prática foram também os propositores de um diálogo no contexto social, tendo como mediador o professor da comunidade. Os alunos tem uma relação muito perspicaz com a prática do uso do timbó na captura de peixes, dão valor a esse etnoconhecimento, e demonstraram estar a par do efeito do veneno e das responsabilidades ambientais a ele relacionadas. Concluiu-se que o aprendizado indígena na área de química está inserido em seu contexto diário.

Palavras chaves

Rotenona; Pesca com Timbó; Substâncias Ictiotóxicas

Introdução

A pesca artesanal é uma atividade desenvolvida pelos indígenas como herança cultural e a carne do pescado é uma das proteínas mais utilizadas em sua alimentação cotidiana. Ocorre em rios e córregos próximos às aldeias e cada comunidade tem suas técnicas de captura e seus apetrechos para esse fim. Uma técnica até um pouco controversa, usada por muitas etnias, é com o uso de diversas plantas arbustivas (cipós), das famílias Sapindaceae e Leguminosae, conhecidas como timbó, com propriedade ictiotóxica, ou seja, que causa a imobilização ou morte peixes, facilitando sua captura (TXICÃO; LEÃO, 2019). Analisando o processo de ensino-aprendizagem, é necessário observar como o professor leva para as salas de aulas das aldeias indígenas as questões práticas do cotidiano da comunidade. A pesca com o uso do timbó abre um leque interdisciplinar que pode contar com a colaboração dos alunos, protagonistas da ação, desde a coleta e observação do cipó no bioma, a forma de preparo para a pesca, as espécies de peixes do local, o ciclo de reprodução dos peixes, a composição química dos venenos presentes na espécie com ação ictiotóxica, conceitos de concentração e diluição, a ação dessas substâncias no organismo dos peixes, a permanência dessas substâncias no leito do rio e as possíveis consequências no estoque pesqueiro e no meio ambiente, mas sempre enfocando a importância de reforçar a etnocultura indígena. Como um estudo exploratório, e como agentes observadores e propositores de um diálogo desse contexto social, o objetivo desse trabalho foi descrever o uso do timbó na pesca realizada por estudantes de uma etnia do Vale do Guaporé, em Mato Grosso, e como essa prática é discutida em sala de aula, em um contexto químico.

Material e métodos

O trabalho foi desenvolvido na aldeia Alantesu, pertencente às Terras Indígenas do Vale do Guaporé, a 62 quilômetros do município de Comodoro-MT, cuja área está totalmente disposta na Bacia Amazônica, localizada na parte mais setentrional da faixa de fronteira mato-grossense com a Bolívia (SOUZA- HIGA et al., 2017), formada, entre outros, pelos rios Guaporé, Juína, Margarida, Novo, Iquê, Camararé, São Domingos, Cabixi, Pardo e XII de outubro. De acordo com Köppen o clima do local é do tipo Aw, caracterizado como Tropical Úmido e a região é caracterizada por ser uma zona de contato entre as formações florestais e savânicas (Cerrado), sendo uma zona de transição entre espécies vegetais que se intercalam em suas paisagens (SANTOS; GUARIM NETO, 2017). O processo de ensino-aprendizagem sobre a pesca com o uso do timbó ocorreu nas terras da etnia, em dois momentos: de maneira informal, ou seja, imbricada nas práticas cotidianas da comunidade que envolveram a coleta do timbó na mata, a preparação da armadilha de pesca e seu uso no córrego Água Funda, afluente do rio Margarida, e posteriormente pela discussão dessas práticas de uma maneira dialogada em sala de aula apoiando-se em conceitos científicos. Para essa prática e sua discussão foram realizadas duas visitas à comunidade indigena Alantesu e esses momentos de aprendizado foram mediados pelo professor da comunidade, que é pedagogo e trabalha no local com uma sala multisseriada de ensino médio.

Resultado e discussão

Os arbustos de timbó da mata local tem entre 15 e 20 metros de altura, troncos com casca grossa e áspera. Para o preparo da armadilha de timbó os alunos do ensino médio coletaram cipós que foram cortados em 20 pedaços de 60 cm de comprimento com aproximadamente 10 cm de diâmetro. Depois esses pedaços foram macerados para fazer feixes que foram amarrados com tiras de saco de náilon (Figura 1a). Segundo os alunos o timbó precisa ser colhido no período de seca, antes do inicio das chuvas, e assim que coletado deve ser utilizado para não secar. Posteriormente levaram os feixes para o córrego Água Funda, em um local onde as águas eram mais lênticas. Mergulharam os feixes na água, sendo observado sair desses um liquido marrom que foi se diluindo no córrego (Figura 1b). Após cerca de 10 minutos, verificou-se que os peixes flutuarem pela ação ictiotóxica das substâncias do timbó e nesse momento capturaram as espécies com as mãos. Os peixes capturados tinham tamanho entre 10 e 15 cm, como lambari, cará e joaninha e em pequena quantidade, visto ser apenas uma aula com caráter demonstrativo (Figura 2a). Depois dessa aula prática, os alunos foram conduzidos para a sala de aula e houve uma discussão sobre os fatos observados e que fazem parte do seu cotidiano. O professor começou o diálogo abordando que o timbó possui um veneno não podendo ser aplicado sempre, porém contrapondo que esse tipo de pesca faz parte da cultura indígena, sendo um meio de sobrevivência na aldeia, visto que essa prática de captura dos peixes foi transmitida para eles de geração em geração. Aludiu sobre o fato de ser uma prática que não tem amparo legal, porém os alunos defenderam o fato de que não fazem dessa técnica um crime ambiental, pois pela prática, testemunharam que o efeito das substancias extraídas do timbó, com efeito ictiotóxico, passa rápido, durando aproximadamente trinta minutos, e que acompanham o cessar do efeito pelo clareamento da água. Também alegaram que essa técnica é realizada em mutirão na comunidade, e que fazem a vistoria nas proximidades de onde ocorre a ação do timbó para que não ocorra de deixarem peixes boiando sem ser capturados sob a ação do veneno. Explicaram, também, que para uma “pesca de verdade”, fora do contexto de uma aula experimental, usam timbó de 15 á 20 cm de diâmetro e pescam em lugares que tem peixes maiores, em um rio maior e com água lótica. A partir desse momento, os observadores colocaram suas contribuições nesse diálogo, com um caráter menos pragmático, para complementar o etnoconhecimento dos alunos. Foi abordado sobre a substância presente no “caldo do timbó”, responsável pela entorpecência ou intoxicação dos peixes, a rotenona (Figura 2b). A explicação sobre a morte dos peixes ganhou um olhar químico na ótica da concentração e do tempo de contato da espécie com a substância, além de um olhar bioquímico pela ação da rotenona na inibição da respiração celular no peixe, ocorrendo na esfera da mitocôndria, pois bloqueia a absorção celular do oxigênio. O uso do timbó remonta aos primeiros habitantes do Brasil, e já era amplamente conhecido por várias etnias do norte e nordeste da América portuguesa e remonta aos primeiros habitantes do Brasil, assim como a pesca a mão livre também observada entre povos nativos da América do Norte e mesmo entre algumas etnias de ilhas do pacífico (KRONEN, 2002). Como relatado por Txicão e Leão (2019), que trabalharam o uso do timbó em outra etnia Ikpeng em Mato Grosso, esse estudo preliminar permitiu que se constatasse que as relações cotidianas desses alunos com a natureza, está muita além dos significados dos que não vivem nesse contexto, lições que suplantam os ensinamentos aprendidos nos livros, com as fórmulas e conceitos com anuência da comunidade cientifica.

Figura 1

a- Feixe de timbó preparado pelos alunos da etnia Alantesu. b- Feixe de timbó sendo colocado no córrego Água Funda. (Fonte: autores)

Figura 2

a-Peixes sob a ação das substâncias ictiotóxicas do timbó. (Fonte: autores). b- Estrutura química da rotenona.

Conclusões

O professor dessa comunidade usou dos conhecimentos práticos e cotidianos dos alunos na pesca com timbó para trabalhar a química na sua prática escolar. Os alunos tem conhecimento da natureza com a qual se relacionam e respeitam os seus princípios e técnicas que foram aprendidas em gerações. O conhecimento químico das substancias ictiotóxicas do timbó demonstradas pelos alunos perpassam os conhecimentos tradicionais aprendidos teoricamente em livros e fórmulas.

Agradecimentos

Agrademos primeiramente a Deus, aos professores Reginaldo, Carla e Eliane pelo apoio e incentivo, e especialmente à comunidade indígena Alantesu pela oportunidade desse aprendizado.

Referências

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KRONEN, M. Socioeconomic status of fisherwomen: Women’s fishing in Tonga: Case studies from Ha’apai and Vava’u islands. SPC Women in Fisheries Information Bulletin 11 – November 2002.

SANTOS, J. S.; GUARIM NETO, G. Plantas de quintais da área urbana de Comodoro, Mato Grosso, Brasil. FLOVET, v.1, n.9, p.31-57, 2017.

SOUZA-HIGA, T. C. C.; ANZAI, L. C.; GATTI, F. Formação da estrutura agrária produtiva dos municípios da fronteira oeste brasileira com a Bolívia. In: Penha, B.; Desiderá Neto, W. A.; Moraes, R. F. (Org.). O MERCOSUL e as regiões de fronteira. 1ªed. Rio de Janeiro: IPEA - Qualidade Gráfica Editora, 2017, p. 13-51.

TXICÃO, K. ; LEÃO, M. F. A pesca dos Ikpeng com cipó timbó-açu: elementos da cultura e da natureza que podem ser utilizados no ensino de ciências. Experiências em Ensino de Ciências, v.14, n.1, p.481-494, 2019.

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