AVALIAÇÃO DAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DE FILME BIOPOLIMÉRICO DE FÉCULA DE MANDIOCA INCORPORADO COM CERA DE ABELHA EM CAMADA
ISBN 978-85-85905-25-5
Área
Ambiental
Autores
Nogueira, A.N. (UFERSA) ; Santos, A.D.F. (UFERSA) ; Leite, R.H.L. (UFERSA) ; Menezes, F.L.G. (UFERSA) ; Aroucha, E.M.M. (UFERSA) ; Santos, F.K.G. (UFERSA)
Resumo
Em meio a necessidade de substituição das embalagens produzidas por polímeros sintéticos, bem como o prolongamento da vida de prateleira, os polímeros de origem natural vêm sendo estudado. A adição de lipídios, como a cera, promove uma melhoria nas propriedades de barreira ao vapor d’água, contudo, influencia as propriedades mecânicas de diversas formas, dependendo do processamento. Nesse trabalho, foi sintetizado um filme de fécula de mandioca e cera de abelha saponificada 50 e 100% e incorporada por métodos distintos: deposição com espalhamento e pulverização de um e dois lados do filme. Os resultados mostraram que o filme possui características favoráveis à aplicação em alimentos, com um aumento da resistência à tração de 3 para 9 MPa e módulo de elasticidade de 0,1 para 3 MPa
Palavras chaves
Filme biopolimérico; Cera de abelha; Fécula de mandioca
Introdução
Por serem resistentes, versáteis e apresentarem alta flexibilidade, as embalagens de polímeros sintéticos como o PET, poliestireno e polietileno são ainda os mais utilizados na indústria. No entanto, há uma crescente preocupação com os efeitos desses tipos de embalagens no meio ambiente, uma vez que delongam séculos para serem degradados. Tais demandas causaram o interesse em embalagens biodegradáveis, feitas a partir de polímeros naturais. Os filmes biopoliméricos são usados potencialmente para estender a vida de prateleira e melhorar a qualidade de sistemas alimentares, servindo como barreiras à transferência de massa de umidade, oxigênio, dióxido de carbono, lipídios, atmosfera circundante e ainda, sabor e aroma entre os componentes alimentares (AL-HASSAN et al., 2012). De acordo com o componente principal, esses filmes podem ser divididos em três categorias: hidrocolóides (polissacarídeos e proteínas), lipídeos, e compósitos. Os polissacarídeos são os mais utilizados devido ao fato de promoverem boas barreiras de oxigênio e dióxido de carbono devido à sua estrutura de rede fortemente ligada ao hidrogênio, porém, por ser de natureza hidrofílica, não possui boa barreira ao vapor d’água (VELICKOVA et al., 2015). Devido ao fato de ser um polímero de baixo custo e renovável, a fécula de mandioca se torna uma boa opção para filmes biopoliméricos. Ela é extraída das partes subterrâneas comestíveis dos vegetais (tubérculos, raízes e rizomas), sendo constituída por uma mistura de dois polissacarídeos: a amilose e a amilopectina. A amilose possui cadeia linear e é responsável pela propriedade filmogência do amido, enquanto que a amilopectina possui cadeia ramificada. As diferenças de estrutura e peso molecular entre amilose e amilopectina levam a diferenças em suas propriedades moleculares e propriedades de formação de filme (CAZ, 2017). Várias estratégias têm sido testadas para melhorar as propriedades de barreira e resistência a água, tais como a inclusão de partícula inorgânica impermeável, reticulação de polímeros, misturas de polímeros com lipídeos hidrofóbicos e produção de filmes em multicamadas lipídicas (VELICKOVA et al., 2015). Dentre os lipídeos, a cera vem sendo largamente pesquisada, uma vez que é mais resistente ao fluxo de vapor de água do que a maioria dos outros componentes lipídicos. A cera de abelha é especialmente interessante devido a sua composição química que consiste em um alto percentual de ésteres de álcoois e ácido graxos de cadeia longa e uma menor porcentagem de hidrocarbonetos de cadeia longa e ácidos graxos livres (VELICKOVA et al., 2015). Além disso, tem alta dureza, estabilidade, inerte quimicamente e não possui sabor e cheiro impressos (ANGHEL, 2011). As propriedades mecânicas compreendem a totalidade das propriedades que determinam a resposta dos materiais às influências mecânicas externas, assim, para filmes poliméricos, elas são de fundamental importância, pois os materiais de embalagem devem ter resistência mecânica adequada para manter sua integridade durante o manuseio e armazenamento (MANO, 1991). A natureza dessa resposta depende da estrutura química, temperatura, tempo e das condições de processamento (CANEVAROLO et. al, 2013). Estudos mostraram que a incorporação da cera melhorou significativamente as propriedades de barreira ao vapor d’água e modificou as propriedades mecânicas de diversas formas, a depender das condições aplicadas (WIHODO et. al, 2013). Nesse contexto, o objetivo desse trabalho é avaliar as propriedades mecânicas da cera incorporada por camadas, bem como a influência da saponificação da cera nessas propriedades.
Material e métodos
A fécula de mandioca utilizada nesse trabalho foi obtida comercialmente da empresa Primícias do Brasil Alimentos LTDA. A cera de abelha foi adquirida pelos apicultores rurais do município de Severiano Melo-RN. A cera de abelha saponificada foi confeccionada no Laboratório de Processos Químicos da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). Para a obtenção da fase lipídica, primeiramente foi determinado o Índice de Saponificação utilizando a norma da ABNT, NBR 15513 como referência. As soluções filmogênicas foram formadas misturando a fécula de mandioca ao glicerol a 70ºC em água destilada sob agitação constante por 15 min para obter a gelatinização. Com base no método de casting, os filmes (60 mL) são depositados em uma placa quadrada com 15 cm de largura e 2 cm de profundidade, e então, secos a 50ºC em estufa. As ceras foram incorporadas com 50 e 100% de saponificação pelas seguintes metodologias: em camadas por deposição e espalhamento com espátula de borracha em um lado do filme (D1-50 e D1-100); pulverizada em um lado do filme (P1-50 e P1-100); pulverizada com a quantidade de cera dividida nos dois lados do filme (P2-50 E P2100) e filme controle (CONT), sem adição de cera de abelha. As propriedades mecânicas de resistência a tração, módulo de elasticidade e alongamento na ruptura foram analisadas de acordo com a norma ASTM D3039M em uma máquina universal de ensaios (DL 10000 da EMIC) instalada no Laboratório de Ensaios Mecânicos da UFERSA. A célula de carga utilizada foi de 5kN a uma temperatura de 23 °C e umidade relativa de 60%, com uma velocidade de ensaio de 5 mm/min e comprimento utilizado de 70 mm. As análises foram realizadas em triplicata e os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância (ANOVA), em que as diferenças entre as médias foram avaliadas pelo teste de Tukey ao nível de 5% de significância, com o auxílio do software Statistica® 12.
Resultado e discussão
Quimicamente, a cera de abelha constitui uma ampla variedade de
classes, contendo uma mistura de ésteres (67%), hidrocarbonetos (14%),
ácidos graxos (12%) e álcoois (1%) (SANTOS, 2015).
Os álcoois presentes nas ceras, na forma livre ou esterificada,
constituem a maior parte da fração insaponificável, juntamente com os
esteróis e hidrocarbonetos. Assim, para a separação dos álcoois, a cera deve
ser saponificada por adequado tratamento com álcali, na presença de um
solvente adequado. Em um estudo com as seguintes reações: (a) saponificação
homogênea com álcali alcoólico; (b) saponificação heterogênea com hidróxido
sólido, sem diluição, e (c) saponificação heterogênea com um líquido
imiscível, como álcali aquoso, as reações do tipo (a) são as mais adequadas,
pois são mais rápidas e o etanol requer a metade do tempo requerido para a
reação com metanol (ROZÁRIO, 2006). Diante desses estudos, o etanol foi
escolhido como solvente para a reação de saponificação da cera.
Além disso, nessa hidrólise alcalina do éster, o sal de ácido graxo
formado (tensoativo) possui em sua estrutura uma longa cadeia proveniente do
ácido graxo que constitui uma parte apolar, enquanto sua extremidade é
polar. Isso permite que a parte apolar interaja com a cera, enquanto que a
parte polar interage com a matriz polimérica hidrofílica da fécula de
mandioca, reduzindo a tensão superficial e incorporando a cera.
Para avaliar o comportamento mecânico dessas metodologias de
aplicação da cera, foi realizado o teste de resistência a tração, que é
determinada pela carga aplicada ao material por unidade de área, no momento
da ruptura, expressando a força máxima suportada pelo filme durante um teste
elástico.
Através dos resultados obtidos (Figura 1), é possível verificar que a
incorporação da cera promoveu aumento da resistência e o tratamento P1-100
aumentou de forma significativa a nível de 5% de significância. Resultados
opostos foram encontrados por Oliveira (2017), ao avaliar as propriedades
mecânicas com filme de fécula de mandioca com cera de abelha incorporada em
emulsão.
A saponificação propicia a separação do ácido graxo do álcool de
cadeia longa, em que as moléculas do álcool podem se associar através de
ligação de hidrogênio. Além disso, os compostos de ácido graxo são
insolúveis em água devido a possuir poucos grupos hidrofílicos e grande
número de átomos de carbono (SOLOMONS, 2001). Tais fatores podem ter
contribuído para a formação de uma camada mais íntegra.
Os ácidos graxos possuem caráter hidrofílicos e hidrofóbicos, podendo
ser facilmente dispersos e capazes de interagir formando ligações de
hidrogênio com a cabeça hidrofílica da molécula, o que resulta em uma
hidrofobicidade mais contínua em toda a cadeia (WIHODO et. al, 2013).
A escolha do hidróxido de potássio foi determinada pela maior
solubilidade em solventes orgânicos em relação ao hidróxido de sódio. A
utilização de um excesso de base visando a saponificação total da cera
resulta em um maior rendimento de ácidos graxos (FREITAS, 2011). Essas
condições possivelmente foram as responsáveis pelos melhores resultados
obtidos nos tratamentos que foram totalmente saponificados.
Segundo Mano (1991), módulo de elasticidade, também chamado de módulo
de Young, corresponde a razão entre a tensão e a deformação dentro do limite
elástico. Sendo assim, através dos resultados apresentados na Figura 2,
pode-se verificar que a incorporação da cera promoveu diferenças
significativas a um nível de 5% de significância. Canevarolo et. al (2013)
explana que esse módulo está diretamente relacionado com a rigidez do
polímero. Sendo assim, a cera incorporada em camada promoveu uma melhor
rigidez ao filme em relação ao controle.
Mano (1991) explica também que o alongamento na ruptura representa o
aumento percentual do comprimento da peça sob tração no momento da ruptura,
calculando-se esses valores, é possível inferir que a adição da cera
diminuiu a habilidade do filme em se distender, pois houve uma diminuição de
22% do filme controle para 11, 15 e 13% nos filmes D-50, P1-50 E P2-50
respectivamente. No entanto, essa diminuição não é significativa nos filmes
totalmente saponificados, reduzindo para 19, 19 e 14% nos filmes D-100, P1-
100 e P2-100. Wihodo et. al (2013) citou dois resultados semelhantes em um
estudo de revisão, nos quais tiveram uma diminuição significativa na
elongação do filme.
Diante da tensão versus deformação, tem-se que no filme com maior
módulo de elasticidade origina menores deformações, enquanto que para o para
aqueles em que esse módulo é baixo, que é o caso do controle, uma pequena
força pode causar uma grande deformação.
Conclusões
O filme de fécula de mandioca como matriz polimérica oferece novas oportunidades de desenvolvimento de embalagens alternativas aos polímeros sintéticos, uma vez que por ser composto por elementos de origem natural, o ganho ambiental é expressivo. No entanto, para a melhoria das propriedades necessárias para a obtenção de um filme resistente a água e ao mesmo tempo com propriedades mecânicas favoráveis a sua utilização, é imprescindível uma correta combinação de materiais e de metodologias adequadas. Através do estudo, foi possível verificar a influência das metodologias de incorporação da cera nas propriedades mecânicas, no qual o filme incorporado por deposição com espalhamento e pulverização de um lado do filme, ambos com cera totalmente saponificada apresentaram os melhores resultados quanto a resistência à tração. Da mesma forma, os filmes 100% saponificado mostraram um maior módulo de elasticidade e alongamento na ruptura em relação aos de 50%. Contudo, a incorporação da cera promoveu uma diminuição do alongamento do filme, sendo essa redução mais expressiva nos filmes com 50% de saponificação. Pode-se, portanto, inferir que a camada constituída de cera saponificada com ácidos graxos e álcool de cadeias longas separados promoveram além da hidrofobicidade, maiores resistência e rigidez em relação ao filme sem cera, se tornando promissor para aplicações em sistemas alimentares.
Agradecimentos
Referências
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