Elucidação da interseção de tintas de carimbo versus caneta através de imageamento químico por EASI-MS visando casos forenses em documentoscopia

ISBN 978-85-85905-25-5

Área

Química Analítica

Autores

Morais Campêlo, J. (UFRPE) ; Rodrigues de Morais, D. (UNICAMP) ; Razzo, D. (UNICAMP) ; Nogueira Eberlin, M. (UNICAMP) ; Luiz Costa, J. (UNICAMP) ; Machado Santos, J. (UFRPE)

Resumo

Um dos grandes desafios envolvendo casos forenses é o de identificar a sequência de interseção de linhas envolvendo documentos, em que as imagens microscópicas têm sido comumente utilizadas, mas apresenta limitações que podem levar a falsas conclusões. Sendo assim, neste trabalho mostramos a potencialidade do imageamento por espectrometria de massas com fonte de ionização EASI (EASI-MSI) para determinar efetivamente a sequência de interseção de linhas heterogêneas de tintas de caneta e de carimbo em documentos, através de casos de prova de conceito. Assim, a técnica mostrou- se uma ferramenta analítica precisa e inequívoca no exame das linhas cruzadas das tintas avaliadas, podendo ser utilizada em análises de rotina em ciências forenses.

Palavras chaves

química forense; EASI; espectrometria de massas

Introdução

A fraude de documentos em papel por meio de alterações posteriores, acréscimos de números, assinaturas, selos ou textos é um tipo recorrente de casos encontrados em exames forenses de documentos questionados (PEREIRA et al., 2013). Os carimbos também têm sido usados como uma impressão de identidade e foram adicionados, junto com assinaturas, em muitos documentos legais, sendo frequentemente utilizados como objeto de inspeção em documentos questionados (RAZA;SASHA, 2013). Assim, a análise de tintas de carimbo tem sido importante para investigações forenses, resolvendo casos de disputa em sinistros de seguros, testamentos e contratos (YAO et al., 2009). Muitas vezes, é crucial determinar a sequência de disposição de tintas, mas afirmar a real sequência sempre foi um desafio. Para isto, vários métodos foram descritos, sendo a maioria deles baseada em exames ópticos e análises espectroscópicas (LALLI et al., 2010). Técnicas de espectrometria de massas (MS) utilizando várias fontes de ionização têm contribuído como ferramentas eficazes para as ciências forenses. A análise não destrutiva oferecida pela fonte de ionização EASI (Easy Ambient Sonic-Spray Ionization) é uma das principais características desejáveis em análises forenses, além disso, técnicas envolvendo imageamento por espectrometria de massas (mass spectrometry imaging - MSI) também são atraentes, uma vez que adicionam informações espaciais das moléculas associada à sua distribuição e abundância em uma superfície (ALBERICI; VENDRAMINI; EBERLIN, 2017). Dessa forma, testamos a capacidade do EASI-MSI com o objetivo de obter uma confirmação efetiva da sequência de linhas de interseção de tintas de caneta e de carimbo em provas de conceito, visando a aplicação em casos de documentoscopia nas ciências forenses.

Material e métodos

As medições no EASI-MSI foram realizadas usando uma plataforma de movimento OmniSpray Ion Source 2D (Prosolia Inc, Indianopolis, IN) acoplado a um espectrômetro de massas Q-Exactive (Thermo Fischer Scientific, Alemanha). Uma fonte EASI tipo home-made foi usada nas medições. As condições do estágio de movimento foram: distância do pulverizador à superfície de 3 mm, distância pulverizador-entrada de 3 mm e um ângulo de impacto de pulverização de 55°, usando N2 como gás nebulizador em uma pressão de fluxo de 100 psi e metanol grau HPLC (Merck) com fluxo de 1 mL .min-1. Os dados de MS foram adquiridos utilizando as condições: temperatura capilar de 320 °C, voltagem das lentes de 25 V e resolução de aquisição de 70.000 em m/z 200. A faixa de varredura foi de m/z 200-1500 no modo positivo de aquisição. Os espectros de massa foram coletados com o software Xcalibur 3.0.63 (Thermo Fischer Scientific) e convertidos em arquivos de imagem usando a conversão de dados FireflyTM v. 1.3.0.0, um formato compatível com Biomap. Primeiro, avaliamos os perfis EASI-MS típicos das tintas de caneta e de carimbo, assim como a eficiência da análise EASI-MSI para determinar a ordem correta de deposição de tintas de carimbo e caneta em um papel de ofício branco (Figura 1A) em que há desenhadas duas linhas retas de tinta caneta, onde em uma região o carimbo foi colocado sobre a tinta da caneta (palavra “Nome”), enquanto que na outra região a escrita da tinta da caneta foi feita sobre do selo do carimbo (palavra “Assinatura”). Feita a avaliação inicial, um caso simulado (Figura 1B) foi utilizado para determinar a real sequência de interseção das linhas das tintas.

Resultado e discussão

O MS da tinta de carimbo mostrou que há uma composição de íons referentes a uma série oligomérica de polietilenoglicol (PEG), que pode ser visto pelas diferenças de unidades de 44 Da ao longo da faixa de m/z 300-700. Já o perfil da tinta da caneta é bastante distinto, sendo o íon mais abundante o de m/z 372, que é devido ao componente Basic Violet 3. Além disso, expandindo o espectro na faixa m/z 340-380, há uma série de íons típicos para os produtos de degradação do componente Basic Violet 3, que são separados por unidades de 14 Da, ou seja, os íons com m/z 372, 358 e 344. As tintas para carimbos e canetas apresentam, portanto, perfis de MS exclusivos e característicos que foram úteis para distinguir e identificar a sequência de linhas em interseção. Desse modo, a análise por EASI-MSI da Figura 1A na palavra “Nome” mostrou que nos pontos de interseção das tintas o íon mais abundante é o correspondente ao da tinta do carimbo, o que indica que o papel foi traçado primeiramente pela caneta e carimbado posteriormente. Já a análise da palavra “assinatura”, como esperado, mostrou uma situação oposta, em que a tinta da caneta mostrava-se sobre o carimbo. A Figura 2 ilustra o resultado do EASI-MSI para o documento simulado(Figura 1B), onde a partir das imagens dos íons para a tinta da caneta(m/z 372) e tinta de carimbo(m/z 683) observa-se que o papel foi primeiro carimbado e depois assinado com a tinta da caneta. Podemos confirmar essa conclusão quando verificamos o perfil MSI, de quatro posições selecionadas da imagem. Os pontos 1 e 2 mostram o perfil MS individual para a tinta da caneta e tinta do carimbo, respectivamente. As regiões de interseção também foram escolhidas (pontos 3 e 4), e os perfis MSI encontrados foram relacionados à tinta da caneta.

Papel de ofício estampado com tinta de carimbo e de caneta (A) e documento simulado com tintas de carimbo e caneta pretas (B)


EASI-MSI de um documento e seus espectros de massa em quatro pontos diferentes da imagem para tinta de caneta, tinta de carimbo e interseções.

Conclusões

Através deste trabalho vimos que é possível utilizar o EASI-MSI para distinguir e identificar de forma inequívoca a sequência de interseção entre tintas de carimbo e caneta em documentos. A técnica apresenta muitas vantagens, como não ser destrutiva, sem preparo de amostra, análise direta, aquisição fácil e rápida de dados, além da baixa taxa de resultados falso- positivos. Sendo assim, o EASI-MSI mostra-se uma alternativa em potencial para identificar sequências de traços de diferentes tintas e pode ser utilizado na rotina de investigações forenses de documentos questionados.

Agradecimentos

CAPES, CNPq, FAPESP, PRPPG/UFRPE

Referências

Alberici, R.M., P.H. Vendramini, and M.N. Eberlin, Easy ambient sonic-spray ionization mass spectrometry for tissue imaging. Analytical Methods, 2017. 9(34): p. 5029-5036.

Lalli, P.M., et al., Fingerprinting and aging of ink by easy ambient sonic-spray ionization mass spectrometry. The Analyst, 2010. 135(4): p. 745-750.

Mathyer, J. and R. Pfister, The determination of sequence of crossing strokes by the “Kromekote” paper lifting process and by the scanning electron microscopic method. Forensic Science International, 1984. 24(2): p. 113-124.

Pereira, J.F.Q., et al., Projection pursuit and PCA associated with near and middle infrared hyperspectral images to investigate forensic cases of fraudulent documents. Microchemical Journal, 2017. 130: p. 412-419.

Raza, A. and B. Saha, Application of Raman spectroscopy in forensic investigation of questioned documents involving stamp inks. Science & Justice, 2013. 53(3): p. 332-338.

Yao, Y.T., et al., Differentiation and dating of red ink entries of seals on documents by HPLC and GC/MS. J Sep Sci, 2009. 32(17): p. 2919-27.