ATR-FTIR e quimiometria para análise granulométrica de solos do Estado de Pernambuco
ISBN 978-85-85905-25-5
Área
Química Analítica
Autores
Correia de Lucena, P.G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO) ; Napoleão, D.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO) ; Ramos Moreira de Lima, D. (UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO) ; da Silva Lins, S.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO) ; de Oliveira Gomes, S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO)
Resumo
A análise granulométrica permite entender o comportamento do solo, entretanto o método por dispersão mecânica requer muito tempo. Publicações recentes vêm indicando a espectroscopia de infravermelho como uma opção rápida e não-destrutiva. Foram selecionados solos do Estado de Pernambuco. Eles foram analisados pelo espectrômetro Spectrum-Two da Perkin Elmer. Tendo Quadrados Mínimos Parciais (PLS ) como método de regressão, foram obtidos coeficientes de determinação do modelo de calibração de 0,94 para argila e de 0,92 para areia, a raiz quadrada do erro médio quadrático da previsão (RMSEP ) foi de 4,4% e 9,6% para argila e areia, respectivamente. Não houve diferença estatística pelo teste t (95%) entre os valores previstos pelo modelo e os valores do método de referência.
Palavras chaves
Argila; Areia; Regressão
Introdução
Cerca de metade a dois terços do volume do solo é composto por sólidos (SPOSITO, 2008). Esse material pode ser orgânico e/ou inorgânico. Os sólidos inorgânicos são compostos por uma mistura de rochas, cascalhos, areia, silte e argila. Por conta do grande tamanho das rochas e cascalhos, consequentemente possuem pequena área superficial, não são considerados na avaliação da textura do solo (YU, 1997). A textura do solo é composta pela proporção dos componentes de natureza inorgânica no solo: areia, silte e argila. De forma geral a textura influencia no suprimento de água e nutrientes às plantas. A classificação do tamanho de partículas no Brasil é o padrão de acordo com EMBRAPA (1979). A areia grossa é composta por partículas de 2 a 0,2 mm, a areia fina de 0,2 a 0,05 mm, o silte de 0,05a 0,002 mm e a argila são partículas menores que 0,002 mm. A granulometria e a textura do solo são informações muito importantes para se entender como ele se comporta. O método atual da EMBRAPA (2017) possui a grande desvantagem de ser demorado, somente a dispersão mecânica das partículas do solo requer 16 horas. Diversos trabalhos recentes (TERRA et al., 2015; GE et al., 2014) têm indicado que a espectroscopia de infravermelho pode ser utilizada na predição de argila e areia em solos, mas nenhum foi feito focado na grande variabilidade de solos do Estado de Pernambuco. A espectroscopia de infravermelho é baseada na interação entre radiação eletromagnética na região do infravermelho que está relacionada a transições vibracionais e rotacionais. Esta região é dividida em três: infravermelho próximo (12800 a 4000 cm-1), médio (4000 a 200 cm-1) e distante (200 a 10 cm-1). A região do infravermelho médio é a mais utilizada, seguida do infravermelho próximo. Quase todos os compostos que possuem ligação covalente, sejam eles orgânicos ou inorgânicos, absorvem radiação eletromagnética na região do infravermelho. No entanto, é necessário que a frequência da radiação absorvida seja a frequência natural de vibração e que haja mudança no momento de dipolo da ligação em função do tempo. Atualmente, o método preferido para espectroscopia de infravermelho é o por Transformada de Fourier (FTIR). Na espectroscopia de infravermelho é possível analisar amostras líquidas, sólidas e gasosas. A interação entre a radiação e as amostras pode ser medida por técnicas de transmissão/absorção e por reflectância (ROBINSON, 2014). Na análise de solo, as medidas de reflectância, reflectância total atenuada (ATR) e reflectância difusa, e fotoacústica são preferidas em detrimento às medidas de transmissão. (RAPHAEL, 2010). A relação entre parâmetros do solo e os espectros de infravermelho é feita por métodos de regressão multivariada. Esses métodos possuem a vantagem de utilizar mais de uma variável na predição, isso é importante em sistemas complexos como solos. A regressão pelo Método do Quadrados Mínimos Parciais (PLS) é o mais utilizado em Quimiometria. A validação do modelo de regressão é muito importante para uma boa previsão. Os parâmetros de validação são utilizados para verificar o ajuste dos dados e a previsão, são eles: coeficientes de determinação da calibração, da validação cruzada e da previsão; raiz quadrada do erro médio quadrático da calibração (RMSEC), da validação cruzada (RMSECV) e da previsão (RMSEP) (FERREIRA, 2015). O objetivo deste estudo foi verificar a aplicabilidade da técnica de ATR- FTIR e da regressão multivariada na predição de areia e argila em diferentes solos do Estado de Pernambuco.
Material e métodos
As amostras de solo utilizadas neste estudo fazem parte da Coleção de Solos Mateus Rosas e do Grupo de Gênese e Mineralogia do Solo da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Foram utilizadas amostras de 55 solos, dos dois primeiros horizontes (total de 110 amostras), coletados das três regiões fisiográficas do Estado de Pernambuco (zona da mata, agreste e sertão), 20 solos foram amostrados na zona da mata, 16 no agreste e 19 no sertão. Foram contempladas as 13 classes de solo encontradas no Brasil, conforme o Sistema Brasileiro de Classificação de Solo. As amostras foram secas ao ar e passadas em peneiras de aço com abertura de 2 mm. Uma fração desse material foi macerado em almofariz de ágata para análise no espectrômetro. A localização e os resultados da composição granulométrica dos solos foram compilados de pesquisas realizadas anteriormente (RIBEIRO, 1999; LEMOS, 2013; SÁ, 2018; NEVES, 2014; NEVES, 2018; HLAVANGUANE, 2017; ARAÚJO, 2010; SANTANA, 2019; SOUSA, 2015; SOUSA, 2019; BRILHANTE, 2018 E CORRÊA, 2010). O método de referência da granulometria foi o método do densímetro. O espectro das amostras de solo, cujo faixa espectral foi de 400 a 4000 cm- 1, foi obtido por meio do espectrômetro FTIR Spectrum-Two da Perkin Elmer. Para análise utilizando o módulo ATR, uma pequena quantidade de amostra macerada foi colocada sobre o cristal de diamante de forma a cobri-lo. Para garantir o contato da amostra com o cristal, ela foi pressionada pela força constante de 115 N. Para evitar erros e ruído, os espectros foram obtidos em triplicata, com 50 acumulações por replicatas e resolução de 4 cm-1. A média da triplicata foi utilizada na análise estatística. PLS foi escolhido como método de regressão entre o espectro do ATR-FTIR com as quantidades de argila e areia. Foram avaliados diversos pré-tratamentos como alisamento pelo método de Savitzky-Golay, primeira e segunda derivadas, correção multiplicativa de espalhamento (MSC), padronização normal de sinal (SNV) e remoção da tendência utilizando polinômios de segundo, terceiro e quarto grau. A primeira derivada foi o único pré-tratamento que produziu melhora na acurácia do modelo, depois os dados derivados foram centrados na média. Amostras anômalas foram identificadas por análise gráfica do leverage versus resíduos de Student e removidas do conjunto de amostras, o conjunto restante foi dividido em dois grupos, um para calibração (2/3 das amostras restantes) e um para validação externa (1/3). Foram considerados 10 fatores latentes na fase de calibração, a seleção da quantidade de fatores utilizados no modelo foi aquele com o primeiro menor RMSECV. Os valores previstos pelos modelos foram comparados aos valores do método de referência por meio de teste t com nível de significância de 95%. O pré-tratamento e as regressões multivariadas foram feitos utilizando o software The Unscrambler 10.5 da Camo.
Resultado e discussão
As ordens dos solos predominantes no estudo foram: Argissolos (20,4%),
Planossolos (18,5%), Neossolos (14,8%) e Latossolos (11,1%), as outras 9
ordens juntas somam 35,2%. Após análise gráfica, 7 amostras consideradas
anômalas foram retiradas do grupo utilizado no modelo de regressão para
argila e 10 do grupo da areia. Foram utilizadas 69 amostras de solo na
calibração e 34 na validação do modelo para argila e 67 amostras para
calibração do modelo para areia e 33 para validação externa. Foi feita
estatística descritiva dos dados de argila, para as 103 amostras, e para
areia, para 100 amostras. A média de argila é de 27,1%, com mínimo de 4,6% e
máximo de 73,6%. A assimetria é de 0,6653 e a curtose de -0,3614. Já para os
dados de areia, a média é de 55,3%, com mínimo de 7,4% e máximo de 92,4%. A
assimetria é de -0,3891 e a curtose é de -0,7651. A assimetria e curtose são
medidas que indicam o padrão de distribuição dos dados. Os dados de argila
possuem assimetria positiva sendo a moda menor que a média, ou seja, os
dados mais frequentes do conjunto estão abaixo da média. Diferente da
argila, os dados de areia possuem assimetria negativa e, portanto, os dados
mais frequentes do conjunto estão acima da média. Quanto a curtose, tanto os
dados de areia quanto o de argila se apresentam como uma curva mais
achatada.
Realizou-se regressão utilizando o método PLS para predição das quantidades
de argila e areia. A Tabela 1 apresenta os resultados de calibração para
essas duas frações da análise granulométrica de solos usando ATR-FTIR. Foi
possível observar que ambos os modelos tiveram boa calibração com R2 de 0,94
e 0,92 para argila e areia, respectivamente, e RMSEC de 3,8% e 6,2% para
argila e areia respectivamente. Foi feita validação interna do modelo por
meio de validação cruzada com RMSECV de 4,9% e 7,5% para argila e areia,
respectivamente, e viés de -0,1% e 0,2 % para argila e areia,
respectivamente. O modelo para predição de argila foi composto por 5 fatores
latentes, já o de areia, por 4.
Ge et al. (2014) utilizando solos do Texas, Estado Unidos, desenvolveram
modelos utilizando ATR-FTIR e regressão PLS para argila e areia. Eles
obtiveram um modelo de calibração para argila com seis fatores latentes, R2
de 0,94 e RMSECV de 3,7%. O modelo criado por ele foi mais complexo de
acordo com o número de fatores, mas o RMSECV foi mais baixo que o obtido
neste trabalho. Já o modelo de areia desenvolvido por eles foi calibrado com
6 fatores, R2 de 0,90 e RMSECV de 7,8%. Seu modelo para areia foi mais
complexo e com RMSECV maior. Terra et al. (2015) utilizou espectroscopia de
reflectância difusa, nas regiões do visível e infravermelho próximo (Vis-
Nir) e do infravermelho médio, e regressão por Maquinas de Suporte de
Vetores. Eles desenvolveram um modelo de calibração para argila com R2 de
0,85 e RMSEC de 9,6% no Vis-Nir e com R2 de 0,88 e RMSEC de 8,8% no Mir. Já
areia, no Vis-Nir obteve R2 de 0,85 e RMSEC de 2,5% e no Mir R2 de 0,87 e
RMSEC de 2,4%.
Aplicando o modelo de argila ao grupo de validação externa, foi possível
observar que a performance da predição foi comparável à calibração, com
RMSEP 1,15 vezes maior que o RMSEC (Tabela 2). Ge et al. (2014) obteve os
seguintes parâmetros na calibração externa do modelo PLS: R2 0,94, RMSEP de
3,7% e viés de 0,1%. Já Terra et al. (2015), no Nir obteve R2 de 0,86 e
RMSEP de 9,6%, no Mir o R2 foi de 0,88 e RMSEP de 8,4%.
O teste t, com 95% de confiança, realizado entre os valores previstos pela
PLS e os valores do método de referência indicou não haver diferença
estatística significativa entre eles.
Foram aplicadas as amostras selecionadas para calibração externa ao modelo
de areia. Observou-se redução no R2 quando comparado ao da calibração, e
RMSEP 1,55 vezes maior que o RMSEC. Ge et al. (2014) atingiu os seguintes
parâmetros na calibração externa do modelo PLS: R2 0,88, RMSEP de 8,1% e
viés de 1%. Já Terra et al. (2015), no Nir obteve R2 de 0,89 e RMSEP de
2,2%, no Mir o R2 foi de 0,90 e RMSEP de 2,1%. Os resultados da predição
para areia se encontram na Tabela 2.
Assim como o modelo para argila, o modelo para areia não diferiu
estatisticamente do método de referência utilizando o teste t, com 95% de
confiança.
Parâmetros de calibração dos modelos de PLS de argila e areia.
Resultado da predição de argila e areia por PLS
Conclusões
Neste trabalho, utilizou-se espectroscopia de refletância total atenuada no infravermelho média para obter espectros de infravermelho de amostras de solo do Estado de Pernambuco. Apesar de poucas publicações referentes ao uso do ATR-FTIR em análises quantitativas, esta ferramenta aliada a quimiometria se mostrou muito efetiva na predição de argila e areia, sendo possível realizar análises quantitativas utilizando pouca quantidade de amostra com o mínimo de preparação. Foram testados diversos métodos de tratamento de espectros, mas a primeira derivada se apresentou como o melhor. O modelo de argila obteve coeficiente de determinação do modelo de calibração de 0,94 e de 0,94 da validação externa. Já o modelo de areia obteve coeficiente de determinação do modelo de calibração de 0,92 e de 0,87 para a validação externa. O test t a 95% de confiança indicou que não houve diferença estatística entre os valores previstos pelo modelo e os valores do método de referência. Os modelos de predição de argila e areia podem ser utilizados para otimizar a análise granulométrica de solos.
Agradecimentos
À Pós-Graduação em Ciência do Solo da Universidade Federal Rural de Pernambuco, especialmente aos professores Valdomiro Souza Júnior e Mateus Rosas Filho.
Referências
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