Caracterização da fração mássica do íon fluoreto em candidato a Material de Referência Certificado utilizando metodologia de alto desempenho
ISBN 978-85-85905-25-5
Área
Química Analítica
Autores
Rodrigues, E.O. (INMETRO) ; Osorio, A.C.P. (INMETRO) ; Sena, R.C. (INMETRO) ; Caixeiro, J.M.R. (INMETRO) ; Borges, P.P. (INMETRO)
Resumo
Este artigo descreve a etapa de caracterização de uma solução de calibração de fluoreto preparada no Setor de Laboratório de Análise Inorgânica (Labin) do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) como candidato a Material de Referência Certificado (MRC). Para maior confiabilidade e comparabilidade dos resultados das medições, a metodologia de cromatografia iônica de alto desempenho foi implantada no Labin e utilizada na caracterização do lote do candidato a MRC, estabelecendo uma rastreabilidade metrológica direta ao Sistema Internacional de Unidades (SI) e minimizando os efeitos da deriva instrumental no estudo da caracterização. Dados do preparo gravimétrico do lote foram utilizados para confirmação da fração mássica do íon fluoreto (F-) determinada pelo modelo ora proposto.
Palavras chaves
cromatografia de íons; íon fluoreto; metrologia química
Introdução
No Brasil, o flúor é um elemento de incorporação obrigatória à água de consumo humano para prevenção de cáries dentárias (FLORENÇANO, 2016). Devido a sua influência na saúde e efeitos indesejados, seja por deficiência ou por excesso, o fluoreto é um dos indicadores da qualidade determinados para monitoramento pela Diretriz Nacional do Plano de Amostragem da Vigilância em Saúde Ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano do Ministério da Saúde (MS), que têm a obrigatoriedade de fiscalizar a água fornecida à população brasileira (MS, 2006). De acordo com o Anexo XX da portaria de consolidação do MS nº5, principal referência normativa relacionada à potabilidade da água, “os laboratórios públicos que realizam as análises de monitoramento rotineiramente para vigilância devem estar não só habilitados para a realização dos ensaios, mas também devem comprovar a existência do sistema de gestão da qualidade, conforme os requisitos estabelecidos pela ABNT NBR ISO/IEC 17025”. Esta norma define que o laboratório deve estabelecer, implementar e manter um sistema da qualidade apropriado ao escopo das suas atividades. Medidas da qualidade relacionadas a resultados analíticos como a validação de métodos, o uso de materiais de referência, a participação em ensaios de proficiência e outras ações similares devem ser consolidados para garantir resultados confiáveis. Assim, a disponibilidade de Materiais de Referência Certificados (MRC) adequados aos laboratórios brasileiros têm sido uma das metas do Inmetro, visando contribuir com a rastreabilidade metrológica dos resultados para maior confiabilidade nas medições analíticas realizadas no país. A produção e certificação de soluções elementares de calibração na concentração de 1000 mg/kg tem sido uma das prioridades no Inmetro. Elas são muito utilizadas em quase todos os laboratórios químicos devido a sua facilidade de manuseio e amplitude de aplicações na química analítica. Seu emprego em diferentes métodos é estabelecido principalmente por prover a rastreabilidade metrológica dos resultados das determinações das concentrações de elementos presentes na solução de calibração, determinando categoricamente a exatidão das medições através do seu uso (KIPPHARDT et al, 2006). Uma das etapas da certificação de um MRC requeridas pela ABNT NBR ISO 17034:2017 é a caracterização, que constitui no fornecimento de evidências da rastreabilidade metrológica na determinação do valor de propriedade (ISO GUIDE 35: 2017). A determinação da fração mássica de um elemento em solução pode ser realizada utilizando as técnicas analíticas de Ion chromatography (IC), Atomic Absorption Spectrometry (AAS), inductively coupled plasma optical emission spectrometry (ICP-OES) em conjunto com a calibração externa ou outros métodos tradicionais, que proporcionam resultados com incertezas- padrão combinadas de aproximadamente 2%. Porém, dada a maior hierarquia metrológica de uma solução de calibração, para caracterizar a fração mássica de F- no candidato a MRC foi utilizada uma técnica mais precisa e exata, a cromatografia iônica de alto desempenho (HP-IC, por suas siglas em inglês). A técnica (SALIT; TURK, 1998) é análoga à diluição isotópica, na qual se aplicam: a utilização de padrão interno, o preparo gravimétrico de soluções e uma modelagem polinomial e para minimizar os efeitos da deriva instrumental. Com este conjunto de procedimentos, se obtém uma incerteza expandida relativa muito menor que a incerteza obtida por métodos convencionais (BRENNAN et al, 2011). Neste trabalho se apresenta a caracterização por HP-IC para determinação da fração mássica de F- da solução de calibração em processo de certificação como material de referência. O lote foi preparado pelo método gravimétrico e através deste pode-se determinar a fração mássica de F-, comprovando o resultado obtido através do modelo analítico proposto (uso da HP-IC).
Material e métodos
Foram preparadas gravimetricamente 4 soluções calibrantes com NaF ultrapuro (NaF-Labin-1, 99,995 %, U= 0,003 kg/kg, k=1,96) e água Tipo I. As frações mássicas foram de 10000 mg/kg, com variação máxima de 0,3 %. Selecionou-se por amostragem aleatória estratificada 3 unidades do lote preparado gravimetricamente com NaF ultrapuro (NaF-Labin-2, 99,994 %, U= 0,003 kg/kg, k=1,95) e uma fração mássica de F- de 1000 mg/kg. De cada solução calibrante e unidade de MRC foram separadas 2 alíquotas de 20,00 g ± 0,01 g. A cada unidade foram acrescentados gravimetricamente 10,00 g de solução do íon cloreto (Cl-) de 3,15 g/kg (padrão interno). Posteriormente, foram preparadas diluições gravimétricas para obter soluções de trabalho de 50,00 g com 2,00 mg/kg F- e 3,11 mg/kg Cl-. A variação da massa em cada diluição foi < 0,3 %. As análises foram realizadas no cromatógrafo de íons ICS-1000, com detector de condutividade, supressora e amostrador automático (DIONEX). (vazão de 0,3 ml/min, TR 3,7 min F- e 5,5 min Cl-, áreas dos picos F e Cl de 0,9 µS min). Analisaram-se 5 sequências, 2 réplicas de análise de cada uma das soluções de trabalho preparadas em duplicata (amostras, calibrantes e amostras controle). O tempo de análise foi aproximadamente 32 horas contínuas. A sequência cromatográfica foi feita em aleatoriamente para cada conjunto de réplicas, com a alternância entre amostras e calibrantes, para que as correções fossem efetivas no cálculo da fração mássica do F- de cada amostra. Utilizando a modelagem polinomial para minimizar o efeito da deriva instrumental através da equação 1 (SALIT; TURK, 1998), os resultados das réplicas foram corrigidos e a fração mássica do F- (w(F)) calculada de acordo com as equações 2, 3 e 4 (SALIT et al, 2001). A incerteza em w(F) é estimada através da propagação da incerteza dos componentes individuais (equação 2). S é calculado para cada um dos calibrantes a partir das soluções de trabalho de cada aliquota. S0 medição =[S^medição (1-∈deriva (t))]+ Smedição (1) Na qual: S0 medição = sinal analítico corrigido; S^medição = média global do sinal analítico de cada amostra; S medição = sinal analítico; ∈ deriva (t) = função polinomial para modelar a deriva instrumental. w(F-)=Q/S (2) Si=Ri.mi(IS)/(mi(A) (3) Qj=Rj.mj(IS)/(mJ(A) (4) Na qual: w(F) é fração mássica do F- na amostra (MRC candidato); S é a sensibilidade do CI medida com as soluções calibrantes; Q é a resposta do CI das soluções de amostras (MRC candidato); Ri é a razão área dos picos do F - / padrão interno do calibrante; mi(IS) é a massa adicionada do padrão interno; mi(A) é a massa do F- presente no calibrante; Rj é a razão da área dos picos do F - / padrão interno da amostra mj(IS) é a massa da solução estoque do padrão interno adicionada; mi(A) é a massa do F- presente na amostra (MRC candidato).
Resultado e discussão
A figura 1 (a) mostra as razões dos resultados médios das replicatas das áreas
dos picos correspondentes ao F- e Cl- (F-/Cl-) das amostras e calibrantes em
sequência analítica, corrigidos através da equação da modelagem polinomial.
Este gráfico demonstra uma minimização dos efeitos da deriva instrumental, sem
a presença visual de tendência. Neste sistema, os calibrantes atuam
recalibrando o sinal analítico com frequência, possibilitado através do
desenho experimental proposto na metodologia. Para ilustrar a deriva
instrumental presente em uma sequência longa de análises cromatográficas, a
figura 1(b) representa o gráfico elaborado com os resultados da área dos picos
de F- obtidos através de uma sequência analítica de 80 injeções antes da
implantação do HP-IC. Além da tendência perceptível visualmente, a maior
dispersão dos resultados por influência instrumental ao longo do tempo sem
tratamento adequado impactará nos resultados de certificação da fração mássica
e contribuirá para uma maior incerteza final do MRC em processo de
certificação.
Após a correção dos sinais analíticos utilizando a equação 1, foram calculados
os parâmetros Q e S, para cada amostra e calibrante utilizando as equações 2 e
3, respectivamente. Para avaliação da dispersão dos resultados de cada
parâmetro, utilizou-se o teste de ANOVA. O valor-P > 0,05 indicou que os
resultados obtidos para os calibrantes (valor-p = 0,094) não apresentaram
diferença, assim como os resultados obtidos para as amostras (valor-p =
0,443). Assim os valores médios de Q (n = 8) e S (n = 6) foram utilizados para
calcular a fração mássica de F- na solução, obtendo-se o valor de 996 mg/kg .
A incerteza combinada, uc, foi estimada considerando as incertezas-padrão
relacionadas aos parâmetros Q e S, resultando em um valor relativo de 0,33%
sobre a fração mássica de fluoreto. A incerteza expandida, U, foi estimada
multiplicando a incerteza combinada e um fator de abrangência (k = 2,2, 95% de
confiança) resultando em de 7,3 mg/kg.
A determinação de w(F) do lote por gravimetria foi calculada através
das massas envolvidas no preparo da solução de F-, considerando o efeito do
empuxo do ar, a pureza certificada do NaF e as massas atômicas dos elementos
presentes. A incerteza correspondente também foi calculada (KRAGTEN, 1998,
GUM, 2008) e o valor de w(F) por gravimetria foi de (999,14 ± 0,41) mg/kg F-
(k = 1,96; 95 % de confiança). A representação gráfica de ambas as
caracterizações (CI-HP e gravimetria) estão presentes na figura 2.
Embora a incerteza apresentada pelo método por HP-IC seja maior que a obtida
por gravimetria, que é um método primário de alto valor metrológico, os
resultados da w(F) foram comparados aplicando a equação 5 (LINSINGER, 2010 ;
ISO GUIA: 33, 2019).
⌊X1-X2⌋≤ k√(u1^2+u2^2 ) 5
Na qual:
X1 = W(F) determinado pelo método gravimétrico;
X2 = W(F) determinado pelo método HP-IC;
u1^ = Componente de incerteza da caracterização pelo método gravimétrico;
u2^ = Componente de incerteza da caracterização pelo método HP-IC.
O resultado da comparação obtida (3,26 ≤ 6,63) indica consistência entre os
valores (não há diferença estatisticamente significativa) entre eles. Assim a
metodologia HP-IC demonstrou a aplicabilidade para determinação da fração
mássica da solução de F- na etapa de caracterização e monitoramento da
estabilidade.
Gráfico da modelagem polinomial da deriva instrumental (a) , resultados da área de uma sequência analítica de 80 injeções(b).
Resultados de w(F) por gravimetria x HP-IC
Conclusões
A fração mássica do lote do candidato a MRC da solução do F- foi determinada através do método que utilizou a técnica HP-IC. O método proposto minimizou o efeito da deriva instrumental através da modelagem polinomial. O valor da fração mássica de F- determinado por HP-IC (996 ± 7) mg/kg F-(k = 2,20; 95 % de confiança) foi comparado com a fração mássica do F- obtida através da caracterização por gravimetria (999,14 ± 0,41) mg/kg F- (k = 1,96; 95 % de confiança), e não apresentaram diferença significativa, garantindo o valor de propriedade do mensurando. A expectativa de obter uma componente de incerteza da caracterização por CI menor que os métodos tradicionais aplicadas ao CI, como a calibração externa, foi correspondida (u= 0,33 %). Assim através da caracterização da solução de calibração de F-, o modelo proposto demonstrou sua empregabilidade satisfatória a esta certificação e de outras soluções elementares a serem produzidas, com menores incertezas, para que os laboratórios usuários possam obter resultados mais precisos, fortalecendo a cadeia de rastreabilidade metrológica dos resultados no país.
Agradecimentos
A Fiocruz/Ensp pelo financiamento de materiais relacionados a produção do MRC de fluoreto.
Referências
Brasil. Ministério da Saúde. Diretriz Nacional do Plano de Amostragem da Vigilância em Saúde Ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano, Brasília, 2006.
Brasil. Ministério da Saúde. Portaria de consolidação do MS nº 5 anexo xx Procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, Brasília. 2017
BRENNAN, R. G et al. Achieving 0.2% Relative Expanded Uncertainty in Ion Chromatography Analysis Using a High-Performance Methodology. Analytical Chemistry, v. 83, n. 10, p. 3801–3807, 2011.
FLORENÇANO J.C. S, Assis J., o abastecimento de água e seus reflexos na saúde da população. rev. Const. Vol. 06 Num. 01, JAN/JUN 2014.
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